7:31-37 Ainda em território de gentios, Jesus se retirou das terras de Tiro e ... Sidom, indo de cidade em cidade, através do território de Decápolis. Certo dia lhe trouxeram um surdo e gago e lhe suplicaram que impusesse as mãos sobre ele. Embora sua identidade não seja fornecida, temos razões para acreditar que tanto o homem quanto os que o haviam trazido eram gentios.
Jesus, tirando-o da multidão, à parte, pôs-lhe os dedos nos ouvidos e lhe tocou a língua com saliva. Em seguida, erguendo os olhos ao céu, suspirou e disse: Efatá! ...Abre-te! Procedimento bastante original para alguém que está curando à vista de todos, com apenas uma palavra ou pronunciamento! Talvez Jesus tenha agido assim por ser o homem surdo e porque precisava se comunicar com ele, conseguir toda a sua atenção, fazer com que soubesse o que estava para acontecer. Abriram-se-lhe os ouvidos, e logo se lhe soltou o empecilho da língua, e falava desembaraçadamente. Contrariando a recomendação de Jesus de que a ninguém o dissessem ... tanto mais eles o divulgavam. Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: Tudo ele tem feito esplendidamente bem; não somente faz ouvir os surdos, como falar os mudos.
Falando de forma simbólica, essa cura física dos ouvidos que não ouvem e da boca que não consegue falar é muito encorajadora depois da controvérsia com os fariseus e da "surdez" e falta de compreensão persistentes, mencionadas na décima primeira parte. Jesus está demonstrando que é possível ouvir.
8:1-10 Jesus continuava no território dos gentios e era acompanhado por grandes multidões. Certo dia, chamou Jesus os discípulos e lhes disse: Tenho compaixão desta gente, porque há três dias que permanecem comigo e não têm o que comer. Podemos presumir que essas pessoas tinham ouvido os ensinamentos e a pregação de Jesus e, se fossem mandados para casa em jejum, desfaleceriam pelo caminho, pois alguns haviam vindo de longe. Muito se fez para relegar esse acontecimento à condição de variante do evento anterior em que Jesus alimentou as multidões; isso, contudo, não é mais aceito pelos leitores atentos. Marcos apresenta dois relatos em que Jesus alimenta as multidões. Assim, se estivermos lendo esse Evangelho pela primeira vez, deveremos, ao ler este segundo relato, fazer uma relação dele com o primeiro.
Consideremos, então, a reação dos discípulos: Donde poderá alguém fartá-los de pão neste deserto? É inacreditável ouvir isso. Não haviam eles participado do evento anterior em que, após ter alimentado e satisfeito a fome de cinco mil pessoas, ainda sobrara comida? Claro que sim! Mas Jesus não faz qualquer comentário a esse respeito e, como no acontecimento anterior, pergunta: Quantos pães tendes? Responderam eles: Sete. Ordenando que o povo ... se assentasse no chão, Jesus tomou os sete pães, partiu-os, após ter dado graças, e os deu a seus discípulos, para que estes os distribuíssem, o que eles fizeram. Fez também o mesmo com alguns peixinhos... Todos comeram e se fartaram. Apesar de apresentar algumas pequenas variações nos detalhes, a linguagem utilizada nas duas narrativas é extremamente parecida, inclusive o fato de ter havido muita sobra que, no caso, chegou a sete cestos! E os que foram alimentados eram cerca de quatro mil homens. Sem sombra de dúvida, os dois grupos foram bem alimentados, ficaram satisfeitos e recolheram muita comida que sobrou!
Como havia acontecido anteriormente, não houve nenhuma reação nem da multidão nem dos discípulos. Jesus os despediu, ou seja, fez com que partissem. Desta vez, porém, tomou um barco juntamente com seus discípulos, seguindo em direção às regiões de Dalmanuta.
8:11-13 De repente, Marcos traz os fariseus de volta à cena, adicionando ainda outra dimensão inesperada à história que vai se tornando cada vez menos compreensível para nós, seus leitores. Então os fariseus, ... tentando Jesus, pedem-lhe um sinal do céu. Como querem colocá-lo à prova, procuram um aviso cósmico, da parte de Deus, que lhes fornecesse a confirmação de que o trabalho de Jesus é de Deus, apesar de seus métodos e ensinamentos heterodoxos. A sua preocupação talvez seja sincera, embora sua manifestação nesse momento, após um dos grandes "sinais" apresentados na Bíblia, evidenciasse a estupidez ou astúcia por parte dos opositores.
