Certa vez, assisti a uma peça de teatro maravilhosamente interpretada, o drama Jogo mortal, de James Yaffe. Lembro-me de que a trama girava em torno de três juristas aposentados que se reuniam depois do jantar, uma vez por semana, para reviver o julgamento de importantes processos da história. Numa noite de inverno, um hóspede inesperado bate à porta: é um viandante à procura de abrigo contra uma tempestade de neve. Esse visitante, que de nada suspeita, é convidado a participar do julgamento simulado daquela noite e a assumir o papel de réu. O intenso interrogatório que se segue, coloca o homem constantemente na defensiva, até que o “tribunal” se convence de que ele é responsável pela morte de outra pessoa.
Ao assistir à peça, dei-me conta de que o réu nunca tivera nenhuma chance. Ali, naquele tribunal simulado, justiça era sinônimo de encontrar alguma culpa, com base na premissa de que todos cometeram algum crime em algum momento da vida. Essa premissa, de que o homem é essencialmente culpado, está bem representada na história de Adão e Eva. Predestinado desde o início, o homem mortal é fatalmente ignóbil.
Cristo Jesus desafiou poderosamente essa noção de culpa mortal. Das narrativas do evangelho, brota uma nova liberdade, baseada no fato de que a humanidade é essencialmente redimível e essa rendenção, a Ciência Cristã ensina, tem raiz na natureza espiritual do homem como filho de Deus. Sem dúvida, há um profundo abismo entre a premissa, contida na peça, de que todos os homens e mulheres são inevitavelmente culpados, e a poderosa percepção cristã de que podemos vencer o mal e descobrir a verdadeira natureza do homem totalmente merecedor do Amor divino.
O mal deve ser posto a descoberto. Deve ser desmascarado tão completamente, a ponto de deixarmos de lado toda e qualquer indulgência para com o mal, ou, até mesmo, todo medo ao mal, a fim de despertarmos para a natureza do homem como sendo obediente a Deus. A perda do disfarce faz com que o mal enfraqueça, desnudando assim sua natureza fundamentalmente inaceitável. É dessa forma que nos voltamos para Deus, a Verdade divina, a fim de levar adiante a reforma e a cura. Em seu sermão The People's Idea of God, Mary Baker Eddy disse: “A justiça e a verdade tornam o homem livre, a injustiça e o erro o escravizam. ...
“Acima da plataforma dos direitos humanos, edifiquemos outra base para reivindicações mais divinas — a saber, a supremacia da Alma sobre os sentidos, na qual o homem coopera com seu Criador e lhe está sujeito.”
Deus tem direitos divinos sobre nós e esses direitos preservam a saúde, a bondade, a perfeição espiritual do homem. A justiça tem raiz no Amor divino. Essa é a quintessência do cristianismo do Novo Testamento. Apenas aquela lei que prova a falta de poder do mal é, em última análise, a verdadeira lei. É isso que a lei de Deus faz: reduz a nada o mal em nossa vida e livra-nos assim da falsa e trágica crença de que Deus, o bem, não é supremo.
Caso algum crime tenha sido cometido, deve haver na vida humana a admissão da responsabilidade, deve haver arrependimento sincero e reforma. Além disso, a sociedade tem de achar alguma maneira de reparar o mal, de modo a assemelhar-se ao máximo à justiça divina. No entanto, o cristianismo genuíno vem permeado da profunda compreensão de que o homem, em sua verdadeira natureza espiritual, é bom, porque foi criado por Deus. Esse fato é que constitui a fonte de toda capacidade para superar, a nível tanto social como individual, o mal e a “lei da selva”, em que a força física domina.
A lei de Deus, praticada por Cristo Jesus, resulta em que nos livraremos da doença assim como do pecado que desfigura a vida humana. Essa prática estava fundamentada na afeição mais pura — no reflexo do Amor divino. É a essa afeição pura que a Ciência Cristã conduz.
Despertemos e percebamos nossa natureza espiritual, sem pecado. A atração exercida por medo, luxúria, inveja — seja lá como chamemos o mal que obseda a condição humana — não tem um pingo da lei divina a sustentá-la. Quando descobrimos isso, o desejo de conhecermos o bem e de sermos bons aumenta, até a compreensão de que não podemos ser atraídos pelo mal, nem podemos nos tornar suas vítimas, pois o mal é contrário à lei de Deus.
Ao invés de engrandecer o mal, precisamos desmistificá-lo. Ele não tem vida nem autoridade reais e, quanto mais compreendemos que Deus é Tudo-em-tudo, tanto mais crescemos no entendimento de que o homem é bom por ser Seu reflexo. Essa compreensão espiritual rompe o hipnotismo do mal.
O mal que vemos no mundo se mostra, às vezes, tão inflado, que até a descrição que S. João fez dele como “dragão, grande, vermelho” (Apocalipse), parece insuficiente. Todavia, nossa fome de justiça, de misericórdia e de cura não é insignificante. O próprio fato de sentirmos esse anelo é prova de que não somos, em essência, aquilo que os sentidos materiais querem fazer crer. A derrocada do dragão começa quando desponta em nosso pensamento, ainda que de leve, a totalidade da Verdade e do Amor divinos. Deixar de acreditar no mal é um evento sagrado, significa subverter a falsa crença de que o mal tenha autoridade. Tal descrença no mal precede a sabedoria e a regeneração espirituais que nos mostram como melhorar as condições humanas por meio da lei do Amor divino.
Pode haver algum tumulto enquanto aprendemos a demonstrar a nulidade do mal, pela prática da cura pela Ciência Cristã. Mas também há paz, mesmo em meio a trabalho árduo e grande sacrifício. Jesus falou dessa paz: “Deixo-vos a paz...; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize.”
A justiça divina, a justiça que põe o erro a descoberto e traz a cura, está ao nosso alcance. Nossos pedidos de ajuda serão atendidos sempre.
