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Entrevista

Identidade e raça — uma jornada espiritual

Da edição de maio de 1997 dO Arauto da Ciência Cristã


"Se você é negro, não tem um diploma, mora num cortiço ou na favela, não vai conseguir ir longe." lembra muito bem desses estereótipos que lhe eram dirigidos. Sua carreira profissional, no entanto, andou lado a lado com seu crescimento espiritual. Diz ela que por meio do crescimento espiritual conseguiu "derrubar todas as barreiras". O primeiro passo para libertar-se da falta de qualificação profissional foi começar a trabalhar como digitadora de informática. Hoje em dia ela ocupa um cargo de nível internacional numa grande companhia de computadores como diretora internacional de programas. Na entrevista que publicamos a seguir, ela diz como libertou-se de percepções limitadas sobre sua identidade.

Hoje em dia a senhora em nada faz lembrar a adolescente de dezesseis anos que tinha dois empregos e morava sozinha num apartamento. Naquela época a senhora trabalhava numa firma de encadernação de livros e numa lanchonete; hoje é executiva de uma grande empresa. Como a senhora encarava o fato de ser negra, no início de sua carreira?

Para mim era um obstáculo. Era muito visível e obstruía meu progresso. No entanto, com o correr do tempo transformou-se numa maravilhosa e crescente jornada. Gradativamente passei a ver a cor da pele menos em termos de preto e branco e mais como qualidades que expressamos. Hoje em dia há uma tendência de se reconhecer a diversidade, o que é uma maneira maravilhosa de ver as coisas. Há vinte e cinco anos predominava o movimento do poder negro, no qual havia embutido um senso de orgulho. No entanto, com esse movimento surgiu o ódio, a hostilidade, o confronto e um senso de defesa pessoal. Eu evoluí em outra direção. Hoje sinto que devo incluir em meu pensamento as qualidades espirituais da diversidade e expressá-las em minha individualidade.

A senhora enfrentou situações de discriminação que a forçaram a ir mais a fundo nessa questão?

Sim, e quando eu era mais jovem elas me afetavam pessoalmente, com mais força. Eu me perguntava: "Por que isso está acontecendo comigo?" Eu duvidava de mim mesma e me via como se algo estivesse errado comigo. Com o passar do tempo, compreendi que essa discriminação nada tinha a ver comigo. A discriminação era um conceito que os outros tinham, um conceito que precisava ser modificado. Percebi, também, que se eu quisesse que as pessoas mudassem sua maneira de me ver, se quisesse não mais ser rejeitada, precisava começar a mudar a maneira como eu me via. Precisava superar a idéia de que eu era uma vítima.

Como é que a senhora via a si mesma naquela época?

Como uma pessoa sem condição social, sem privilégios, sem oportunidade, sempre lutando pelas coisas, sobrevivendo com o mínimo. A luta era constante, a batalha era contínua, pois havia sempre a sensação de que precisava dar o empurrão para abrir portas, precisava abrir caminhos para desbravar novas fronteiras. Tudo dependia de mim e o fardo era muito pesado.

Lembro-me de certa ocasião, no início de minha carreira, quando apareceu a oportunidade de uma promoção. No entanto, durante as entrevistas ficou evidente que eu estava sendo preterida por causa de minha cor. Senti-me arrasada, ferida, porque parecia que não era possível ir além do que as aparências mostravam. Parecia que aquilo que eu era capaz de dar, em meu trabalho, não seria reconhecido. Fiquei revoltada e ressentida e mais uma vez concluí que a culpa era minha. Era a cruz que eu precisava carregar.

Nessa ocasião eu já estava começando a me interessar seriamente pela Ciência Cristã. Uma das coisas maravilhosas que a Ciência Cristã me revelou foi a definição de homem; mostrou-me como sou, do ponto de vista espiritual, e como Deus me vê.

Que mudanças ocorreram em sua maneira de ver a si mesma?

Comecei a compreender que, em vez de lutar para chegar ao topo e mudar a opinião dos outros a meu respeito, bastava expressar o que realmente sou. Somos todos variadas expressões de Deus. Cada um de nós é uma identidade única que O reflete. Jesus disse que o reino de Deus está dentro de nós. Portanto, o que de fato precisamos fazer é trazer à tona o que já existe: as qualidades morais que fazem parte de cada um de nós — amor, verdade, honestidade, integridade.

