Minha oração é para a paz — Rami
que é judeu, e que é palestino e cidadão israelense, sabem o quanto custa ter uma boa convivência com vizinhos. Eles cresceram num vilarejo em Israel, onde judeus e árabes decidiram viver lado a lado, há mais de vinte e cinco anos. A pequena vila, localizada entre Jerusalém e Tel Aviv, Chama-se Neve Shalom / Wahat Al-Salam que quer dizer, em hebraico e árabe, respectivamente, “Oásis da Paz”.
Rami, que terminou o ensino médio este ano, mora ali com a família desde os quatro anos. Ori nasceu no vilarejo, e para lá voltou depois de passar três anos com a família nos Estados Unidos, quando garoto.
Ori e Rami já viajaram para diversos países, promovendo a solução pacífica dos conflitos, e dando palestras para escolas e grupos de jovens a respeito da comunidade Neve Shalom / Wahat Al-Salam. No ano passado, Rami acompanhou durante três semanas uma delegação às Nações Unidas. Ele, juntamente com outros jovens de todo o mundo, falou sobre os problemas com os quais os jovens se deparam em todas as partes do globo. Ori também participa ativamente de um grupo que ministra cursos para jovens sobre problemas ambientais, bem como de um grupo de jovens que apóia o movimento pacifista “Peace Now” (Paz Agora!).
Na entrevista que ele deram ao Arauto, eles falam sobre o “Oásis da Paz” e expõem suas idéias a respeito do conflito entre israelenses e palestinos.
Vocês poderiam falar alguma coisa sobre a vila em que cresceram, e como ela nasceu?
Ori: Em 1972 um frade dominicano chamado Bruno Hussar decidiu estabelecer-se em um pedaço de terra em declive, sem vegetação, que alugara de um mosteiro que ficava próximo. Ele pretendia criar uma vila em que as pessoas das três religiões monoteístas pudessem viver juntas: cristãos, muçulmanos e judeus.
Meus pais foram para um acampamento que o Frei Bruno organizou quando vivia no terreno da vila em um ônibus velho. O Frei comentou sobre a idéia aos meus pais e alguns anos depois eles voltaram para viver lá. Foram uma das primeiras famílias a morar no vilarejo. No começo, não havia nada lá. Não havia água nem eletricidade. E não havia estradas adequadas para se chegar ou sair de lá, só caravanas. Hoje em dia, já existem umas cinqüenta famílias vivendo no local. Metade são árabes (muçulmanos e cristãos), e metade dão judeus. Essa é a norma lá.
Rami: Existe também uma escola bilíngüe para alunos até a sexta série. Na sétima série é necessário transferirse para as escolas locais fora da vila. Os árabes vão para uma escola e os judeus para outra. É chato, porque acabamos nos separando dos nossos amigos.
Você foi educado em uma religíāo?
Ori: Meus pais são judeus. Comemoramos os eventos religiosos judaicos, mas não somos religiosos. Faço parte do povo judeu porque nasci no judaísmo.
Rami: Meu pai é muçulmano e minha mãe cristã. Por isso, comemoramos os eventos das duas religiões, mas nem ele nem ela são religiosos. Não me considero seguidor de nenhuma religião, mas creio em Deus. Eu sei que Deus criou tudo, e que Ele tem o domínio sobre tudo. Mas não acho que Deus fica administrando nossas vidas, mas existe alguma coisa que nos mostra o caminho que devemos seguir.
Ori: Eu encaro Deus como alguém que poderia ser o Criador do universo, ou que dita as leis da natureza, mas não estou muito certo disso.
Como é que as pessoas convivem na vila?
Ori: Bom, temos ali uma pequena comunidade. Por isso, qualquer atrito entre os moradores às vezes parece maior, porque todos têm contato uns com os outros. É claro que as pessoas se desentendem. Mas, sempre são realizadas reuniões, nas quais os moradores discutem diversos assuntos de interesse da vila e tomam decisões por votação. É tudo bem democrático.
Rami: Se os participantes não chegam a um acordo, qualquer morador pode convocar outra reunião.
Porém, é necessário ter no mínimo dezoito anos para participar das reuniões.
