Uma senhora de idade havia acabado de manobrar o carro e colocá-lo em uma vaga muito pequena, de maneira elegante e sem nenhuma dificuldade. “Você vê? Ainda consigo fazer isso”, disse ela com satisfação. Então, perguntei: “O que você quer dizer com ainda”? Eu nunca tivera nenhuma dúvida de que ela seria capaz de fazer aquilo. Afinal, ela era uma excelente motorista.
Depois desse diálogo, comecei a observar, cada vez mais, a ligação que existe entre a habilidade de fazer algo e a palavra ainda. Essa palavra é usada com tanta frequência, que mal percebemos o que ela transmite. Lemos que um tenista de 30 anos “ainda” pode enfrentar um oponente muito mais jovem, que uma mulher em seus quarenta e cinco anos “ainda” tem boa aparência e que um casal com sessenta anos “ainda” faz viagens fantásticas. Quase ninguém pondera muito sobre essas declarações.
Todavia, quando consideramos o pensamento que está subjacente a essa expressão, percebemos que ele aprisiona a humanidade. Ele limita a afirmação das habilidades e, assim, limita também a expectativa de capacidade. As crianças declaram com orgulho que já conseguem fazer algo. Quem já não viu o triunfo radiante de uma criança que acabou de aprender a andar de bicicleta? Em algum momento, esse já desaparece daquilo que dizemos. Então, por algumas décadas, as pessoas simplesmente dizem que são capazes de realizar coisas, sem fazer qualquer comentário adicional. E então, em algum momento, esse ainda começa a aparecer nas conversas. A implicação que isso terá fica bem clara: algum dia a capacidade de fazer as coisas irá acabar. Ao invés de aprendermos coisas novas, estaremos desaprendendo de fazer as coisas. Assim, sem nos darmos conta, seguimos o padrão de crescimento, maturidade e decadência ditados pela materialidade.
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