"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei." Essas conhecidas palavras do Apóstolo Paulo, na primeira carta que ele escreveu aos cristãos da cidade de Corinto, (cap. 13) são há muito consideradas como um verdadeiro hino ao amor. Trata-se de um capítulo inteiro de belas palavras sobre as características e o valor desse sentimento.
Contudo, quando falamos de amor, em nossa linguagem comum, em nosso português do dia-a-dia, podemos entender uma variedade de coisas. Os dicionários, em geral, reservam bastante espaço a essa palavra. Ela pode significar simplesmente "forte afeição por outra pessoa", ou "afeição baseada em admiração, benevolência ou interesses comuns; calorosa amizade; forte afinidade". Num significado mais elevado, um dicionário define "amor" como "força de coesão universal, sendo Deus o princípio dessa força". Por outro lado, a mesma palavra pode indicar uma "atração baseada no desejo sexual" ou até mesmo o próprio ato sexual. Acontece também de ser utilizada no sentido negativo de amor ao dinheiro ou às coisas materiais.
A qual desses significados se referia Paulo?
Em hebraico, idioma original do Antigo Testamento, a palavra utilizada para "amor" tem praticamente a mesma amplidão de significados que tem em português, e o leitor precisa discernir a significação com base no contexto.
A Epístola aos Coríntios, porém, encontra-se no Novo Testamento, cujo idioma original é o grego. Além do mais, essa carta foi mesmo endereçada aos coríntios, que eram gregos. Em grego, há palavras distintas para os diversos significados de que falamos acima e tanto os Evangelhos como o restante do Novo Testamento usam os termos exatos em cada caso.
A palavra "eros" e suas derivadas eram utilizadas para indicar a atração baseada no desejo sexual. Esse termo nunca é encontrado no Novo Testamento, por isso sempre que encontramos a palavra “amor” podemos ter certeza de que não há nenhuma conotação sexual.
São dois os termos mais utilizados na Bíblia: “filía” (tendo como verbo “filéo”) e “agape” (tendo como verbo “agapáo”). Em ambos os casos, a tradução diz "amor" e "amar" ao passo que há diferenças significativas entre os dois.
Filéo significa ter afeição, complacência, apego baseado num sentimento muitas vezes involuntário e pouco racional, proveniente da convivência ou da afinidade. Em geral, é motivado pelas qualidades ou merecimento da pessoa ou coisa amada.
Agape, por outro lado, indica um amor mais racional, baseado em princípios, proveniente de uma decisão consciente e que não depende do mérito da pessoa amada, por isso é incondicional. Não é governado pela emoção e jamais desconsidera princípios, sem deixar de incluir afeição e carinho. Inclui a idéia de doação altruísta. Esse é o termo quase sempre usado em relação a Deus. Esse é o termo usado por João, quando diz que "Deus é amor", e esse é o amor a que Paulo se refere no célebre capítulo de sua primeira carta aos Coríntios.
"Quem ama (filéo) a sua vida perde-a", lemos em João 12:25. Ao passo que em 1 Pedro 3:10 o amor à vida é recomendado: "Quem quer amar (agapáo) a vida e ver dias felizes refreie a língua do mal e evite que os seus lábios falem dolosamente; aparte-se do mal, pratique o que é bom, busque a paz e empenhe-se por alcançá-la". Vemos assim como aparentes contradições da Bíblia podem ser aclaradas.
No último capítulo do Evangelho de João, encontramos um exemplo interessante da diferença significativa entre os dois termos. Ali, Jesus perguntou a Pedro: "Simão, filho de João, amas-me (agapáo) mais do que estes outros?" e Pedro respondeu: "Sim, Senhor, tu sabes que te amo (filéo)". Vemos assim por que motivo o Mestre não ficou satisfeito com a resposta e repetiu a pergunta. Mas o resultado foi o mesmo. Jesus usou agapáo e Pedro respondeu filéo. Na terceira vez, como que conformado, Jesus modificou a pergunta: "Simão, filho de João, tu me amas (filéo)?" Em sua compaixão, aceitou o sentimento limitado de Pedro, esperando um progresso futuro.
Quando escreveu seu hino ao agape, Paulo havia acabado de mencionar os dons espirituais que o cristão deveria buscar: curar, profetizar, ensinar, operar milagres. Todos eram igualmente importantes, dizia, ainda que se manifestassem de forma diferente em cada um. Contudo, passaria a mostrar "um caminho sobremodo excelente", o agape, sem o qual os outros dons perdem o valor.
Percebendo o caráter mais racional e menos emocional do agape, podemos entender por que ele é "paciente, benigno e não arde em ciúmes". Naturalmente, e sem esforço, o agape "não se exaspera e não se ressente do mal". Deus é agape. Como imagem e semelhança de Deus, nossa verdadeira natureza inclui esse tipo de amor.
Bibliografia: Estudo Perspicaz das Escrituras, Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados; The Interpreter's One Volume Commentary of the Bible; Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Ed. Nova Fronteira; Dicionário do Strong's Exhaustive Concordance of the Bible; The New Testament, a Student's Introduction.
