Val Kilmer fala sobre as lições que aprendeu no palco e fora dele.
Uma das primeiras lições que aprendemos quando estudamos arte dramática é a de dominar os sentidos. O da audição, por exemplo. Para podermos ouvir de verdade, são necessários esforço e concentração, bem como a atenção voltada exclusivamente para um ponto. Se alguém quer interpretar bem, precisa receber a informação isenta de julgamentos pessoais, a fim de reagir de maneira espontânea e honesta. Se estamos ouvindo, de fato, o ouvido fica ligado para receber e o monólogo interior, o diálogo que temos com nós mesmos, fica desligado. Descobri desde o início que podemos aplicar essa observação à oração, ou seja, para ouvirmos Deus espiritualmente. Ficamos ligados para ouvir a voz de Deus quando desligamos nossa voz interior. Para ouvir é necessário ter humildade, compromisso e concentração. Para orar também.
A humildade se origina no reconhecimento de que Deus é maior do que qualquer um de nós. Ele é o único Criador do universo. Quando oramos, nosso objetivo não deve ser o de dar a Deus todo tipo de informação, dizendo a Ele o que queremos ou precisamos. Deve ser exatamente o contrário. Quando ouvimos os pensamentos que Deus nos manda, devemos ter a disposição de aceitá-los, pois eles manifestam o amor que cura. A harmonia está presente, não importando o que os sentidos materiais pareçam nos dizer.
Esses mesmos sentidos pretendem abranger tudo o que a vida é, ou seja, pretendem ver, ouvir, saborear, cheirar e sentir a realidade. Mas como são materiais, não podem, em realidade, fazer isso. Eles só podem sugerir que o que eles estão informando, é real e verdadeiro.
A interpretação, quando feita sem convencer a imaginação, é normalmente uma imitação de comportamento, sem uma verdadeira conexão ou emoção. É uma fraude. Por exemplo, imagine que, neste exato momento, eu estou tomando uma limonada bem gelada, azedinha e bem refrescante. Sinta o copo gelado, ouça o barulho das pedras de gelo no copo e tente imaginar meus olhos semi-abertos enquanto eu saboreio a limonada bem devagarzinho. Antes que você perceba, já está literalmente com água na boca. Contudo, a verdade é que eu não estou tomando limonada. Eu não estou bebendo nada. Sua imaginação não estava lhe transmitindo a verdade, apenas a verdade que lhe fora sugerida.
Ouvir a Deus espiritualmente silencia os sentidos físicos e, portanto, não nos deixa ser iludidos por eles. Através da oração, a união que existe verdadeiramente entre Deus e cada um de nós é estabelecida em nossa consciência, fazendo com que o divino governe o humano. Somos governados pela harmonia e pelo amor de Deus, que tem um efeito sanador e restaurador em nossa vida. Somos abençoados.
Essa é a ação do Cristo, que abençoa. A autora de Ciência e Saúde, Mary Baker Eddy, nos oferece inúmeras explicações belas e sucintas sobre o Cristo, como esta: “Cristo é a idéia verdadeira que proclama o bem, a mensagem divina de Deus aos homens, a qual fala à consciência humana” (p. 332). A oração consiste em ouvir essa mensagem do Cristo, que comunica a verdade de que há um só Deus, que é todo bom e que é Espírito infinito, e que aquilo que constitui a criação do Espírito, que inclui eu e você, é espiritual e bom. Obviamente essa realidade espiritual é bem diferente da realidade sugerida pelos sentidos físicos. A oração nos põe em contato com a verdade, com a verdade espiritual, e revela nosso relacionamento profundo com Deus.
Ficamos ligados para ouvir a voz de Deus quando desligamos nossa voz interior.
Quando estava na faculdade de arte dramática, tive a oportunidade de pôr em prática, de forma metafísica, as técnicas para ouvir, que eu estava aprendendo. Eu e meu pai, que morava em outro estado, estávamos passando por um período difícil no nosso relacionamento e discutíamos muito durante nossas conversas telefônicas. Certa manhã, enquanto arrumava minhas malas para viajar para casa durante alguns dias em que não teria aula, fiquei imaginando as conversas desagradáveis que teríamos. Em pouco tempo, eu havia criado em meu pensamento a idéia de que tinha pela frente uma viagem horrível, comecei a me lamentar e a me preparar para mais momentos desagradáveis. De repente, veio-me o pensamento de que eu deveria ouvir, ouvir de verdade. Percebi que eu estava reagindo de forma positiva às lembranças negativas que estava “ouvindo”. “Eu não vou discutir com meu pai”, disse em voz alta. “Deus, Você é meu Pai; eu estou escutando. Diga-me o que fazer, que eu faço.”
Meu Pai celestial fez exatamente isso. O que veio ao meu pensamento foram várias lições sobre a técnica de ouvir, que eu recentemente colocara em prática nas aulas de representação. Compreendi então que eu não estivera realmente ouvindo meu pai. Eu estivera somente ouvindo meu ponto de vista, baseado em minhas próprias justificativas.
Insistentemente, começaram a vir ao meu pensamento as perguntas: “O que é que meu pai não ouve quando eu falo?” “O que é que ele quer ouvir de mim?” Recusei-me a ouvir qualquer outra voz que não fosse a de Deus. Orei com veemência para ouvir as: respostas que Ele me dava. Eu parecia Jacó lutando com o anjo, não querendo deixar o anjo ir embora até que me abençoasse (ver Gênesis 32:24-30).
Mantive esses pensamentos, que eram uma oração, durante as mais de dez horas de viagem, do meu apartamento em Nova lorque até a casa de meu pai na Califórnia. Às vezes as “conversas” com meu pai pareciam muito reais. A tentação de reconhecer ao menos uma característica negativa nele parecia forte. Contudo, a inspiração resultante da mensagem divina que provinha de Deus continuava rejeitando esses pensamentos negativos.
Aí veio a revelação! E foi esta: Meu pai não sabia que eu o amava. Deus então me encarregou de uma tarefa. Ele mostrou-me como ouvir meu pai espiritualmente, como amá-lo e respeitá-lo, não pelo que ele estava dizendo, mas por quem ele era, ou seja, o filho de Deus. A natureza verdadeira de meu pai reflete a natureza de Deus, nosso Pai divino. Essa é a verdade. Como é que eu poderia não querer ouvir o que o reflexo de Deus tem a dizer?
Logo após minha chegada, ouvi com grande interesse à maneira única que meu pai tinha de falar; fiquei atento ao ritmo de sua fala, totalmente fascinado. Eu estava muito satisfeito em simplesmente ouvir. Fiz diversas perguntas e eu o amei mais do que as respostas que recebia dele, satisfeito por estar cuidando dos negócios de meu Pai, ou seja, expressar o amor incondicional. Meu pai comentou sobre nosso reencontro e, antes de terminar o dia, disse-me que essa fora a maior alegria que já tivera comigo. A cura havia se realizado.
Ao ouvir meu Pai celestial, escutei Sua mensagem de amor e fui abençoado, tomando-me Seu anjo mensageiro. Na Bíblia lemos: “Porque o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai, ao filho a quem quer bem” (Provérbios. 3:12). Ouvir, com o único objetivo de aprender e amar, é a mais rica atividade que podemos ter.