Consciente da "cegueira" e da "surdez" espirituais dos fariseus e de muitos outros, Jesus ... arrancou do íntimo do seu espírito um gemido e perguntou: Por que pede esta geração um sinal? Em resposta à sua própria pergunta ele diz: Em verdade vos digo que a esta geração não se lhe dará sinal algum.
O que ele queria dizer? O que faria para convencê-los? Então, ele e os discípulos deixaram os fariseus e, tomando o barco novamente, foram para o outro lado. Que alívio deve ter sido deixar aqueles que queriam colocá-lo à prova e partir com seu círculo mais próximo de amigos!
8:14-21 Apesar de outra mudança abrupta, as lições espirituais continuam. Os discípulos haviam se esquecido de levar pães e, no barco, não tinham consigo senão um só. Se pensarmos que alguns poucos pães haviam acabado de alimentar milhares de pessoas (em duas ocasiões diferentes), podemos imaginar que talvez uma questão mais ampla esteja sendo considerada. Em realidade, Jesus os adverte dizendo: Vede, guardai-vos do fermento, da influência sutil, da descrença persistente, da oposição rígida, dos fariseus e ... de Herodes. Esses líderes representavam o religioso e o secular, e estavam decididamente comprometidos com a manutenção e a proteção desses símbolos que davam significado à sua vida religiosa. Seus esforços procuravam imitar o fermento, impregnando, alterando silenciosamente o trabalho dos discípulos. A advertência de Jesus era um alerta para os discípulos.
Mas eles não conseguiram entender a insinuação de Jesus, discorrendo entre si: É que não temos pão. Não querendo que seus pensamentos se fixassem em assuntos terrenos, Jesus passa a lhes fazer uma série de perguntas: Por que discorreis sobre o não terdes pão? Ainda não considerastes, nem compreendestes? Tendes o coração endurecido? Tendo olhos, não vedes? E, tendo ouvidos, não ouvis? Seria difícil não perceber o tom de reprovação por trás dessas palavras, as referências a corações endurecidos e a olhos e ouvidos que não vêem nem ouvem. Jesus continuou: Não vos lembrais ... dos cinco pães para os cinco mil...? E de quando parti os sete pães para os quatro mil. .. ? Não compreendeis ainda?
Enquanto a queixa de Jesus ainda ecoa em nossos ouvidos, percebemos o quanto ele deseja que eles "captem" seu significado. Mas eles não conseguem. Pelo menos não no Evangelho de Marcos. Rejeitado ou não compreendido pelos líderes religiosos, por sua própria família e agora por seus companheiros e amigos mais próximos, esse é o pior momento do Evangelho para Jesus e para os leitores. Ainda assim, Jesus está bem longe de desistir de fazer o bem às pessoas, como percebemos pela próxima cura.
8:22-25 Ainda entre os gentios Jesus entrou em Betsaida; e lhe trouxeram um cego, rogando-lhe que o tocasse. Que curioso o fato de ser trazido a Jesus um caso de cegueira física logo após ele ter identificado a cegueira espiritual entre seus seguidores! O simbolismo é digno de nota, como também o é o relato, que se assemelha ao da cura do homem surdo e gago que vimos acima. Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia, e, aplicando-lhe saliva aos olhos colocou as mãos sobre ele. Desta vez, contudo, ele perguntou: Vês alguma coisa? A resposta do homem nos choca; ficamos esperando um sonoro "Sim." Mas ele consegue ver só um pouco: homens, andando como árvores. Sua visão havia sido restaurada parcialmente. Contudo, sua resposta é exatamente o que fornece o paralelo com a experiência dos discípulos. Jesus não abandona o homem mas coloca novamente ... as mãos sobre seus olhos, e ele passa a ver claramente. Agora a cura é alcançada e o homem passa a distinguir tudo de modo perfeito. Se esse homem personifica o desenvolvimento espiritual dos discípulos, ele é bastante promissor. Com certeza Jesus persistirá com eles da mesma forma, e com certeza eles serão capazes de ver claramente. Jesus então manda o homem para casa.
Muitos estudiosos reconhecem esse momento como um momento decisivo no Evangelho. Conquanto haja menos obras poderosas nos capítulos seguintes, haverá uma ênfase maior no ensino, como se Jesus estivesse se empenhando, mais do que nunca, para ter certeza de que sua mensagem estava sendo compreendida. Ele se concentrará no significado do discipulado e no seu preço. As tensões existentes vão continuar a se intensificar, lembrando-nos que, mais cedo ou mais tarde, a situação vai chegar a um ponto crítico.