O que nos tolhe ou prende é a aceitação de um falso conceito sobre quem realmente somos. Quando aceitamos uma mentira, ela alimenta a si mesma e nos desgasta. A mentira apresenta-se com os mais variados argumentos: que somos intelectualmente inferiores, incompetentes, que nos falta alguma coisa devido à nossa aparência ou por causa de erros do passado. Ou então, que não somos capazes de superar as adversidades e seguir em frente. Se aceitamos o fardo que colocam sobre nós e saímos por aí carregando-o nas costas, não conseguiremos subir caminho acima.

Quando nos sentimos magoados ou inferiorizados, é difícil imaginar que Deus nos ama e que O refletimos. As coisas mudam quando começamos a compreender o que Deus é. Se Deus é Amor, então devo refletir qualidades amorosas. Se Deus é Verdade, devo refletir honestidade. A cada dia eu escolhia um sinônimo de Deus e dizia: "Muito bem, se Deus é isso, como eu posso expressar essas qualidades? Que significado tem isso para mim? Eu escolhia uma das qualidades de Deus e procurava expressá-la no trabalho ou ao comunicar-me com outras pessoas — mantendo essas idéias na consciência até conhecê-las a fundo. Muitas vezes eu precisava lutar para não desistir. Algumas vezes cheguei a desistir, mas sempre fui compelida a recomeçar. O simples fato de dar esses pequeninos passos iniciais mudou muito a forma de como eu via a mim mesma e como eu via aos outros. Foi um processo lento, mas muito gratificante. E sem me aperceber, a transformação começou a ocorrer.

A senhora acha que é possível alguém adquirir um senso mais elevado de identidade, sem ter uma compreensão de Deus?

É possível, mas a experiência seria muito limitada. Sob o ponto de vista intelectual, podemos obter uma educação formal e tornar-nos capazes de expressar-nos com erudição e, segundo as aparências, até conseguir as mesmas oportunidades que os demais. No entanto, se damos um passo mais adiante que a mera intelectualidade, podemos entender que o bem ilimitado é nosso direito inato. Somos todos iguais perante Deus. Não precisamos sair pelo mundo em busca desse direito. Nenhuma porta está fechada para nós, se optamos por abri-la. A educação formal e a cultura são maravilhosas. Fiz uso de todas as oportunidades que encontrei; fiz todos os cursos que as empresas em que trabalhei ofereciam e cursei a universidade. A instrução, no entanto, é apenas um realce. O mais importante é o que compreendemos acerca de nossa essência espiritual — então, a liberdade de expressar o que somos flui naturalmente.

Imagino que a discriminação não havia desaparecido, nesse ponto de sua vida, mas a senhora provavelmente estava lidando com ela de uma maneira diferente.

Sim, e essa é a chave da questão. Quando eu era jovem, deixava envolver-me pelas falsas impressões que as pessoas tinham a meu respeito e entrava numa atitude defensiva. Com o passar do tempo, aprendi a não envolver-me com o racismo, mas a negá-lo, corrigi-lo, curá-lo e destruí-lo. Curei meu próprio pensamento sobre o que eu aceitava como verdadeiro a meu respeito.

Há pouco mais de dois anos, quando mudei para Raleigh, na Carolina do Norte, para trabalhar numa empresa de computadores, eu pude construir minha casa. Eu queria um certo tipo de casa, semelhante às que existem em Boston, onde cresci. Lá as edificações são de tijolo à vista, bem perto umas das outras. Eu sentia falta daquele tipo de casa. Expliquei ao meu chefe que precisava de mais tempo livre, para ocupar-me da construção, e lhe disse as razões por que esse tipo de casa era importante para mim. Ele fitou-me e disse: "A senhora tem certeza de que não está com saudades das correntes que a amarravam no fundo do navio negreiro?"

