A Assembléia Anual 2003 e Simpósio realizou-se em Berlim, Boston e via Internet, entre os dias 1° e 3 de junho. Nas páginas seguintes, publicamos excertos dos dois primeiros eventos.
Sou Honor Hill, Presidente d’A Igreja Mãe, e tenho prazer de dar as boas-vindas a todos a esta cerimônia de abertura da Assembléia Anual d’A Igreja Mãe de 2003 e Simpósio. Estou falando aqui d’A Igreja Mãe, A Primeira Igreja de Cristo, Cientista, em Boston. Dentro de alguns momentos estaremos transferindo a reunião para nossos amigos em Berlim. Estamos todos unidos via satélite e estes telões deixam bem claro que esta é uma reunião de nossa família mundial. Nós, aqui em Boston, estamos vibrando ao ver todos vocês aí no Max-Schmelling-Halle, em Berlim. E estamos muito contentes que vocês estejam nos vendo aqui na Extensão d’A Igreja Mãe. Quanta riqueza de variedade há nesta reunião! Somos de 70 países, falamos mais de 20 idiomas e representamos diversas gerações. Muitos viajaram grandes distâncias para estar aqui. Obrigada por todos os seus esforços para que pudéssemos estar aqui juntos. Em 1888, a Descobridora e Fundadora da Christian Science, Mary Baker Eddy, por ocasião de uma reunião como esta, escreveu a seus amados estudantes: “Tende todos ‘o mesmo sentimento’, estai ‘reunidos no mesmo lugar’, e Deus derramará sobre vós bênçãos como nunca antes recebestes” (Miscellaneous Writings, [Escritos Diversos] p. 134). Como estudantes da Ciência que a Sra. Eddy descobriu, nós estamos reunidos no mesmo lugar, com braços e corações entrelaçados de um lado do oceano ao outro e no espaço cibernético.
Muitos de nós nos lembramos do Muro de Berlim. O mundo se regozijou com o povo da Alemanha pela queda do muro. De certa forma, o muro era um símbolo do isolamento e da separação que existiam não só em Berlim. E sua queda, sem violência, significou uma nova era de liberdade, tanto para a Alemanha, quanto para a humanidade. Virginia Harris, Presidente do Conselho de Diretores da Christian Science, está em Berlim agora e vai nos contar um pouco do que nossa família global vivenciou durante aqueles anos.
Obrigada, Honor. Você pode ouvir as saudações de amor, aqui em Berlim, para vocês em Boston. Aqui comigo no Max-Schmelling-Halle há muitos amigos queridos. Trago o amor e a gratidão do Conselho de Diretores da Christian Science para todos os que estão reunidos aqui em Berlim, em Boston e pela Internet. Este auditório, aqui em Berlim, construído há apenas alguns anos, está numa área que era chamada de “terra de ninguém”. Um pedaço de terra vazio, cheio de minas e armadilhas, que separava o oriente do ocidente. Eu me lembro bem de uma ocasião em que, em pé, em Berlim Ocidental, olhei para este lugar e orei pela paz e pela liberdade. Por isso, hoje, me sinto muito comovida.
Tive o privilégio e a alegria de servir À Igreja Mãe como Secretária nos fins da década de 1980. Nesse cargo fiz novos amigos, conheci membros e novos leitores de Ciência e Saúde no mundo todo. Enquanto viajava e compartilhava o amor d’A Igreja Mãe, também ouvia desafios e vitórias. As visitas a membros e amigos da Europa Oriental, parte do mundo comunista, na época, foram de grande significado e inspiração para mim. Fizemos reuniões com amigos em Berlim Oriental, Dresden, Karl-Marx-Stadt, que agora é Chemnitz, Magdeburg, Leipzig e Erfurt. Também nos reunimos com amigos e membros em Varsóvia, na Polônia, em Bucareste, na Romênia, em Budapeste, na Hungria, em Praga, na antiga Tchecoslováquia, em Leningrado, que agora é São Petersburgo, em Moscou e em Riga, que na época faziam parte da União Soviética. Ouvimos relato após relato de como esses amigos e membros corajosos tinham perseverado, durante quase quatro décadas. Histórias de pessoas cujos nomes faziam parte de listas do governo, porque eram Cientistas Cristãos, e cujos exemplares de Ciência e Saúde e de outras publicações da Christian Science tinham sido confiscados ou queimados.
Havia também aqueles queridos amigos que foram interrogados, vigiados, detidos e até presos. A história nos mostra anos difíceis e penosos para os que viviam no oriente. Mas, as pessoas continuavam a estudar a Christian Science individualmente. Na maior parte do tempo, era algo sussurrado atrás de portas fechadas ou ensinado suavemente às crianças que eram curadas e consoladas. Para mim, um símbolo que exemplifica especialmente essa época, é o edifício que uma vez pertenceu a Primeira Igreja de Cristo, Cientista, em Dresden. Alguns amigos me levaram para vê-lo. Era um edifício lindo. Parados ali, na rua, meus amigos me explicaram que o edifício agora pertencia ao estado. O governo o havia confiscado e o prédio se tornara um teatro.
