Descrever alguém como “inocente” pode soar bastante negativo, talvez indicando que a pessoa seja ingênua, rudimentar ou incapaz de lidar com os desafios mais complexos da vida. Sob outra perspectiva, porém, uma definição de inocência no dicionário on-line Merriam-Webster é “isenção de culpa ou pecado por não conhecer o mal: inculpabilidade”. À medida que nos familiarizamos mais com Deus, o bem, como a pura Verdade divina, nos damos conta de nossa inocência e bem-estar dados por Deus como o reflexo de Deus.
Ao mesmo tempo, começamos a perceber que impressões ou sugestões do mal não têm autoridade nem lugar em nossos pensamentos nem em nossa vida. Isso significa que podemos vigorosamente rejeitar teorias inúteis, inverídicas, que geram divisões, incluindo todo tipo de teorias de conspiração, de qualquer ponto de vista. Tal informação negativa tende a nos deixar sobrecarregados. Mas, manter o pensamento centrado em nossa capacidade concedida por Deus para expressar inocente confiança nEle, purifica nossos motivos e nosso pensar.
Essa inocência não é insensatez ou imprudência; é uma resposta inteligente e ativa às necessidades do mundo. Os escritos bíblicos caracterizaram a inocência como uma qualidade dada por Deus, que deve ser valorizada e cultivada. O apóstolo Paulo, escrevendo aos primeiros cristãos em Corinto sobre as tentações mundanas que enfrentavam, alerta-os a tomar cuidado para que sua mente não fosse corrompida e apartada “…da simplicidade e pureza devidas a Cristo” (2 Coríntios 11:3). A versão bíblica em inglês intitulada The Message [A Mensagem], de Eugene Peterson, parafraseando Paulo, fala “da simples pureza do seu amor ao Cristo”. A palavra grega haplotēs, traduzida na Bíblia como simplicidade, também pode significar pureza, generosidade ou singeleza de coração (ver Geoffrey W. Bromiley, Theological Dictionary of the New Testament, Abridged in One Volume [Dicionário Teológico do Novo Testamento, condensado em um único volume]). E essas são certamente qualidades saudáveis e benéficas para expressarmos.
Ao manter um foco puro e simples na Verdade, Deus, podemos nos desvincular de uma avalanche de relatos diários que nos levam à tentação de acreditar e agir como se fôssemos mortais encurralados, sem escapatória. Percebemos que podemos humildemente confiar na Verdade divina, em vez de nos render a um ponto de vista cético que insiste em que a humanidade é material, vulnerável e pecadora.
O estudo da Bíblia revela que a qualidade da inocência oriunda de Deus tem efeitos benéficos e sanadores. Cristo Jesus ensina em seu Sermão do Monte que aqueles que são puros de coração são abençoados e veem, compreendem, a Deus. E as muitas curas realizadas por Jesus ao longo de seu ministério provam que uma comunhão pura, clara e constante com Deus traz resultados que transformam a vida das pessoas.
Há alguns anos, quando eu estava de férias no exterior, fomos de carro a um local muito belo da região, e dali caminhamos até a praia. Percebendo que tínhamos esquecido algo de que precisávamos, voltei para buscá-lo no carro. Ao chegar, fiquei muito surpresa ao ver o porta-malas aberto. Havíamos deixado ali nossas câmeras fotográficas, relógios e outros objetos, antes de caminhar até a praia. Obviamente, o porta-malas do carro se abrira por que não o havíamos fechado corretamente, já que era um carro alugado com o qual não estávamos acostumados. O estacionamento estava muito movimentado, com moradores e turistas passando por onde estava o carro. Mas percebi que nada havia sido mexido ou levado, embora nossos pertences tivessem ficado claramente visíveis. Depois de trancar o carro com segurança, voltei para onde estava minha família. Nós nos alegramos com a pureza e a honestidade inatas de todos os filhos de Deus. O que guardei comigo desde aquela experiência modesta é que não só nós fomos protegidos de que nossos pertences fossem roubados naquele dia, mas aqueles que passavam pelo nosso carro alugado foram impelidos por Deus a expressar inerente inocência e integridade.
Em sua obra principal, Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, a pensadora e sanadora cristã Mary Baker Eddy, a Descobridora da Ciência Cristã, observa a correlação entre a inocência e a ideia de Deus, que é a Verdade: “A inocência e a Verdade vencem a culpa e o erro” (p. 568). Essa declaração, curta, mas profunda, pode fornecer uma compreensão do poder e autoridade da inocência como uma qualidade de Deus, ou seja, a Mente e a Verdade divinas.
É importante perceber, porém, que a qualidade espiritual da inocência não é o mesmo que ingenuidade humana. Não se trata de ignorância nem de negar os fatos, o que seria falta de sabedoria ou bom senso, e não corresponderia à semelhança de Deus. Ignorar o mal não é expressar inocência espiritual. “Ignorar um problema não é superá-lo”, um membro experiente da igreja que frequento me disse uma vez. Em vez disso, a inocência genuína é uma confiança inabalável e pura de que Deus é todo-poderoso e sempre presente, o que inclui a convicção de que o mal não tem poder porque não é sancionado por Deus, e pode desaparecer em sua inerente irrealidade.
Talvez ainda perguntemos como podemos defender nossa inocência e não permitir que seja prejudicada pelas experiências difíceis da vida. Os escritos da Sra. Eddy, cuja base é sempre a Bíblia, mostram que nossa verdadeira inocência é determinada por Deus e que, apesar das experiências pelas quais passamos, podemos vivenciar maior inocência à medida que reconhecemos que esta é parte de nossa verdadeira natureza, e vivemos de acordo com o que Deus nos outorgou.
Se nos preocupamos por não ter esperteza, porque vivemos de acordo com nossa inocência dada por Deus, podemos ter a certeza de que a Mente divina, Deus, provê e nos orienta para a sabedoria e o discernimento de que necessitamos na vida. E os Salmos e Provérbios nos relembram que essa sabedoria dada por Deus é inseparável de nossa inocência. Por exemplo, o Salmo 19:7 afirma que “A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices”. O Salmista também encoraja os leitores com a promessa de que “O Senhor vela pelos simples…” (Salmos 116:6) — ou, como diz a versão da Bíblia em inglês intitulada New Living Translation [Nova Tradução Vivente]: “O Senhor protege aqueles de fé pueril”.
Jesus, em seus ensinamentos explícitos e parábolas, muitas vezes indicou aos discípulos a necessidade de proteger de maneira concreta a continuidade da missão deles próprios como seguidores fiéis. Jesus frisou a importância de ser sábio e não ingênuo. Certa vez, ele aconselhou os discípulos a serem, em suas relações com os outros, não apenas “símplices como as pombas”, mas também “prudentes como as serpentes” (ver Mateus 10:16).
Ser astuto, perspicaz e ter discernimento é a decorrência inevitável de nossa inocência dada por Deus, ou seja, a pureza da compreensão espiritual. Assim podemos discernir rapidamente e com clareza o que não é útil no pensamento, seja no nosso, seja no dos outros, e seguir em frente, rejeitando qualquer sugestão de que o mal tenha poder em nossa experiência. Reivindicar e reconhecer nossa inocência dada por Deus também ajuda a sustentar e impulsionar o progresso contínuo para nós e para os outros, como seguidores cristãos, tal qual os discípulos se esforçaram por fazer nos primórdios da igreja.
Podemos confiar, então, como o Salmista indicou, no fato de que a sabedoria realmente acompanha e fortalece nossa inocência. A inocência que se baseia na Verdade divina é poderosa para vencer e impedir o mal e perpetuar o bem.
