Amós foi uma pessoa comum. Não era profeta ou filho de profeta, e sim um pequeno lavrador, que cuidava de suas ovelhas e sicômoros, e vivia perto do deserto da Judéia, ao sul de Belém. O que aconteceu com ele é narrado de forma bem simples: “O Senhor me tirou de após o gado, e me disse: Vai, e profetiza ao meu povo Israel.” Amós 7:15; Foi assim, pois, que o lavrador Amós colocou-se diante dos sacerdotes, mercadores e ricos habitantes do Reino do Norte, castigando-os todos em nome do Senhor, por negligenciarem a Sua justiça.
Cerca de vinte anos mais tarde, Isaías, o aristocrata de Jerusalém, tem uma experiência parecida: “Ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. Então disse ele: Vai.” Isaías 6:8, 9;
Um século depois a mensagem vem a Jeremias, nas últimas décadas do reinado de Judá, quando as nuvens se juntam sobre Jerusalém; e depois a Ezequiel, que havia de trabalhar entre os exilados na Babilônia. Mais de seis séculos depois, Saulo, o fariseu, tem uma visão do Cristo na estrada de Damasco. “Então caí por terra” (seu amigo Lucas relata as palavras) “ouvindo uma voz ... Então perguntei: Que farei, Senhor?” Atos 22:7, 10;
Inspiração e revelação, o próprio conteúdo da Bíblia — o que fazer disso hoje em dia? Quando a inspiração encontra os estudiosos, os historiadores dos fatos, os arqueólogos, a catalogar objetos que podem ver e tocar — o que acontece?
Quanto mais trato dessa questão, mais claramente vejo que ela não testa a Bíblia propriamente, mas sim o discernimento espiritual daqueles que lidam com a Bíblia. Será que compreendemos realmente esse Livro nas profundezas de sua divindade?
De Amós até Paulo — e desde muito antes de Amós, se nos lembramos de Moisés — estamos face a face com a iniciativa do que é divino. Não apenas seres humanos raciocinando em direção a algum conceito sobre Deus, mas o próprio Deus, a Mente divina em sua infinita auto-expressão, visível ao pensamento espiritualmente alerta dessas pessoas e tornando-se poderoso em suas vidas. Paulo, por exemplo, nunca mais foi o mesmo. Passou a ter um quadro de referência totalmente novo — o divino era real para ele. Tudo quanto tinha considerado como lucro antes, nada era diante dessa luz.
Isso é o que faz com que nos inclinemos diante da Bíblia. É bem possível que o Cientista Cristão seja particularmente rápido em reconhecer esses sinais, por tê-los vivido até certo ponto em sua própria experiência. Eis aí o advento do divino — do que a Ciência Cristã reconhece como o mundo real do Espírito, o reino do céu presente — no pensamento e na vida dos homens.
Esse advento nem sempre é dramático, como no chamado a Isaías ou Ezequiel. A mais pura expressão desse advento, no caso de Cristo Jesus, é descrita como a vinda de uma pomba. V. Mateus 3:16; Assim também hoje, como a cura pela Ciência Cristã ilustra, a mais clara expressão do Espírito não é espetacular. É a ação da lei eterna, da graça que impregna tudo.
A Bíblia mostra as novas dessa lei e graça chegando a um povo. A vida dessa gente era completamente diferente da nossa. Suas necessidades e sua maneira de pensar às vezes davam à mensagem formas que para nós parecem estranhas. O modo como tal povo agia nem sempre estaria de acordo com os tempos atuais. Mas o importante é que, de uma forma ou de outra, a mensagem sempre era recebida.
É claro que nada paralisou essa mensagem, que continua a ser recebida. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, num genuíno momento de Verdade, está em alinhamento direto com a Bíblia. E sem ter um tal momento, ou muitos deles, nunca conhecemos realmente a Bíblia em sua verdadeira mensagem. O estudioso mais erudito pode ainda ser-lhe um estranho.
A Sr.a Eddy diz claramente: “A Ciência divina, ensinada na linguagem original da Bíblia, veio por inspiração e necessita de inspiração para ser compreendida.” Ciência e Saúde, p. 319; Ela mesma foi uma devotada estudante da Bíblia durante muitos anos, quando a significação inspirada desse Livro finalmente raiou para ela, curando-a fisicamente, e colocando-a numa nova órbita espiritual. O livro Ciência e Saúde de autoria da Sr.a Eddy, tem a autoridade dessa experiência e transmite essa inspiração. Todas as obras principais da Sr.a Eddy são, de certo modo, um comentário sobre o significado espiritual das Escrituras. No primeiro artigo de fé da Ciência Cristã, afirma ela: “Como adeptos da Verdade, tomamos a Palavra inspirada da Bíblia como nosso guia suficiente para a Vida eterna.” ibid., p. 497;
Acaso seguir tal Palavra inspirada nos coloca em oposição à erudição? Esse não foi o efeito que teve sobre a Sr.a Eddy, que se recusou, por exemplo, a aceitar a história de Adão literalmente, usando a primitiva teoria erudita de haver dois documentos do Gênesis a fim de ajudar a mostrar a diferença que ela discernia espiritualmente entre os capítulos 1 e 2.
