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O Evangelho de Marcos em nossa vida

Preparando-se para a leitura do Evangelho de Marcos

Da edição de janeiro de 1999 dO Arauto da Ciência Cristã


Este mês o Arauto inicia a publicação de uma série de artigos que têm o objetivo de esclarecer um pouco o contexto histórico e as circunstâncias em que foi escrita a mensagem de Marcos, que aparece no Novo Testamento. A autora destes artigos, Mary Jane Chapin, comenta a atenção constante dedicada ao Evangelho de Marcos pelos estudiosos da Bíblia. Ela se refere a este Evangelho como “uma obra-prima por seus próprios méritos”. Trata-se de um livro que “nos convida a assimilar sua mensagem e a colocála em prática; convida o leitor a entrar em seu mundo”.

A Sra. Chapin é profunda conhecedora da Bíblia; tem mestrado em estudos bíblicos conferido pelo Luther Seminary da Cidade de Saint Paul, estado de Minnesota, Estados Unidos. Reside em Minneapolis, estado de Minnesota. A Sra. Chapin é enfermeira da Christian Science por profissão e também ministra seminários sobre a Bíblia em todo o território dos Estados Unidos.

Encravado entre os escritos grandiosos de Mateus e Lucas, há um relato mais curto, conhecido como “O Evangelho segundo Marcos”. Acreditava-se que fosse uma versão abreviada dos outros dois, por isso esse livro foi relegado a uma condição inferior e praticamente ignorado até por volta de 1830. Nessa época, dois estudiosos da Bíblia Ver Morna D. Hooker, The Gospel According to Saint Mark (London: A & C Black, Ltd., 1991), p. 9. começaram a defender enfaticamente a idéia de que, em realidade, o Evangelho de Marcos era o original e que Mateus e Lucas haviam se baseado nele! Os argumentos apresentados eram convincentes. Praticamente esquecido durante quase dois séculos, Marcos tornou-se de repente o centro das atenções dos eruditos. Esse interesse ainda não diminuiu, apesar das várias tendências e da dinâmica dos estudos relacionados com a Bíblia, todos esses anos.

Mais recentemente, muitos eruditos passaram a classificar esse livro como um documento literário. Tendo há muito chegado à conclusão de que as questões históricas não poderiam jamais ser respondidas de forma conclusiva; de que o conhecimento sobre a comunidade primitiva é, na melhor das hipóteses, especulativo; e de que apenas o autor conhece suas verdadeiras intenções, eles começaram a reconhecer e valorizar os tesouros contidos no livro de Marcos como história irresistível. Concluíram que, longe de ser uma versão resumida dos Evangelhos de Mateus e Lucas, Marcos é uma obra-prima por seus próprios méritos.

E um documento fascinante, que aborda todos os temas mais importantes da vida, como o bem e o mal, a vida e a morte, a lealdade e a traição, para citar apenas alguns. Marcos começa abruptamente e termina da mesma forma no versículo 8 do capítulo 16. (Os outros versículos foram acrescentados posteriormente.) Entre o início e o final da narrativa desenvolve-se uma trama que muda constantemente. Quando o leitor pensa que sabe o que vai acontecer, o enredo muda, de forma totalmente inesperada. O livro apresenta uma série de contrastes em que a realização anda lado a lado com o desapontamento, o consenso aparece entremeado com conflitos e o entendimento é muitas vezes seguido pela desavença.

A narrativa parte do ponto de vista de um narrador que sabe tudo. Ele conhece os eventos e também os pensamentos, sentimentos e intenções das personagens. Ele não é parte da narrativa, não fala na primeira pessoa nem se coloca como testemunha ocular, mas está sempre presente. Ele pode invadir qualquer cena para fornecer informações adicionais ou dar explicações. Muitas vezes, ele se dirige ao leitor por meio de pequenos apartes. Espera-se que haja leitores e que eles confiem nesse narrador, que achem suas palavras dignas de serem ouvidas e entendidas. Essas palavras têm um objetivo, uma mensagem. Elas têm algo a transmitir. Não se trata apenas de uma história, mas sim de um documento de fé, dirigido a nós, os leitores. Ele nos diz algo sobre Deus e sobre o caminho da salvação. Nem todos os estudiosos, porém, concordam a respeito do que seja esse "algo" ou esse "caminho".