Pude ver que, embora o edifício da igreja tivesse sido confiscado, a estrutura da Verdade e do Amor, a Igreja, como a Sra. Eddy a define, nunca poderia ser removida. A atividade e a praticabilidade do Cristo estavam vivas em nosso coração naquele momento. Ciência e Saúde, que fora oficialmente proibido, continuava a ser compartilhado e lido em sigilo, sempre que possível. O Livrete Trimestral da Christian Science — Lições Bíblicas era enviado por correio ou partilhado com amigos, sempre que possível. Às vezes as páginas do Livrete eram removidas, separadas e amassadas dentro de bules de chá que eram enviados pelo correio para amigos. Às vezes, as pessoas copiavam à mão as citações da Lição Bíblica para dá-las aos amigos que queriam conhecer o Pastor. O Der Christian Science Herold (O Arauto em alemão) era trazido para o lado oriental, às vezes, costurado no forro de casacos ou debaixo dos bancos de carro.
Eventualmente, porém, devido aos esforços de muitos indivíduos dedicados, um pequeno número de Arautos pôde entrar legalmente na Alemanha Oriental. Primeiro, eram só cem exemplares, depois uma grande vitória. O número aumentou para 850. Aqueles de nós que nunca conhecemos a opressão política ou religiosa, talvez nunca possamos verdadeiramente apreciar a importância daqueles 850 Arautos, de cada exemplar de Ciência e Saúde; de cada cópia da Lição Bíblica, de cada Arauto compartilhado. As idéias postas em prática eram um testamento, um elo vigoroso à liberdade espiritual inerente a todos!
Quão apropriado que Mary Baker Eddy há 100 anos, em 1903, tenha fundado o Der Herold. Sem dúvida, ela vislumbrou seu potencial de cura, para liberar as pessoas de qualquer tipo de opressão e sua missão de “anunciar a atividade e disponibilidade universal da Verdade”. Durante essas difíceis décadas, A Igreja Mãe e seus membros no mundo todo, oraram diligentemente por seus irmãos dos países da cortina de ferro. Aqueles irmãos nunca estiveram longe dos pensamentos e do amor d’A Igreja Mãe. Em várias ocasiões, um membro do Conselho de Diretores da Christian Science, ou um conferencista, ou um praticista do ocidente, que estivessem de visita, iam até Berlim Oriental para se reunir com os membros dali durante algumas horas. Mas, era muito difícil a comunicação com a maioria dos queridos amigos daquela região. Não podíamos conversar com eles pelo telefone, e o envio de cartas d’A Igreja Mãe poderia colocá-los em perigo. Às vezes, enviávamos uma carta breve, num envelope comum, assinada simplesmente, Mãe. Nenhum muro, nenhum governo foi capaz de obstruir a dedicação d’A Igreja Mãe, designada pela oração e pelo amor. Da igreja destinada a apoiar e a nutrir toda a humanidade, a enriquecer as afeições de toda a humanidade e governá-las.
Em abril de 1989, nos foi permitido viajar e permanecer na parte oriental. Essa visita foi notavelmente diferente. Uma convicção sólida de liberdade e justiça aumentava no coração e nas ações das pessoas. Oportunidades surgiram e iniciamos discussões sérias com o governo da Alemanha Oriental, referentes ao reconhecimento oficial da Igreja de Cristo, Cientista. Foi durante essa visita em abril que chegamos a um acordo verbal com o governo, permitindo que os Cientistas Cristãos praticassem a religião e se reunissem em público.
Nos meses seguintes, passos de progresso ocorreram com regularidade na Alemanha Oriental. Pequenos grupos de oração e passeatas pela paz ganharam impulso. Uma maré irreversível avançava. O Cristo, seu poder e liberdade inerentes não podiam ser impedidos. No fim de outubro, Jill Gooding, membro do Conselho de Diretores da Christian Science, Dieter Förster e eu voltamos à Alemanha Oriental. E no dia 3 de novembro de 1989, a Igreja de Cristo Cientista foi reconhecida oficialmente. Foi a primeira religião a ser reconhecida pelo governo em 38 anos.
Nos dias que se seguiram, ocorreram as últimas passeatas pela paz e as maiores. Testemunhamos, em primeira mão, o poder da oração num povo que sabia por intuição que a liberdade era seu direito inato. Depois, todos sabemos, que no dia 9 de novembro, seis dias após o reconhecimento oficial da Christian Science, o muro caiu e a liberdade se tornou a realidade prática.