Em sua recém-descoberta compreensão espiritual, a Sr.a Eddy pôde enfrentar com liberdade os problemas levantados por Darwin, cujos livros Da Origem das Espécies e A Descendência do Homem tinham abalado os fundamentos das religiões da época. Ela não lançou a autoridade das Escrituras contra Darwin, como outros líderes religiosos fizeram, tampouco sua compreensão espiritual das Escrituras foi perturbada pelo que Darwin apresentou como a história do homem material. Usou a teoria dele para ilustrar a espécie de homem acerca do qual a Ciência Cristã não se ocupa em definir.
Interpretado espiritualmente, o trabalho dos estudiosos pode ajudar-nos a compreender de que maneira, em qualquer época, o pensamento inspirado tem domínio sobre a matéria. A verdade espiritual nunca muda; mas o pensamento se ergue a pontos de vista mais puros a respeito dela, e com isso a compreensão da Bíblia se eleva. Histórias antigas são clarificadas ou usadas de novas maneiras, muitas vezes deixando em seu contexto honrosos vestígios da luta para articular visões mais elevadas. Claro e intacto, fora e longe de seu berço como mito babilônico, aparece o primeiro capítulo do Gênesis, maravilhosamente espiritual. Até mesmo o segundo capítulo, com seu enfoque na mortalidade, consegue eliminar o politeísmo, orientado para o sexo, da antiga mitologia. Embora ande no jardim, como o fariam deuses e deusas, o Senhor Deus do segundo capítulo é — por incrível que pareça — um só!
Às vezes o rompimento dos vínculos com suposições populares do passado é aberto e drástico, como quando Ezequiel pergunta: “Que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram? Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, jamais direis este provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do filho é minha. ...” Ezequiel 18:2–4;
Poderíamos pensar que Ezequiel abriu o caminho para o Sermão do Monte, seis séculos mais tarde, preparando o pensamento para o ensino perfeito de Cristo Jesus, sobre a filiação do homem com Deus e a nova vida que isso implica. Jesus dirá muitas vezes: “Ouvistes que foi dito aos antigos ... Eu, porém, vos digo ...” E também dirá: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” Mateus 5:21, 22, etc., 48.
Trabalhando enquadrada em sua época e na história humana, a erudição pode abrir perspectivas como essas. Todavia, cada cura pela Ciência Cristã é um lembrete de que a inspiração não pode ser limitada dentro das seqüências históricas. Permanece o fato de que Deus, o Espírito, é luz constante. O homem é eternamente o filho de Deus, eternamente a receber Sua mensagem. A Verdade é uma só e a transparência à Verdade — até mesmo a transparência suficientemente clara para permitir a cura espiritual — não pode ser excluída de época alguma.
Alguns estudiosos discernem um eco desses transcendentes fatos do Espírito, na tendência da erudição contemporânea que trabalha com as próprias ferramentas de estudo de textos e arqueologia, para destacar a unidade do pensamento bíblico. Conceitos espirituais e morais básicos estão agora sendo reconhecidos como possíveis até mesmo nos primórdios da religião hebraica — percepção esta pouco comum há apenas algumas décadas.
Já se pode prever a época em que o trabalhador da Ciência Cristã e o estudioso erudito perceberão melhor o quanto cada um tem para dar ao outro, e mais se auxiliarão mutuamente. É certo que o caminho para essa cooperação está no crescimento espiritual e na prática da mais alta integridade de ambos os lados.
Frente a uma inspiração espiritual genuína que domina o mundo do tempo, o estudioso perspicaz acrescenta muita humildade a todas as suas outras virtudes. A humildade também é um requisito para o Cientista Cristão, e ela o é no seu mais alto nível, se o Cientista Cristão realmente é o que professa ser — um autêntico sanador científico. Certo é que não pode ele ser menos firme nas disciplinas morais e espirituais da Ciência que aplica, do que o é o erudito nas disciplinas de sua perícia e esfera de atividade.
Através deste simples reconhecimento, aqueles que se chegam à Bíblia com metas diferentes, a da cura e a da erudição, podem começar a diminuir a diferença existente entre eles. E afinal, é tão verdade hoje como no tempo de Amós, que a inspiração vem para quem é a ela receptivo. Não há classificações de pessoas privilegiadas que podem receber inspiração. É Deus que interpreta a Palavra inspirada para cada um de nós, na nossa própria linguagem e de acordo com a nossa necessidade.