As igrejas evangélicas são um fenômeno mais determinante para as cidades brasileiras do que o tráfico, que domina várias áreas das regiões metropolitanas. Essa é uma das idéias que levam o economista Carlos Lessa, decano da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a ver com otimismo o futuro do país. Ele acredita que as novas igrejas estão impregnando a população mais pobre de uma nova ética, cujos primeiros reflexos são culturais, mas terão repercussões econômicas e políticas. Seguem-se trechos da entrevista com , publicada no jornal "Folha de São Paulo", em 9/12/2000.
Folha: O Senhor afirma que há fatores indutores [de] transformação, entre eles a expansão das igrejas evangélicas. O senhor acredita que a ética protestante vai transformar as cidades?
Carlos Lessa: Essa ética está impregnando não o capitalismo brasileiro ... mas sim as formas de sobrevivência do povo... O Rio [de Janeiro] e os outros centros são formados por migrantes que deixaram seus lugares de referência para morar em lugares sem mercado de trabalho, sem estrutura defensiva, onde se vive a insegurança. Isso cria a necessidade de uma nova família para se abrigar.
O templo é a nova família, mas mais do que isso. A ética do templo coloca limites. Essa ética defende a família de questões como a violência, o tráfico de drogas. A família evangélica protege seus membros pelas normas do grupo.
Folha: Num prazo maior, essa ética não pode impregnar também as relações políticas e econômicas?
Carlos Lessa: É claro que isso acontecerá... O mito fundador mais forte da brasilidade é o do Eldorado, aquele que diz que a prosperidade pode vir por esforço em consórcio com a sorte. É um mito fortemente individualista. Os evangélicos mudam profundamente essa visão por causa da valorização que fazem do esforço grupal, da família.
Folha: O senhor não considera o tráfico como um fator determinante na realidade das grandes cidades brasileiras e do Rio. Por quê?
Carlos Lessa: ... É ilusório pensar que os morros sejam dominados apenas pelo tráfico. Esse domínio é dividido com outras instituições, como os velhos moradores, as igrejas. Eu acredito que os templos são mais determinantes que o tráfico.