Gostaria de fazer uma pausa para fazer um agradecimento especial a três homens, sem os quais o reconhecimento oficial da Igreja de Cristo, Cientista, na Alemanha Oriental não teria ocorrido. Sr. Dieter Förster, Sr. Kurt Hopp e Sr. Günther Behncke.
Cada um deles expressou muita paciência, persistência, coragem e dedicação. Dieter Förster, que foi Delegado de Divulgação para a Alemanha, fez grandes sacrifícios, viajando muitos e muitos quilômetros pela Europa Oriental, durante vários anos. Esforçava-se para manter os Cientistas Cristãos desses países supridos com literatura e exemplares de Ciência e Saúde. Ele representava esperança e união com A Igreja Mãe.
Nosso querido Kurt Hopp viveu a vida inteira na Alemanha Oriental. Ele era o membro que mais distribuía literatura para os amigos da Alemanha Oriental. Estamos felizes por ter conosco, hoje, sua esposa, Ursula. A vida do Sr. Hopp foi uma vida de persistência. Ele acalentava o ideal de que todos tivessem a liberdade de praticar a Christian Science. Já em 1965 o Sr. Hopp inicious seus esforços para que a Christian Science fosse reconhecida pelo governo. E seu relacionamento de confiança com o Sr. Behncke foi fundamental para o estabelecimento das negociações de 1989. É muito bom ter o Sr. Behncke aqui conosco hoje.
No governo da Alemanha Oriental, ele era o chefe do departamento de assuntos legais e princípios diplomáticos, dentro da Secretaria de Estado para questões religiosas. No Sr. Behncke encontramos um coração aberto, como o de uma criança. Em seus olhos, avistamos um homem bondoso e querido. Durante nossas reuniões, cresceram em mim o amor e a apreciação por ele, sem temer o que seu cargo oficial o obrigava a fazer.
Embora nossos queridos amigos Dieter e Kurt já tenham falecido, sei que estariam felizes e gostariam muito de estar aqui. Muitos Cientistas Cristãos persistiram e corajosamente carregaram a tocha da Verdade através do deserto perigoso. Foi só quando chegaram ao fim da floresta que nós, d’A Igreja Mãe, tivemos o privilégio de avançar com eles, quando o último símbolo da opressão caiu. Agora alguns desses amigos conversarão conosco. As palavras nunca captarão nossa gratidão por sua fidelidade à Christian Science durante aqueles anos árduos. Eles são exemplos vivos da inspiração. Michael Seek, praticista e professor da Christian Science em Berlim, será o moderador da discussão. Michael é também Gerente de Redação do Der Christian Science Herold. Com ele estão a Sra. Ursula Hopp, a Sra. Kristin Buschmann, a Sra. Hildegard Funke e o Sr. Günther Behncke.
Agradeço ao Conselho de Diretores da Christian Science pelo apoio aos amigos do lado oriental durante várias décadas. Todos nós lembramos, com afeto, suas visitas à Alemanha. O amor de mãe que você, Virginia, e os demais membros do Conselho de Diretores expressaram, foi real e significativo, como o foram também as oportunidades que tivemos de nos reunir. Essas visitas provaram que nem o idioma, nem a distância podiam nos separar. Quando nos reuníamos, era um coração falando com outro coração. Obrigado.
Virginia Harris: Seu pai era professor da Christian Science aqui em Berlim. Sua mãe era praticista e sua avó uma praticista que vivia no setor oriental. E vocês todos viviam no ocidental. Mas seu pai e sua avó tinham alunos e pacientes no setor oriental. O que manteve a chama acesa?
Michael Seek: Em casa, quase todos os dias, conversávamos sobre a divisão de Berlim e da Alemanha, assim como o futuro de nossos amigos na Alemanha Oriental. Muitas vezes, dizíamos que o país e a cidade estavam divididos, mas, primeiro, as coisas não tinham de ficar assim para sempre. Segundo, nós poderíamos fazer algo a respeito. Então, eu cresci disposto a não acrescentar mais uma divisão à Alemanha já dividida; a não fazer distinção, classificando pessoas em boas e más, em amigas e inimigas, queridas ou rejeitadas no meu coração. Isso me ensinou, muitas vezes, a pensar sobre o que as pessoas tinham de bom. Quando eu visitava minha avó em Berlim Oriental, viajava de scooter e precisava atravessar a fronteira. Mesmo naquela época, eu levava Arautos escondidos debaixo do pulôver, para que minha avó os entregasse a seus pacientes. Constatei que, quando eu não encarava os policiais da fronteira como inimigos, as verificações e as conversas com os seguranças eram amistosas e cordiais, nunca perigosas. Eu sempre tentava ver neles algo de bom. E esse efeito imediato me mostrou a importância de nossa atitude mental.