Na sua opinião, por que os árabes e judeus vivem pacificamente na vila, mas estão em guerra no resto do país?
Rami: Acho que é porque nós conversamos o tempo todo uns com os outros na vila. Atualmente, na maior parte de Israel, árabes e judeus não estão se comunicando, nem a respeito do conflito, nem a respeito de assuntos triviais. Quando eu converso com o dono da mercearia, que é judeu, ele me diz que tem bom relacionamento com os árabes porque eles fazem compras no estabelecimento dele. O dono do restaurante, que também é judeu, diz que tem bom relacionamento com os árabes, porque eles freqüentam o restaurante dele. Mas, de forma geral, árabes e judeus não estão conversando nem ouvindo uns aos outros.
Você acha que os árabes e judeus podem algum dia chegar a uma coexistência pacífica? Foi noticiado que o Presidente Bush, ao saber que um jovem suicida havia realizado um atentado a bomba em Israel, disse: “o próprio futuro está morrendo”.
Ori: As notícias de Israel parecem muito desanimadoras. Quando jovens palestinos se dispõem a cometer suicídio para matar israelenses, isso mostra o desespero dos palestinos. Para chegar a ponto de suicidar-se, você precisa acreditar que não tem nada a perder.
Um grande líder é aquele que consegue tomar decisões difíceis e que olha para frente...
Rami: O que ajuda a manter meu otimismo é o fato de que, em minha opinião, árabes e israelenses vão chegar a um acordo, porque esses dois povos certamente vão viver nesta terra. Nenhum deles vai abandonar este lugar. Por isso, ambos terão de fazer concessões. Serão necessários dois grandes líderes para isso. Aí então haverá paz.
Como você define um grande líder?
Rami: Um grande líder é alguém que está disposto a fazer concessões difíceis; alguém que está disposto admitir erros; alguém que não deixa que seu povo se desiluda com ele, nem deixa que crie expectativas que não sejam realistas. Um grande líder é bom e não egoísta. Pensa no que o povo precisa.
Ori: Concordo com Rami. O grande líder é aquele que consegue tomar decisões difíceis, e que olha para o futuro que está lá na frente, não apenas para o futuro imediato. É o que pensa não apenas em seu próprio povo, mas em outros povos também. Ele também é honesto. É alguém que não se esconde atrás de nada, nem culpa os outros pelas situações difíceis. E um grande líder não pode ser vingativo nem guardar rancor.
Rami: Yitzhak Rabin, que foi primeiro ministro de Israel, possuía as qualidades de um grande líder. Ele foi o primeiro a mostrar disposição de dialogar com a Autoridade Palestina e discutir o futuro com eles.
Outro foi Gamal Abdel-Nasser, expresidente do Egito. Os egípcios gostavam muito dele. Ele melhorou a vida do povo ao trazer mais ordem para o país, e menos pobreza. Todos sabiam que por trás de suas decisões estava o cuidado com a população.
Na opinião de vocês, quais são as maiores barreiras para a paz em qualquer conflito?
Ori: Se existe um conflito, normalmente é porque dois povos não se aceitam. Um acredita que o outro não deva ter os mesmos direitos que ele. A formação educacional, sem dúvida, pode mudar essa situação. Isso é muito importante em qualquer conflito. E, o que é mais importante, no conflito árabe-israelense a formação educacional pode ajudar tanto judeus quanto palestinos a aceitar o fato de que eles precisam dividir a mesma terra em que moram hoje. Não há nenhum outro caminho para a paz, a não ser a coexistência entre palestinos e israelenses. Evidentemente, existem problemas a ser resolvidos, como território, água e a situação dos refugiados, que podem ser resolvidos, mas não facilmente.
De que forma vocês resolvem conflitos?
Rami: Certa vez, tive um problema na escola com um colega de classe que tinha opiniões políticas muito diferentes das minhas.
Discutimos muito. Quase nos atracamos, mas então conversamos novamente com muita calma e resolvemos nossas divergências. Nossos pontos de vista continuaram os mesmos, mas cada um passou a respeitar a opinião do outro.
Ori: Quase não há lugar em que não haja conflito. E é sempre melhor usar o diálogo e a troca de idéias, em vez da violência.
