A Bíblia nos fala de dois jardins — um deles, um mito; o outro, um acontecimento histórico. No Jardim do Éden, no primeiro livro do Antigo Testamento, encontramos a primeira fábula da auto-afirmação de uma vontade mortal. No Jardim de Getsêmani, no Novo Testamento, encontramos a mais momentosa, a mais portentosa luta da história da humanidade contra o magnetismo daquela força de vontade mortal e mitológica, que quer impor-se.
Continuando a ler a descrição divinamente inspirada da criação espiritual, no primeiro capítulo do Gênesis, em que Deus, o Princípio criador, é apresentado como o criador de tudo, formando o homem à Sua própria imagem e fazendo tudo bom, deparamo-nos com a tentativa de explicar a existência mortal, na qual um conceito mortal do criador, que conhece tanto o bem quanto o mal e neles consente, apresenta o homem como formado da substância do pó — o homem que encontra sua totalidade em outro ser semelhante, feito da mesma substância.
Temos aqui dois contrastes — os dois jardins: o Éden e o Getsêmani; e os dois relatos bíblicos da criação: o mortal e o espiritual.
Como é importante para cada um de nós compreender a verdadeira natureza do homem! Essa compreensão é a verdadeira base do conhecimento de si próprio, que tem sido sempre a necessidade básica de todo ser humano. Talvez nunca antes tenham as pessoas estado tão conscientes dessa necessidade como o estão hoje. Precisamos conhecer-nos a nós mesmos antes de podermos ser nós mesmos e cumprir com a razão de nossa existência.
A Ciência do Cristianismo ensinada e demonstrada por Cristo Jesus habilita-nos a estabelecer a distinção entre o espiritual e o mortal e, assim, obter a chave do autoconhecimento científico e compreender como podemos conquistá-lo. O Evangelho de João diz a respeito do Mestre do Cristianismo: “A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” João 1:12, 13; Ao aceitarem Jesus como seu Guia, as pessoas serão levadas a reconhecer e a demonstrar sua filiação espiritual.
Segue-se daí que nós nos conhecemos primeiramente pela percepção de que o homem é o filho, o descendente ou a emanação, de Deus, Sua semelhança espiritual; em segundo lugar, por reconhecermos como falso, e por rejeitarmos, o sentido mortal, negativo e sofredor do eu que é nascido da vontade da carne e de sua concupiscência. Em toda a Bíblia, o sentido mortal do ser está relacionado ao sonho de Adão, e o mortal ao sonhador, tal como diz nestas conhecidas palavras de Isaías: “Afastai-vos, pois, do homem cujo fôlego está no seu nariz. Pois em que é ele estimado?” Isaías 2:22;
Que meios empregaríamos para invalidar esse relato ilusório da mortalidade e demonstrar nossa filiação espiritual?
De maneira divina, a união científica entre Deus e o homem, o Pai e o filho, existe, é um fato; humanamente, essa união deve ser demonstrada. Uma vez que ela existe, podemos demostrá-la.
Elaborar nossa união com Deus, na vida prática, é demonstrar Deus, nosso Princípio divino, é demonstrar nossa coincidência com nossa origem divina. Coincidência implica ser idêntico em natureza e em caráter. Então, ali onde parece existir um mortal em luta, está o filho de Deus, que corresponde, em natureza e caráter, à sua origem divina. No livro-texto da Ciência Cristã, Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, a Sr.a Eddy nos diz: “A unidade científica que existe entre Deus e o homem tem de ser elaborada na vida prática, e a vontade de Deus tem de ser universalmente feita.” Ciência e Saúde, p. 202;
Existe alguma vontade além da vontade divina? “Não!” poderíamos responder com espontaneidade. Mas sabemos muito bem da pretensa existência de algo que não é a vontade divina. Essa assim chamada vontade mortal é a auto-afirmação de um falso ego, de um falso sentido de eu, que diz com arrogância: “Eu existo e tenho de ser tomado em consideração!” Todos reconhecemos seu argumento costumeiro: “Quero o que quero e quando o quero.” Essa é, notoriamente, a vontade humana — mais precisamente, a vontade mortal — o falso sentido pessoal de eu, que deve ser, de fato, tomado em consideração. Novamente, as palavras da Sr.a Eddy expõem este fato: “É contra a força de vontade mortal que pretende impor-se, que vocês precisam estar em guarda.” Miscellaneous Writings, p. 281;
Essas palavras nos reportam às lições que devemos aprender dos dois jardins. No primeiro jardim, encontramos desobediência; no segundo, obediência à vontade de Deus. No primeiro, fraqueza; no segundo, força divina. Eva alimentou-se da autocondescendência para com o sentido pessoal. O alimento de Jesus era fazer a vontade de seu Pai (ver João 4:34). Adão e Eva comeram do fruto proibido daquela árvore mitológica do conhecimento do bem e do mal; Jesus conhecia seu Pai, Deus, como a Vida.