Foi dito certa vez que Marcos, bem como os outros Evangelhos, apresentava uma história da paixão com uma longa introdução. M. Kähler, The So-called Historical Jesus and The Historic, Biblical Christ, (Philadelphia: Fortress Press, 1961), p. 80, nota 11. Desde que essa frase foi cunhada, o evento da cruz passou a jogar sua palidez sobre o livro, a partir das primeiras linhas. A segunda metade do Evangelho de Marcos recebeu o título de "O caminho", fazendo referência ao caminho da cruz, um caminho de sofrimento e de morte. No entanto, o leitor atento perceberá que a história real não termina com a cruz mas com um túmulo vazio, com a ressurreição. Durante toda a história, cada predição da paixão termina com a promessa da ressurreição. O capítulo 13 promete a consumação em um período posterior. E não podemos nos esquecer das notáveis obras de cura relatadas na primeira metade do livro.

Embora os discípulos sejam apresentados como pessoas que não entendiam o caminho da cruz e não estavam dispostos a acompanhar Jesus até a cruz, as repreensões mais severas que eles recebiam, freqüentemente se deviam à sua falta de compreensão sobre as curas. Isso levou alguns eruditos a argumentar que o Evangelho de Marcos é em realidade uma polêmica contra os primeiros discípulos, dando a impressão de haver um descontentamento com sua liderança, na Igreja primitiva. Todavia, o argumento não procede, principalmente porque aqueles obreiros haviam sido escolhidos por Jesus e sido eficientes. É mais provável que Marcos tenha usado as falhas dos discípulos para ensinar a seus leitores sobre o perdão que Deus confere. Seu livro foi escrito para nós, para que aprendamos com as falhas deles.

Essas discussões sobre os temas encontrados em Marcos vão continuar se desdobrando, à medida que os estudos bíblicos apresentem novas percepções e descobertas. Isso se deve, em parte, ao fato de existirem muitas coisas impossíveis de conhecer. Por exemplo, não há consenso sobre a autoria do livro nem sobre a data e o local onde ele foi escrito.

O mais antigo documento a esse respeito é de Eusébio (aproximadamente no ano 350 A.D.). Cita uma pessoa chamada Papias, que, por sua vez, em seus escritos de 200 anos antes, citava um certo João, o ancião. Dizia-se que este afirmara ser Marcos o intérprete de Pedro. Esse Marcos escrevia com precisão, ainda que não necessariamente em ordem cronológica. Imaginem apresentar esse tipo de prova em um tribunal dos dias de hoje! Porém, com base nesse documento, muitos eruditos defendem a idéia de que o escritor do Evangelho de Marcos tenha sido João, apelidado Marcos, mencionado em Atos 12:12, primo de Barnabé, e que orou por Pedro quando este apareceu perante Agripa. Isso bem pode ser verdade. Acontece que Marcos era um nome muito comum na antigüidade. Deve ter havido muitos Marcos na Igreja primitiva. Só porque o Evangelho tem o nome de Marcos, não significa que seu autor se chamasse Marcos. Assim, a não ser que surjam novas descobertas ou informações, o verdadeiro autor do Evangelho de Marcos ficará no campo das conjeturas. Nós o chamaremos simplesmente Marcos, sem tentar adivinhar qual Marcos terá sido.

Da mesma forma, muitos eruditos acreditam que o livro foi escrito em Roma, para os gentios, entre os anos 64 e 70 A.D. O primeiro indica o ano em que Pedro foi martirizado. O segundo refere-se ao ano em que o Templo de Jerusalém foi destruído. Há outras indicações no Evangelho, sugerindo que esse é realmente o período, porém muitos eruditos encontram outras tantas indicações que apontam para outras datas e até afirmam que o livro de Marcos foi escrito em um ambiente rural, não em Roma. O fato é que não temos certeza de nenhuma dessas informações e, a menos que haja novas descobertas, talvez nunca saibamos ao certo.

Só podemos estar certos disto: de como nos sentimos quando lemos esse livro, como reagimos ao que ouvimos e lemos. O livro nos convida a assimilar sua mensagem e a pô-la em prática: convida o leitor a entrar em seu mundo. São mensagens sobre Jesus e provenientes de Jesus. Sendo a Palavra viva de Deus, esse Evangelho nos transmite ensinamentos sobre Deus e sobre nossa relação com Ele.

