Se Deus é tão bom e todo-poderoso, como pode o mundo ser tão mau?
Em algum momento, cada um de nós se confronta com essa pergunta, ou com uma variante dela. Cada um de nós tem sua própria resposta, incluindo a conclusão aparentemente lógica de que não pode haver um Deus, e a posição religiosa de que o mal seja permitido ou até mesmo enviado por Deus para testar o fiel.
A resposta absoluta oferecida pela Ciência Cristã (a qual declara que, se Deus é real, então o bem é, por definição, infinito e, portanto, o mal é irreal) pode inicialmente parecer um mero sofisma. Às vezes, eu também pensava assim. Há vários anos, profundamente desgostoso, cheguei até mesmo a arremessar a Bíblia aberta com toda força contra a parede do meu quarto, seguida pelo arremesso do livro-texto da Ciência Cristã, Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, de Mary Baker Eddy, também aberto. Depois, arremessei contra a parede até mesmo meu exemplar do Livrete Trimestral da Ciência Cristã, que contém as Lições Bíblicas semanais da Ciência Cristã.
Eu havia acabado de ler trechos nesses livros sobre a doçura, a luz e o amor de Deus e me senti indignado diante da aparentemente imensa distância entre o que eu estava lendo e aquilo que eu sabia estar acontecendo no mundo. As notícias na ocasião falavam dos contínuos massacres de civis, e que ocorriam em outra parte do mundo, de forma sistemática e em larga escala, massacres esses que incluíam mulheres, crianças e, até mesmo, bebês. Sentia-me arrasado por um sentimento que misturava impotência pessoal, raiva, diante da aparente indiferença dos líderes políticos da “comunidade internacional”, e frustração diante da apatia e ignorância ainda mais profundas da maioria de seus constituintes. A bondade do homem à imagem de Deus parecia uma piada de muito mau gosto e não havia nenhuma varinha de condão para tornar as coisas repentinamente melhores.
Após alguns momentos, meu desespero começou a se abrandar e senti como se estivesse conversando com uma “voz silenciosa” que me questionava:
“O Amor cometeu esses massacres?”
“Não, mas…”
“O Amor disse para as pessoas cometerem esses massacres?”
“Não, naturalmente que não, mas…”
“É o Amor a causa da brutalidade?”
“Não, mas …”
“Existe alguma coisa nesses massacres que prove de forma conclusiva que o Amor, verdadeiramente vivido, seja impotente para pará-los ou mesmo impedi-los?”
“Eh … pode repetir isso?”
“Você ouviu.”
Finalmente, fui forçado a admitir que o Amor divino não era culpado nem impotente. Depois de algum tempo, até apanhei os livros do chão e realinhei as páginas amassadas.
Nos dias, semanas, meses e anos que se seguiram, compreendi que aquele momento fora outro daqueles pequenos e humildes começos essenciais à espiritualidade que a Bíblia ensina. O profeta Elias, por exemplo, não encontrou o Senhor na força destrutiva do terremoto, do vento e do fogo, mas sim no “cicio tranquilo e suave” (ver 1 Reis 19:11, 12). O recém-nascido Jesus, de acordo com o Evangelho de Lucas, teve sua primeira cama em uma manjedoura (ver Lucas 2:7). Quando adulto, de acordo com três relatos nos Evangelhos, Jesus citou um antigo salmo para predizer que seu próprio ensinamento seria inicialmente descartado como errôneo ou irrelevante, antes que as pessoas finalmente compreendessem que ele oferecia o único fundamento seguro para o pensamento e a vida (ver Salmos 118:22; Mateus 21:42).
Jesus não entrou em cena com um grande exército conquistador. Aparentemente, ele até mesmo deixou que os “maus” vencessem. Na crucificação, ele parecia ser a prova viva de que “coisas más acontecem às pessoas boas”. Por quê? Porque a humanidade necessitava da prova tangível de que o Amor nunca abandona ninguém, até mesmo na morte, até mesmo depois da morte.
Naturalmente, os cristãos de todas as denominações também celebram a ressurreição de Jesus e sua ascensão final acima de todos os sentidos materiais. Mas, mesmo sem provas físicas de ressurreição e ascensão em nossa vida, qualquer um que tenha perdido entes queridos está ciente de que o amor persiste. Em um exemplo tocante, uma jovem que eu conheço, uma menina que costumava viver nas ruas, havia não somente perdido sua filha mais nova, que mal completara um ano de idade e havia morrido de tuberculose, como também teve seu sofrimento agravado pela recusa de um funeral religioso para a criança, porque a criança não havia sido batizada. Até mesmo os coveiros do vilarejo se recusaram a cavar um túmulo porque ela não tinha dinheiro para pagá-los.