Nas conversas em casa, aprendi a nunca subestimar o poder da oração. E como eu tinha amigos tanto em Berlim Ocidental quanto Oriental, decidi que iria orar para que a divisão fosse eliminada. E decidi que oraria todas as vezes que andasse de bicicleta. E eu andava bastante de bicicleta!
Agora, quando eu penso sobre essa época, eu me lembro dos israelitas, que rodearam Jericó com suas trombetas até que os muros caíssem. Cientistas Cristãos de ambos os lados devem ter orado e rodeado aquele muro, em pensamento. Estavam unidos no Espírito e em suas orações. Estavam unidos com membros d’A Igreja Mãe e com pessoas no mundo inteiro que amam a liberdade. Em nome do povo alemão, eu gostaria, aqui em Berlim, de agradecer a vocês em Boston e a vocês na Internet pelo fiel apoio durante todos aqueles anos.
Em 1951, a Christian Science foi proibida na Alemanha Oriental. De um dia para o outro, as igrejas foram fechadas. Não havia mais Salas de Leitura e a prática pública dos praticistas da Christian Science também foi proibida. Em 1961, o muro foi construído. E assim cessaram as viagens entre os dois lados. E a fronteira não serviu só para separar as pessoas de um país umas das outras. Foi uma tentativa cruel de nos fazer acreditar que as pessoas têm o direito e o poder de controlar a vida umas das outras.
Ao meu lado está Ursula Hopp, que dedicou sua vida à Christian Science. Seu marido, já falecido, desempenhou um papel muito importante nas negociações com o governo da Alemanha Oriental.
Kristin Buschmann, de Chemnitz, é praticista da Christian Science, trabalha para a Editora dos Escritos de Mary Baker Eddy e para o Der Christian Science Herold.
Ao lado dela está Hildegard Funke, praticista da Christian Science da região que fazia parte de Berlim Ocidental. Durante muitos anos ela ajudou nossos amigos na Alemanha Oriental e na Polônia com muita dedicação e fidelidade.
E, finalmente, nosso bom amigo, Günther Behncke. Na época, ele era chefe do departamento de assuntos legais e diplomáticos, no setor de questões religiosas para o governo da Alemanha Oriental.
Ursula, como era a situação para os Cientistas Cristãos na Alemanha Oriental, depois do final da Segunda Guerra Mundial?
Para praticar a Christian Science, os membros e seguidores tiveram de passar por experiências realmente penosas. Qualquer leitura sobre a Christian Science era oficialmente proibida. Houve casos em que a literatura foi confiscada e queimada, na frente dos membros.
Michael: Não devemos nos esquecer de que os primeiros anos, após a proibição, podiam ser realmente perigosos para os Cientistas Cristãos, individualmente. Casas eram revistadas; pessoas intimadas a comparecer à polícia. Os praticistas da Christian Science eram proibidos de praticar sua profissão e eram forçados a revelar os nomes de seus pacientes.
As pessoas tinham de ser muito cuidadosas com relação a chamadas telefônicas, porque não tinham certeza se suas ligações eram grampeadas ou não. Minha tia, uma praticista muito ativa de Halle, e que, mais tarde, veio a me ajudar muito, sempre perguntava, com muita insistência, se eu havia recebido a correspondência que havia me enviado. Nunca ficou realmente claro para mim, o modo e até que ponto os serviços de segurança do estado estavam nos monitorando.
Na constituição da República Democrática Alemã, a liberdade de crença e de religião era garantida. O problema era que a Christian Science havia sido banida. Além disso, não havia nenhuma perspectiva de ser reconhecida novamente. Mas, não havia qualquer perseguição de Cientistas Cristãos, de acordo com o direito penal. Havíamos decidido aplicar um estado de tolerância discreta, que, oficialmente, não existia em nosso país. Outro problema era o de que as coisas estavam sendo tratadas de forma diversa em diferentes lugares. Uma decisão tomada em Leipzig, podia ser diferente de outra tomada em Dresden, que também podia ser diferente daquela tomada em Rostock ou em Berlim.
Ursula: A despeito dessa proibição rigorosa, conseguíamos encontrar maneiras de obter os números atuais dos Arautos e de outras publicações da Christian Science. E isso provou que não há nada que possa paralisar o que é bom. O bem sempre segue em frente; a verdade nunca está perdida; a verdade sempre encontra os meios de manter o poder, através desses ensinamentos.
Michael: Portanto, nessa situação, você encontrou inspiração e liderança em Ciência e Saúde?