Os dois mortais iludidos, no jardim mítico, trouxeram sobre si mesmos a maldição que os expulsou dali, despojados de tudo, a fim de procurarem, lá fora, o que o homem, em sua união com Deus, já tem dentro em si. Jesus tomou posse consciente daquilo de que o homem não pode ser despojado — sua união com seu Pai-Mãe Deus. O que se perdeu no primeiro jardim foi recuperado de modo humano no segundo jardim. A primeira cena argumentou separação; a segunda, demonstrou haver união. A primeira ilustrou o governo da vontade mortal; a segunda demonstrou a soberania da vontade divina. A primeira retratou um mortal decaído; a segunda culminou no Salvador ressuscitado. A primeira resultou num Adão pecador e sua descendência; a segunda revelou a idéia-Cristo da filiação divina.
No Getsêmani, nosso abençoado Mestre estava elaborando sua própria salvação e, como nosso Guia, indicando-nos, ao mesmo tempo, o caminho, a fim de demonstrar nossa união com Deus. Tal como o Cristo, a idéia da filiação divina do homem, era o eu espiritual de Cristo Jesus, assim também, na realidade espiritual absoluta, é ele, agora mesmo, o verdadeiro eu, ou natureza divina, de cada um de nós. A compreensão disso nos dá domínio sobre o que é mortal e o vulnerável. O divino é a única realidade que existe. Em verdade, não há um eu mortal, não há vontade mortal para se impor. À medida que compreendermos isso e recusarmos nos identificar como se estivéssemos na carne, demonstraremos nosso domínio sobre as crenças da carne — domínio que nos foi outorgado por Deus.
Que é que se requer de nós ao demonstrarmos nosso domínio sobre o desejo carnal ou o sentido mortal do eu? Espiritualização do pensamento. Esse é o processo de refinação, pelo qual o divino afirma sua ascendência sobre o mortal na natureza humana. É pôr nossos pensamentos em sintonia com a Verdade — o real; e rejeitar o mortal — o irreal. O homem não é o produto, o instrumento, ou a vítima da vontade mortal; é, isso sim, a emanação da vontade divina. As qualidades da natureza divina são os elementos da vontade divina. As qualidades do sentido pessoal — tais como o egoísmo, o orgulho, o medo, a inveja, o ódio — são os componentes da vontade mortal. A espiritualização do pensamento consiste, então, em vencer sistematicamente aquilo que pretende ser sentimentos e fracassos mortais, por exigirmos e pormos em prática as qualidades de nossa natureza divina. Esse é um ponto básico para a compreensão de nossa verdadeira identidade, a qual nos habilita a sermos nós mesmos, sejam quais forem as circunstâncias; e, portanto, a cumprirmos com nosso objetivo individual.
No reino espiritual, naturalmente, não há desafios. Uma vez que cada indivíduo é completo em sua união com Deus, ao enfrentar um desafio nunca temos necessidade de adquirir alguma coisa que já não nos pertença. Precisamos, porém, tomar posse da força já existente dentro em nós, e que é derivada de Deus. Isso significa que devemos ser puros quando tentados a nos tornar impuros; ser íntegros quando tentados a ser desonestos ou condescendentes; ou amar quando tentados a ter inveja ou ódio; ser corajosos quando tentados a sentir medo. Primeiro tomamos posse de nossos recursos espirituais na comunhão com Deus, como Jesus o fez nas horas incontáveis que passava a sós com seu Pai. A musculatura mental e a força espiritual se desenvolvem à medida que a oração de Jesus se torna a nossa oração e quando vivemos essa oração.