O fundamento

PRIMEIRA PARTE
Marcos 1:1–13

1:1 Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.

Marcos começa seu Evangelho com essa declaração maravilhosa. É o princípio, mas do quê? A história começa bem no meio dos acontecimentos. Talvez o princípio não signifique o início de coisas, mas sim os elementos que servem de base, aqueles sobre os quais tudo se fundamenta. Essa então seria a base do evangelho, das "boas novas", muito embora em algumas ocasiões elas pareçam tudo menos "boas novas". É quando nós, como leitores, temos de nos aprofundar e empenhar-nos em ouvir a promessa que elas contêm.

Jesus Cristo pode ser entendido de diversas formas. Como objeto da narrativa, pois trata-se de um relato sobre Jesus Cristo, sobre sua obra e seu ministério. Mas como sujeito dessa mesma narrativa, esse será um relato feito por ele, fornecido por ele como demonstração prática da verdade de suas palavras. Além disso, Cristo é o correspondente grego de Messias, e significa "ungido". Refere-se àquele a quem Deus ungiria e enviaria ao mundo como Salvador. Finalmente, Jesus Cristo foi chamado de Filho de Deus. Ausente de muitos manuscritos antigos, esse título resume a confissão de fé de Marcos. Jesus não era um entre mil, ele era único; ele era o Filho. Desde a sua primeira linha, esse Evangelho nos informa que Jesus é o Messias e o Filho.

Essa informação é transmitida a nós, leitores, mas não às pessoas mencionadas nesse Evangelho. Elas vão indagar e duvidar da identidade de Jesus, mas nós já sabemos qual é. De certa forma, contam-nos o final da história antes mesmo de ela começar. Mas antes de assumirmos uma atitude muito arrogante como leitores, tenhamos em mente que Marcos também pode ter algumas surpresas reservadas para nós.

1:2–8 Conforme está escrito na profecia de Isaías: Eis aí envio diante da tua face o meu mensageiro. .. voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.

Após escrever aquele primeiro versículo formidável, que é a frase de abertura de seu evangelho, Marcos quer que creiamos no que ele escreveu. Haverá melhor testemunha da verdade, melhor prova de sua declaração, do que um recurso à autoridade das Escrituras? Ver Êxodo 23:20; Malaquias 3:1, Isaías 40:3. Ele quer que saibamos que esses eventos não estavam acontecendo por acaso, que Deus os havia predito através de Seus mensageiros, os profetas, muito tempo antes. As palavras antigas estão se cumprindo agora.

.. . apareceu João Batista no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados.

A de João era a voz do que clama no deserto. João foi enviado para ser o arauto e preparar o caminho. Seu trabalho foi batizar e pregar o batismo do arrependimento. Arrependimento significava a mudança da maneira de pensar. Incluía uma mudança deliberada, uma conversão a Deus. Diferentemente dos ritos de purificação pelo batismo em voga naquela época, o trabalho de João tinha características éticas. Esse batismo deveria ser acompanhado por uma mudança radical na vida da pessoa, uma completa mudança interior.

Saíam a ter com ele toda a província da Judéia e. .. de Jerusalém; e, confessando os seus pecados, eram batizados por ele no rio Jordão.

Que reação do povo! Toda a província vinha até ele. Talvez haja um certo exagero nessas palavras, mas a hipérbole descreve o entusiasmo que havia no ar, a eficácia da mensagem de João.

As vestes de João eram feitas de pêlos de camelo; ele trazia um cinto de couro e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre. E pregava, dizendo: Após mim vem aquele que é mais poderoso do que eu. . .

Por que será que as pessoas ficavam entusiasmadas ao ouvir alguém como João? Sua missão era a de preparar o caminho para alguém que era mais poderoso do que ele; ele não era o tipo de pregador a que estavam acostumados. Vivia no deserto, alheio aos acontecimentos e às pompas materiais. Mas seu estilo de vida conferia credibilidade e integridade à sua mensagem. A acolhida das pessoas mostra como era grande a fome espiritual que elas tinham. É muito provável que o ambiente fosse de ansiedade e expectativa.