Ursula: Com certeza. Na página 89 do livro-texto da Christian Science está escrito: “O Espírito, Deus, é ouvido quando os sentidos estão calados”. E isso significa que temos sempre de estar cuidadosamente atentos, abrir bem nossos ouvidos para ouvir o que Deus deseja nos dizer.
Michael: Algo característico durante aquele tempo, era que, em ambos os lados do muro, as pessoas ouviam e oravam.
No início dos anos 80, uma mulher conversou comigo enquanto eu estava na igreja. Ela desejava tornar-se membro d’A Igreja Mãe e fazia muitas perguntas sobre a igreja e sobre a Christian Science. Como, naquele momento, eu não podia conversar com ela sobre esse assunto, sugeri-lhe que me visitasse no escritório, na semana seguinte. Mas, ela tinha pressa. Haviam-lhe permitido sair da RDA (República Democrática Alemã) por apenas dois dias, para festas em família e, portanto, teria de voltar logo. Depois disso, ela convidou-me para visitá-la na parte oriental. E esse foi o começo de uma série de reuniões valiosas.
Michael: Kristin, como você entrou em contato com a Christian Science?
Kristin: Meus pais tinham uma estante de livros na sala de estar. Lembro-me de ter visto um livro com o título Ciência e Saúde em letras douradas. Meus avós costumavam ler dois livros grandes. Hoje eu sei que liam as Lições Bíblicas semanais, citações da Bíblia e de Ciência e Saúde. Quando adulta, meu pai me contou sobre o sistema de cura na Christian Science. Ele não usava, especificamente, esse termo. Ele dizia “o poder do Amor”.
Érica, uma amiga querida da família, ajudava minha mãe a passar roupa. Depois que minha mãe faleceu, a Érica continuou nos ajudando com a roupa. Um dia, conversei com ela sobre minha filha que era bem pequena naquela ocasião. Contei-lhe que a menina estava doente e ela me disse: “isso é uma crença”. Falou-me sobre a Christian Science, sobre a oração e sobre a cura. Assim, através dela, entrei em contato com a Sra. Franz, de Karl-Marx-Stadt. Ela distribuía as Lições Bíblicas. Algumas eram manuscritas; outras eram amorosamente datilografadas. Era como se fosse uma grande rede ao meu redor, composta de pessoas que amavam a Christian Science e a praticavam.
Michael: Acho que muitos dos amigos da Alemanha Oriental sentiram também uma rede como essa ao redor deles, que lhes proporcionava uma sensação de comunidade e de solidariedade. Pode-se até mesmo dizer que era uma igreja sem edifícios. Hilde, sei que você ajudava amigos na República Democrática Alemã e na Polônia.
Hilde: Meus filhos eram ativos no fórum da juventude. Eles ouviram falar de um grupo de jovens em Varsóvia. Um dia, eles disseram: “Por que não vamos, pelo menos uma vez, para a Polônia?” E assim lá foram eles para a Polônia. Foram recebidos com muito carinho. Tudo havia sido organizado para eles, até mesmo um lugar para ficar. Depois, fomos todos convidados a visitá-los com mais freqüência. Naqueles dias, no início dos anos 80, a lei marcial ainda estava em vigor ali. Além disso, nossos amigos na Polônia estavam sofrendo muitas dificuldades com tudo.
Michael: Havia cultos públicos para os Cientistas Cristãos na Polônia, naquela época?
Hilde: Sim. Em Varsóvia, havia existido um grupo durante 40 anos; eles estavam inscritos no governo e podiam realizar cultos. Certa vez, recebemos uma carta de um jovem de Torun, que é a cidade que costumava ser chamada de Thoru, em alemão, e que fica ao norte da Polônia. Ele havia recebido o livro-texto e tinha algumas perguntas. Conhecia uma família com muitos filhos, que necessitava da nossa ajuda. Logo depois disso, recebemos uma carta com um convite para visitá-lo. Assim, na primeira noite, ele havia feito preparativos para que encontrássemos de 12 a 15 jovens. Todos estavam interessados em descobrir algo mais sobre a Christian Science.
Michael: E não devemos nos esquecer que, naquele tempo, na Polônia, a lei marcial estava em vigor e que era proibido que mais do que uma família se reunisse em um único lugar.
Hilde: Sim, e lá estávamos nós e todos aqueles jovens reunidos. Eles estavam fazendo muitas perguntas, quando, de repente, a campainha tocou e policiais estavam à porta. Os policiais ordenaram que o jovem comparecesse ao distrito policial, no dia seguinte. Na manhã seguinte, o jovem foi ao distrito de polícia. Eu disse que oraria por ele. Um policial teve a idéia de ligar para Varsóvia. Aparentemente, o jovem havia dito que também havia um grupo da Christian Science em Varsóvia. Além disso, ele explicara que nós também fazíamos parte do movimento da Christian Science. A polícia de Varsóvia confirmou que esse grupo realmente existia e que a Christian Science era reconhecida. Foi maravilhoso para nós o fato de podermos sentir, claramente, como Deus nos guia. Estamos contentes em poder dar as boas-vindas a alguns desses amigos poloneses, aqui mesmo, no Max-Schmelling-Halle, hoje.
