Foi Com Certa preocupação que embarquei no avião, rumo a uma grande cidade da costa leste do país, a muitos quilômetros da região central onde eu morava, numa localidade em que o mais importante era uma universidade. Como poderia minha casa permanecer intacta sem mim, por duas semanas inteiras? Eu pensava que, durante a minha ausência, certamente minha querida família ficaria sem roupa limpa, encheria a casa de lixo, dormiria além da hora e passaria fome. Afinal, o lar não é um lugar sob a responsabilidade de uma pessoa? Tolice, por certo. Mas era justamente essa uma das muitas lições que eu estava prestes a aprender. Enquanto isso, o avião rodava na pista de decolagem e eu levava comigo esse meu conceito limitado de lar.
Meditei sobre o que a Bíblia tem a dizer sobre lar. O modo como os pastores dos tempos bíblicos cuidavam constantemente de suas ovelhas, trazendo-as para o "lar", é usado como imagem para explicar como Deus protege Seus amados filhos — Suas idéias espirituais — sob as asas abertas do Amor divino. O Salmista nos assegura que "o que habita no esconderijo do Altíssimo" Salmos 91:1. descansa à sombra do Onipotente. A cerca de nove mil metros do chão, comecei a perceber que o "esconderijo" está no coração — em nosso pensamento — não em uma casa. Nosso lar verdadeiro, que Deus provê para cada um de nós, é a consciência do Amor divino.
A paz de espírito que senti com essa compreensão sofreu um grande abalo ao ver cenas de pessoas sem teto, nas ruas da cidade que eu estava visitando. Fiquei quase que dominada pela piedade e pela tristeza, à medida que um desfile de desocupados me implorava alguns trocados. Uma mulher idosa cambaleou em minha direção e despejou sua história de amargura. Acho que naquela hora eu teria aberto mão de todas as minhas economias, só para poder eliminar aquele olhar de desespero de seus olhos. Peguei uma nota de cinco dólares de minha bolsa e lha entreguei. Missão cumprida, sem mostrar nenhuma gratidão, seu olhar se cobriu de indiferença.
Nenhuma de nós duas ficou satisfeita. Senti total frustração. Um senso de desesperança pairava no ar. Por quê?
Eu aprendi que levar meus dilemas a Deus e, e em silêncio, escutar Sua resposta, sempre me leva a uma compreensão mais elevada do bem. Por isso, volvi-me a Deus e disse: "Mostra-me o que preciso saber e fazer, meu Deus, meu Pai-Mãe."
A Sra. Eddy disse, certa vez, que os membros de sua Igreja tinham um lar no coração dela. Ver The First church of Christ, Scientist, and Miscellany, P. 170. Como teve de mudar de moradia dezenas de vezes, em sua vida, freqüentemente em situação de desespero, ela mesma foi forçada a encontrar um senso espiritual de lar. Encontrou-o na compreensão de que o homem vive no Espírito, não no corpo. Todos nós, mais cedo ou mais tarde, somos guiados a encontrar essa consciência espiritual. A Sra. Eddy certa vez escreveu: "Todos os mortais, em todos os tipos de circunstâncias, são assim expulsos de suas casas de barro e, como vagabundos sem lar, em uma cidade sitiada, são forçados a buscar a casa do Pai, se quiserem ser guiados para o vale e monte acima".Miscellaneous Writings, P. 326. Obviamente, o "monte", para os infelizes que eu estava vendo na cidade, não seria encontrado numa pequena quantia em dinheiro.
Ciência e Saúde declara: "Peregrino na terra, teu lar é o céu; forasteiro, tu és o hóspede de Deus." Ciência e Saúde, P. 254. Adiante, descreve o céu como sendo a harmonia e a espiritualidade. Ver ibidem, P. 587. Eu raciocinei que, se o conceito verdadeiro de lar deve estar baseado na compreensão do ser espiritual e harmonioso de cada um, então qualquer doação material que eu desse — qualquer que fosse o montante — seria necessariamente destituído da realização espiritual. E mais, sendo material, representaria uma quantidade limitada.
Portanto, o que poderia eu oferecer a esses corações famintos? Qual seria a doação que teria efeito perene? Qual seria a dádiva que poderia dar um vislumbre do verdadeiro lar?
Ao subir lentamente a escadaria do hotel, fui abordada por um pai com dois filhinhos. Disse-lhe que não dispunha de dinheiro, mas falamos rapidamente, trocando pequenos comentários e sorrisos. Separamo-nos enriquecidos. Então, percebi o que de melhor eu poderia dar. Poderia transmitir um senso de valor.
Durante a maior parte de minha vida, eu havia lutado com a sensação de que eu não tinha valor. Não me sentindo amada e, por isso, achando que não tinha a capacidade de despertar amor, nunca me vi muito merecedora do bem. Um dia, com maior compreensão de Deus como Espírito, e de mim mesma como Sua amada filha, Sua semelhança, dei-me conta de que eu sempre tivera um valor inato e sempre tivera o direito de reivindicar esse valor. De repente, fiquei livre da opressão atroz resultante de pensamentos limitados sobre mim mesma. A autodepreciação foi substituída pela percepção de que meu valor está estabelecido pelo meu Criador.
A perfeição humana é um ideal ilusório, mas a perfeição espiritual é uma realidade assegurada! Lambro-me do alívio que senti naquela ocasião. A autocondenação fora banida. Eu havia sido despertada e purificada por inspiração divina.
Com certeza, aquelas pessoas que eu acabava de ver, na cidade que ora estava visitando, tinham, também, potencial para perceber seu valor e para reivindicar o domínio sobre a crença de estarem, por alguma razão, separadas do bem, presas a circunstâncias adversas. Com isso, o senso de autovalorização e de propósito acabariam por definir seu sentido de lar.
Na manhã seguinte, eu me vi caminhando pela cidade totalmente "preparada pela oração", como diria uma amiga minha! Não com meras esmolas, não, mas com dádivas do coração! Minha permanência na cidade tornou-se um banquete de valorização. Cada esquina proporcionava-me novas faces para cumprimentar com amor fraternal. Nenhuma estranheza. Nenhuma humilhação. Nenhuma piedade. Mas uma abundância de pensamentos amorosos e amáveis trocas de cumprimentos, transbordantes de um senso de afinidade e satisfação de ambas as partes. Vi olhares de gratidão. Faces cansadas se reanimaram com a luz do Amor.
No último dia naquela cidade, vi a mesma mulher idosa que eu havia encontrado logo na chegada. Cumprimentei-a de forma especialmente calorosa. Um pálido sorriso esboçou-se lentamente nos cantos de sua boca, até que a face toda se iluminou com gratidão. Em troca, ela, gentilmente, me ofereceu um "bom dia".