Fiquei chocada com a resposta. Se isso tivesse acontecido vinte anos antes, eu teria reagido com violência para defender-me. Nesse caso, porém, não reagi, mas também não ignorei a situação. Orei para encontrar a maneira correta de lidar com o caso. Não era uma questão de acertar as contas com a pessoa. Tratava-se de corrigir um sentido de injustiça, uma falsa perspectiva a meu respeito. Ao corrigir o caso a meu respeito, eu estaria corrigindo para os outros também. Levei o caso adiante e solicitei um inquérito sobre a pessoa. Quando me perguntaram o que eu gostaria que lhe acontecesse, respondi: "Não quero que seja despedido; desejo que ele seja curado." Duas coisas maravilhosas aconteceram: ele não foi despedido, mas foi transferido e conduzido a treinamento e aconselhamento. O que é mais importante: durante o inquérito veio à tona que coisas mais sérias haviam sido provocadas por essa pessoa ao longo de vários anos. Portanto, o caso surgiu para que fosse curado.

Como se pode perdoar, nesse tipo de situação?

Sem perdão não há cura, e essa talvez tenha sido a lição mais importante que eu precisava aprender. Além do mais, precisamos não apenas perdoar os outros, mas precisamos perdoar a nós mesmos por reagirmos quando somos menosprezados. Nesse último incidente o perdão foi imediato. Instantaneamente compreendi que a percepção que essa pessoa tinha a meu respeito era fruto da ignorância e do medo. Não era ele e não era eu. Tratava-se de um falso conceito sobre o filho de Deus.

A senhora acha que, se conseguíssemos ver a nós mesmos e aos outros como totalmente espirituais, desapareceria a cor?

Ah, não! Seria como se, ao olhar para o arco íris, eu pensasse que haveria apenas uma cor, se meu conceito sobre as cores fosse perfeito. Precisamos de cada uma das cores para que seja refletida a essência e a totalidade de Deus. Cada um de nós é individual. Cada um de nós tem suas próprias experiências, seu próprio crescimento espiritual, e é isso que nos traz ao ponto onde nos encontramos hoje. Esta é uma jornada. Penso que, à medida que vemos a cada um de nós como espirituais, as diferenças ficarão mais nítidas, mais visíveis. O objetivo não é de nos mesclarmos uns aos outros em um só. Nosso propósito é expressarmos amplamente nossa própria individualidade.

Quer dizer que agora a senhora não abre mais mão de sua individualidade?

Exatamente. Houve momentos em minha carreira profissional em que abri mão de minha individualidade. No entanto, à medida que cresci espiritualmente comecei a examinar cada uma das concessões que fazia e me perguntava: por que estou abrindo mão disso? De que forma estou privando as pessoas, impedindo-as de me conhecer como de fato sou? Foi nesse ponto que decidi passar a usar meu cabelo ao natural. Comecei a reconhecer e a admirar quem e o que eu era. Também passei a confiar em meus pontos de vista, ao invés de escondê-los ou fingir que não existiam. Em algumas ocasiões comecei a usar roupas africanas no trabalho e meus colegas as aceitaram muito bem. Quando crescemos a ponto de expressar nossa ascendência e cultura, as pessoas passam a valorizá-las e a interessar-se. Com isso começamos a crescer e a falar sobre nós em termos de individualidade espiritual; passamos a esclarecer os outros assim como nós fomos esclarecidos. Dessa forma levamos em nossa jornada de progresso as pessoas que nos cercam.

Resumindo, se a senhora não mais se vê como uma mulher da raça negra subindo os degraus da ascensão social, como é que a senhora se identifica a cada manhã?

Vejo a mim mesma como alguém que se realizou. Não quero com isso dizer que cheguei a um destino final, mas sim a uma compreensão de quem eu sou e da contribuição que levo a meu local de trabalho. Sou uma mulher negra, única, individual, que passou por muitas experiências, e trago algo de bom ao lugar em que trabalho. Não estou competindo com os outros. Vejo que posso olhar a vida a partir de minha união com Deus, ao invés de olhar de baixo para cima. Sou uma idéia espiritual feita à imagem e semelhança de Deus.

Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma
cousa faço: esquecendo-me das cousas que para trás ficam e
avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo,
para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.

Filipenses 3:13, 14

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