Michael: Ursula, seu marido, Kurt, trabalhou para que os Cientistas Cristãos neste país pudessem praticar sua religião livremente.
Ursula: Casei-me com Kurt em meados dos anos 70. Para mim, esse casamento significava que teria de me mudar da parte ocidental para a oriental, ou seja, para a República Democrática Alemã. Entretanto, ficou claro para mim, que eu apoiaria meu marido e sua convicção corajosa de que ele sempre falaria a verdade, a verdade de que era um Cientista Cristão praticante. No início de 1985, meu marido entrou com um novo pedido junto à secretaria de estado para assuntos religiosos. Submeteu-o ao Sr. Behncke. Além disso, nessa ocasião, ele estava solicitando permissão, para receber o Der Christian Science Herold e as Lições Bíblicas.
As pessoas que iriam receber essa literatura deviam inscrever-se junto à secretaria de estado para assuntos religiosos, fornecendo seu endereço completo. Começamos a distribuir literatura em muitas cidades da Alemanha Oriental.
Michael: E, sem dúvida, Hilde, você levava publicações para seus amigos. O que passava pela sua cabeça quando atravessava a fronteira?
Hilde: Que a literatura estava protegida. Há muito tempo, quando eu era nova na Christian Science, li a seguinte frase em um testemunho: “O Amor chama, o amor guia e o amor recebe”. E esse era meu pensamento mais profundo, o de que a literatura estava protegida. O bem não pode ser atacado. E tudo sempre correu bem.
Günther: Além disso, lembremonos nos de que, naquela situação, o Der Herold e os livretes eram contrabandeados para a Alemanha Oriental. Desse modo, isso se constituía em uma violação da lei na Alemanha Oriental. E temos de tornar isso muito claro. A importação de quaisquer periódicos ou literatura, de qualquer natureza política ou religiosa, era proibida. E isso não se aplicava somente à Christian Science. Caso desejasse importar esse tipo de literatura, você teria de entrar com um pedido de importação especial, mas apenas algumas pessoas selecionadas em determinadas instituições conseguiam realmente essa permissão especial. Os Cientistas Cristãos nunca teriam a possibilidade de obter tal permissão. Se alguém fosse apanhado atravessando a fronteira com essas publicações, poderia ser considerado inimigo do estado. Por exemplo, o Sr. Wendt foi proibido de viajar durante muitos anos. Isso era pior do que uma multa, pois os visitantes da Alemanha Ocidental eram sempre esperados com impaciência, porque eles traziam a literatura escondida em algum lugar.
Michael: Nas conversas com o setor para assuntos religiosos, o senhor era a primeira pessoa com quem o Sr. Hopp tinha de entrar em contato, não é?
Günther: Sim, eu era. O Sr. Hopp foi o primeiro Cientista Cristão que conheci. As pessoas do nosso departamento, que me deram informações sobre ele, disseram: “Esteja alerta, ele é um Cientista Cristão. Os Cientistas Cristãos são banidos. Portanto, não perca muito tempo com ele. Contudo, seja amigável, pois ele é um sujeito amigável. E, então, veja o que acontece.” Isso era basicamente preconceito. Mas eu, pessoalmente, não tinha qualquer tipo de preconceito. Vim a conhecer uma pessoa muito amável, aberta, muito coerente em sua fé e nos assuntos relacionados à sua igreja. Mas o Sr. Hopp também compreendia a minha situação. Ele era uns vinte anos mais velho do que eu e possuía uma aura de amor e compreensão que, desde o começo, eu respeitava muito.
Conversamos sobre os problemas que o preocupavam. Primeiro, a importação de literatura e depois o segundo ponto, quando a Christian Science poderia ser reconhecida. Quando poderia começar a trabalhar normalmente como todas as outras denominações religiosas. Eu só podia lhe responder muito claramente: eu não tinha o poder de tomar qualquer decisão. Era inabalável naquilo em que acreditava. Dizia: “Temos de fazer progressos, Sr. Behncke”. Nunca aceitava um não como resposta. Eu não podia, não tinha coragem de dizer não a ele. Eu o respeitava muito para fazer isso. Tenho de admitir isso, honestamente. Ele tinha uma personalidade forte, com muito carisma, mas tinha um grande coração, também. Eu sabia que tínhamos de criar uma atmosfera de confiança. Começamos do zero, e dávamos um passo de cada vez. E foram muitos os pequenos passos; e, irmãos, podem acreditar: foi uma marcha à frente, porém longa, espinhosa e cheia de pedras. Mas, no final, alcançamos nosso objetivo.