1:9–11 Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galiléia e por João foi batizado no rio Jordão.

Como isso parece corriqueiro! Jesus veio — até o rio, onde participou humildemente do batismo administrado por João. Será que ele era realmente aquele que o povo estava esperando?

Logo ao sair da água, viu os céus rasgarem-se e o Espírito descendo como pomba sobre ele. Então, foi ouvida uma voz dos céus: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo.

Sim! Os céus haviam se rasgado antes, mas a palavra grega utilizada aqui não é a usada normalmente. A palavra que Marcos usou tem um elemento de violência, indicando que os céus foram partidos ao meio, rasgados com grande força. Ela sugere que aquilo que acabara de acontecer não seria desfeito facilmente; teria um efeito duradouro. Os eruditos entendem isso como podendo significar que uma barreira havia sido removida; o relato sugere que Deus está "solto" no mundo. Donald H. Juel, A Master of Surprise: Mark interpreted (Minneapolis, Minn.: Fortress Press, 1994), p. 35. Mas o que poderia significar isso?

O conceito judaico sobre Deus era muito limitado. Acreditava-se que Deus estivesse presente especialmente no Templo — onde permanecia sagrado, separado, isolado. O povo e o Templo de Deus deveriam ser mantidos sagrados e puros, ou então Ele poderia abandoná-los. A tarefa deles era salvaguardar essa santidade, manter sua pureza. Toda a sua abordagem religiosa era bastante previsível, disciplinada e regulada. Mas com a separação que houve no céu, alguma coisa nova aconteceu, alguma coisa que ficaria para sempre. Ela afetaria sua adoração a Deus, não mais confinando-a a um lugar especial ou à elite sacerdotal, ou limitando-a a rituais e regulamentos. Esse rasgo no céu significava que a presença e o poder de Deus seriam considerados ativos em todo lugar. Por meio do Cristo, Deus estaria espalhando ativamente Sua santidade, vencendo o mal, transformando vidas. Esse era um conceito de Deus tão radical e tão inesperado que simplesmente tinha de entrar em cena de forma marcante. Doravante todos entenderiam que Deus estava no mundo de uma forma totalmente nova, e Jesus havia sido enviado para demonstrar isso.

Além disso, o Espírito como pomba desceu sobre ele. Representando a atividade criativa de Deus, o Espírito tinha historicamente pousado sobre outros, capacitando os profetas a enunciar a palavra de Deus e os líderes a cumprir sua missão. Os judeus esperavam que o Espírito descesse sobre o Messias, aquele a quem Deus mandaria como o Salvador.

Por fim, foi ouvida uma voz dos céus. Essas palavras ecoam de certa forma as idéias do Antigo Testamento. Elas dão testemunho convincente de Jesus Cristo, Filho de Deus. A ênfase recai completamente sobre a iniciativa de Deus, Seu protesto de amor incondicional. Define o relacionamento Pai-Filho. Somos privilegiados por nos depararmos com palavras ditas diretamente a Jesus. Sabemos que as pessoas presentes aos eventos que se seguem não estão cientes dessas palavras.

1:12, 13 E logo o Espírito o impeliu para o deserto, onde permaneceu quarenta dias, sendo tentado por Satanás; estava com as feras, mas os anjos o serviam.

Todo o relato da tentação merece dois pequenos versículos em Marcos. Embora desprovido de detalhes específicos, eles fornecem informações valiosas. Jesus foi impelido a ir. Era um teste de sua fidelidade, confiabilidade e lealdade. A filiação não significava uma vida tranqüila, mas uma vida de luta. Ele foi tentado por Satanás e ficou cercado por animais selvagens. Contudo, esses eventos vêm depois de ser dito que o Espírito o havia enviado para lá, e são seguidos pela informação de que os anjos o serviam. É a maneira de Marcos mostrar a providência sempre presente de Deus, uma reafirmação de que a orientação e proteção de Deus serão sentidas no mundo de uma nova forma.

Tendo assim lançado o fundamento, Marcos começa seu relato do ministério de Jesus com diversos incidentes que demonstram a autoridade do Mestre e a reação do povo.

Esta série de artigos continua no Arauto de fevereiro.

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