Com amigos de uma organização não governamental, ajudei a fazer os arranjos necessários. Depois de um funeral rapidamente realizado, em lágrimas ela sorriu de repente e me perguntou se eu me lembrava de tê-la levado com seu bebê até o hospital alguns meses antes. Eu havia colocado uma música divertida no rádio da van e o bebê havia balbuciado todo feliz. “É assim que devemos nos lembrar dela”, ela acrescentou, “e não de outra maneira”.
Quando ela sorriu, pude sentir nela uma resolução sanadora, vencendo o desespero e o pesar que, em seu caso, eram mais do que compreensíveis. Esse senso sanador teve um efeito inspirador na experiência da jovem. Durante os meses seguintes, com considerável luta contra a pobreza e a burocracia, ela e outros membros de sua família conseguiram obter os serviços de eletricidade e água corrente para a casa onde todos viviam. Apesar de suas experiências negativas e dificuldades contínuas, ela rejeitou instintivamente a ideia de que o Amor fosse impotente ou pudesse parar de cuidar de sua filhinha ou de qualquer outra criança. Essa resiliência espiritual subjacente trouxe cura ao seu pesar e lhe deu força para seguir adiante.
Esses momentos e outros iguais a esses me ensinaram que, mesmo nesses momentos desesperadamente tristes, vazios e de derrota, podemos vislumbrar a maneira como a natureza infinita do Amor transforma tudo o mais em nulidade.
“Deus é Amor. Podemos pedir-Lhe que seja mais?” escreve a Sra. Eddy em Ciência e Saúde (p. 2). Ou, de novo: “ ‘Deus é Amor’. Mais do que isto não podemos pedir, mais alto não podemos olhar, mais longe não podemos ir” (p. 6). Ela assinala que o Amor é como o princípio da matemática: Ele está sempre lá para que todos o compreendam e o apliquem (ver p. 3).
O Amor não é uma força intimidadora ou dominadora que exige uma súplica abjeta; ele está sempre ali, de forma silenciosa, mas com poder e confiabilidade para ser compreendido. Se recebermos o troco errado em uma loja, podemos insistir na aplicação correta do princípio da matemática para obter o que nos é devido. Somente nossa própria ignorância do princípio, o medo ou a apatia com relação a sua aplicação, impede um resultado justo.
Da mesma maneira, as “coisas más” que acontecem em nossa vida podem ser vencidas e curadas pela silenciosa, mas verdadeira, lei do Amor, mesmo quando nossos primeiros passos para colocar essa verdade em prática pareçam pequenos. Por exemplo, quando começamos a orar cientificamente sobre dificuldades pessoais de qualquer natureza, sejam desafios financeiros, problemas de relacionamento ou mesmo problemas físicos, talvez sejamos tentados a achar que algumas curas resultantes sejam “insignificantes”, ou que elas teriam acontecido de qualquer maneira. Entretanto, cada uma dessas vitórias “insignificantes” sobre o ego e sobre a adversidade, tal como os primeiros passos de uma criança, inseguros, propensos à queda, vão gradualmente adquirindo a capacidade de caminhar, correr, pular e, até mesmo, de dançar. Essas vitórias nos capacitam a seguir, em certa medida, as pegadas de Jesus, que, por meio da oração silenciosa e poderosa, curou doenças terminais, venceu multidões enfurecidas e triunfou sobre a própria morte.
A Sra. Eddy dedicou as primeiras páginas do capítulo sobre “A Prática da Ciência Cristã” em Ciência e Saúde a um relato e a um debate sobre a história bíblica da “mulher estranha” que lavou os pés de Jesus quando ele era o convidado de um fariseu (ver as pp. 362-364). O ponto da Sra. Eddy é que o primeiro passo rumo à compreensão e à cura tem de ser a humildade. A humildade genuína libera um poder extraordinário. Na experiência humana, nada é mais desamparado e impotente do que uma criança recém-nascida, mas, ao mesmo tempo, nada tem mais poder do que a afeição, resolução e força que a criança desperta nos pais, nos familiares e pessoas que dela cuidam.
O Amor é assim. Ele pode facilmente parecer pequeno demais e insignificante para oferecer qualquer solução aos grandes problemas da existência. Ele nem sempre parece ter algo muito inteligente para dizer. Mas, sem ele, não existe nada. O Amor é tudo!