Michael: E o que você pensava sobre a Christian Science naquele tempo?
Günther: Realmente, nada. Entrei na argumentação sem qualquer preconceito. Não conhecia a literatura; tudo o que sabia era que alguém havia levantado um sinal de advertência, dizendo para eu ficar alerta. A desconfiança estava na ordem do dia em nosso país, principalmente, com relação às igrejas e comunidades religiosas.
Michael: Sim, mas você tinha essa literatura sobre sua mesa, e qual era sua impressão depois disso?
Günther: Consegui o livro Ciência e Saúde na biblioteca e o Der Christian Science Herold. Além disso, encontrei, por acaso, frases como: “o Amor se reflete em amor”. E uma outra frase sobre alegria e felicidade. Também, sobre como devemos nos ajudar uns aos outros. Sobre o fortalecimento da fé, e, que através da força do nosso pensamento, podemos manter a doença longe de nós. Que você pode também trabalhar, preventivamente, com o amor pelos outros, que é tão necessário. Cheguei, muito rapidamente, à conclusão de que isso não poderia ser uma tolice perigosa. Consolo é o que você encontra nos escritos da Christian Science. Recebemos um pedido de um oficial superior do partido para a visita de um pastor a seu leito de morte e desejava que lhe fosse dado um enterro cristão. Todos se insurgiram contra isso. Como podia um Marxista desejar ser enterrado pela igreja? Ou passar seus momentos finais, ouvindo um pastor? Portanto, as pessoas riam aqui e ali. Mas, quando elas começaram a levar a coisa um pouco mais a sério, diziam por exemplo, “o que é consolo? Seria apenas um conceito teológico, religioso?” Percebemos que consolo era uma necessidade profundamente humana. Estávamos falando sobre como as pessoas enfrentam o pecado e a reconciliação. A vida e a morte; o amor e a solidão.
Michael: O que você fez com essa “tolice perigosa”?
Günther: Em primeiro lugar, conseguimos uma licença especial para a importação dessa “tolice perigosa”, em quantidades maiores.
O irmão Hopp teve inclusive de alugar um caminhão para poder carregar todos os pacotes e isso nunca havia acontecido antes. Conseguimos fazer com que essa tolerância silenciosa fosse aceita. Isso significava que os membros da Christian Science poderiam praticar sua religião e reunir-se sem qualquer impedimento. Em 1988, recebemos um pedido para o estabelecimento da denominação da Christian Science na República Democrática Alemã. A partir dessa data, eles podiam começar o estabelecimento de organizações através de toda a Alemanha Oriental. Então, em 1989, veio o reconhecimento oficial, o que significava o fim do processo e sua coroação. Soubemos que, em outubro de 1989, representantes d’A Igreja Mãe estariam chegando à Alemanha Oriental. E o nosso país não queria deixar passar aquela oportunidade. Eles desejavam promover um evento oficial com Löffler, o subsecretário de estado daquela época, encarregado da cerimônia de reconhecimento, que concedeu o certificado em uma cerimônia oficial. E, nesse momento, o Sr. Hopp e eu, abraçados, éramos as pessoas mais felizes do mundo.
Michael: Esse deve ter sido um grande dia, não Ursula?
Ursula: Foi um dia maravilhoso. Sei que, para o meu marido, Kurt Hopp, foi uma grande honra e grande alegria esse documento de reconhecimento oficial, arduamente conquistado. Foi a experiência mais maravilhosa de sua vida.
Kristin: Eu fiquei sabendo, por alguns amigos, que haveria uma reunião com membros d’A Igreja Mãe. Nós nos reunimos em Chemnitz, na segunda-feira, na Johanneskirche.
Michael: Você disse que as pessoas não estavam na igreja grande, propriamente dita, mas em um saguão da igreja, um tanto pequeno. Por quê?
Kristin: Bem, naqueles dias, a cada segunda-feira, antes das marchas pela paz através da cidade, havia orações pela paz nas igrejas. E, portanto, a igreja, como tal, estava cheia de pessoas orando pela paz. Usamos o saguão menor da igreja para nos reunirmos e esse lugar estava absolutamente cheio. Ouvimos o relato da Bíblia sobre o homem que havia estado enfermo durante trinta e oito anos e que fora curado.
Michael: E esse também foi precisamente o tempo, ou seja, 38 anos, em que a Christian Science fora proibida por lei na República Democrática Alemã.
Kristin: Sim, por isso guardo uma clara lembrança desse evento; havia uma atmosfera muito especial, cheia de inspiração, cheia de gratidão, cheia de alegria. Além disso, havia um profundo sentido de poder e força ali. Para mim, ficou absolutamente claro que havia uma força e um poder emanando dessa reunião, que nos protegeria e que traria ordem ao mundo. E três dias mais tarde, o muro veio abaixo.