A obra a que a Sr.a Eddy dedicou sua vida, atesta ter ela passado pelas provas do Getsêmani, e dá-nos uma visão maior da natureza da oração de Jesus, onde ela diz: “Quando o elemento humano nele lutava com o divino, nosso grande Mestre disse: «Não se faça a minha vontade, e, sim, a Tua!» — isto, é, não seja a carne, mas o Espírito, representado em mim.” Ciência e Saúde, p. 33.
À medida que vivermos essa oração, estaremos elaborando nossa união científica com Deus e colhendo os frutos dessa união. Veremos que, como a vontade de Deus é a única vontade, Sua vontade é a nossa vontade.
O magnetismo animal — a crença em uma mente ou uma vida separada de Deus — ao ser afrontado pela idéia-Cristo, no Getsêmani, revelou a fraqueza mortal dos discípulos. Em Jesus, esse confronto resultou em força divina. Os discípulos deixaram-se vencer pela apatia; Jesus amou o bastante para vencer a apatia.
Jesus conhecia-se a si mesmo como o Filho amado de seu divino Pai, e era submisso à vontade divina. Como sabia que Deus é o único Deus, a única Vida e a única Mente e, portanto, sua Vida e sua Mente, reivindicou e demonstrou, com toda a humildade, a Mente que não podia ser mesmerizada, a Vida que não podia ser destruída, o Amor que era invencível.
Há muitos anos, uma excitante experiência pôs tudo isso em evidência para mim. Acordando-me certa manhã, bem antes do amanhecer, fiquei a pensar sobre a situação atual do mundo, sobre a responsabilidade e o desafio com que a Igreja de Cristo, Cientista, e os seus membros se defrontam, e sobre o lugar que me cabe e meu desempenho nessa conjuntura. Veio-me ao pensamento: “Muito bem! este é o Getsêmani da humanidade!” Como anteriormente por várias vezes o fizera, imaginei aquela cena de tão significativa luta espiritual, com os discípulos a dormir de tristeza, e identifiquei-me, com toda a minha força, com os desalentados Pedro, Tiago e João. Repentinamente, porém, um pensamento encheu-me de surpresa: “Quem, nesta época, ocupa o lugar do Mestre em luta? Quem, hoje em dia, tem a responsabilidade de testemunhar do Cristo, de cumprir a vontade e o propósito divinos?” Veio-me a resposta: “Você!”
Naturalmente, ninguém pode tomar o lugar que o Guia amado da humanidade ocupa na história humana, porém aqueles que, por segui-lo, adquiriram uma compreensão demonstrável do Cristo, a filiação espiritual do homem, têm seus propósitos definidos. Reconhecida a filiação, vem a responsabilidade inerente à condição de discípulo.
Em certo sentido, deve ter havido muitos pequenos Getsêmanis, crucificações, ressurreições e ascensões, na experiência humana de Jesus, que o prepararam para aquele Getsêmani e aquela crucificação finais e ultimaram sua ressurreição e ascensão. Assim, a toda hora, cada um de nós tem de decidir entre deixar que a carne — o sentido mortal — ou a natureza e a vontade divinas se expressem por nosso intermédio. Em toda vida humana há Getsêmanis, lutas decisivas em que fazemos nossa escolha entre nos identificarmos com o “eu” mortal arrogante e autoderrotante; entre deixarmos que a vontade do grande Eu Sou se manifeste em nós; em que escolhemos entre a fraqueza do mortal e a força do divino; entre ser escravos da carne ou ter domínio sobre ela; quando fazemos a escolha entre o prazer momentâneo e a alegria inexpugnável que sempre nos satisfaz.
Devemos lembrar-nos sempre de que o sentido mortal e diabólico nunca pode conceder aquilo que promete, enquanto que o sentido espiritual, o sentido divino, abre os nossos olhos para que vejamos todo o bem que possuímos agora, devido à nossa união com o Pai divino. Esta é a Sua vontade para com todos os Seus filhos.