Günther: Kurt Hopp influenciou meu modo de pensar, sentir e fazer as coisas, de maneira muito significativa. Ele forçou-me a adotar uma posição. Eu tinha problemas com minha própria consciência e tive de tomar uma decisão. Acho que escolhi a posição certa. Fiquei do lado de Kurt Hopp.
Desculpem-me, queridos irmãos, se digo isso com um meio sorriso, um pouco embaraçado, mas acho que talvez Deus estivesse sempre às minhas costas, naquelas ocasiões.
O otimismo do meu amigo, Kurt Hopp era ilimitado. Por outro lado, ele era firmemente dedicado aos seus ideais. Quando eu era menino e freqüentava as aulas de confirmação de crisma, aprendi o hino “Uma Fortaleza Inabalável é o Nosso Deus”. Para o Kurt, sua igreja era a fortaleza inabalável. Além disso, gostaria apenas de acrescentar mais uma coisa: a coragem de sua esposa Ursula, sempre ao seu lado, e que fazia de tudo para que Kurt Hopp tivesse as mãos e a cabeça livres para o trabalho na igreja e para a igreja.
Michael: Günther, sei muito bem que o Sr. Hopp tinha os mesmos pensamentos de amor e convicção a seu respeito, também. E temos aqui uma citação de Kurt Hopp. Ele disse: “Podemos confiar no Sr. Behncke”.
Gostaria muito de agradecer a todos vocês presentes aqui neste painel. Suas experiências são uma inspiração para muitas pessoas que estão tentando encontrar soluções para situações difíceis. Como também gostaria de expressar um agradecimento especial a todos os amigos na Alemanha Oriental que, durante décadas, nunca perderam a esperança. Muito obrigado a todas as pessoas que trabalharam para derrubar o muro da separação.
Virginia Harris: Muito obrigada, queridos amigos. Todos vocês vêm representando um papel muito importante para muitas outras pessoas, ao longo dos anos. O exemplo de vocês permanecerá em nosso coração e nos guiará para frente. Suas vidas são uma corajosa declaração de que a bondade, a natureza espiritual que reside em cada um de nós, não pode ser reprimida por causa de fronteiras ou barreiras. Suas vidas são um símbolo de esperança e coragem, para o século XXI. Essas provas e vitórias nos dão a esperança e a promessa de vencer todo tipo de opressão. O mundo tem necessidade de saber o que esses nossos amigos demonstraram e viveram. Muito obrigada.
O que Ciência e Saúde significa para você?
Respostas de pessoas que estiveram em Berlim
Antes de conhecer a Christian Science, eu vivia doente. Não passava um mês sem consultar o médico. Eu me lembro de que, em 1968, costumava pensar que, se eu morresse, meu corpo seria doado às ciências para que experiências fossem feitas com ele, porque eu sofria muito. Mas, em 1977, um amigo me falou sobre Ciência e Saúde. Comecei a estudá-lo e não parei mais de lê-lo. Certo dia, uma passagem à página 14 me chamou a atenção: “Torna-te consciente, por um só momento, de que a Vida e a inteligência são puramente espirituais — que não estão na matéria nem são da matéria — e então o corpo não proferirá queixa alguma.” Esse trecho me libertou. Senti em mim uma paz que me deu alegria e força. Eu disse a mim mesma: “Gostaria muito de ajudar os outros a encontrar essa alegria também.” Logo depois, amigos começaram a me pedir auxílio, e eu me inscrevi como praticista. E é isso o que faço hoje em dia.
Kinshasa,
República Democrática do Congo
Conheci a Christian Science quando vivia em Cuba. Meu marido estava muito doente com uma úlcera, que tinha sido operada. Os médicos o haviam colocado numa sala especial e lhe deram 15 dias de vida, pois disseram que era um caso fatal. Caminhei, chorando, as quarenta quadras entre o hospital e minha casa. Fui a um farmacêutico para perguntar em que parte do mundo poderia encontrar uma remédio para a cirrose. Ele me disse que no Brasil se vendiam umas gotinhas, mas que sua sogra iria proferir uma conferência sobre a Christian Science naquela mesma noite, num teatro ali perto. Disse-me que deveria assistir para ver do que se tratava. Fui à conferência e comprei Ciência e Saúde. Isso aconteceu em 1° de dezembro de 1933. Meu marido começou a lê-lo e sobreviveu. Era um homem muito culto. Foi Secretário da Embaixada da Iugoslávia na Venezuela de 1951 até 1968, depois de ter trabalhado como Diplomata durante muitos anos.
Caracas, Venezuela
