Trocar o Volkswagen e o colchão confortável num subúrbio dos Estados Unidos por uma bicicleta e uma cama de bambu numa região rural da África Ocidental não foi uma transição fácil para . Mas, alguns meses antes de se formar na faculdade em maio de 2002, ele começou a pensar no que gostaria de fazer em seguida. Estava pronto para uma aventura: trabalhar para uma organização internacional. Então, confiante de que tudo daria certo, decidiu se inscrever na organização Voluntários da Paz (Peace Corps).
"Estou aqui para ajudar Gâmbia a se desenvolver, mas quem realmente está se desenvolvendo sou eu." — Justin
Não foi um passo fácil para Justin, ou para seus pais, que sabiam que ele poderia ser enviado a uma área remota, onde a comunicação entre eles seria difícil — sem falar na preocupação pela sua segurança.
"Paul e eu realmente queríamos ter certeza de que ele tinha pensado bastante antes de tomar uma decisão", lembra Maike, sua mãe. Eles notaram que Justin estivera lendo a Bíblia e Ciência e Saúde regularmente, livros que estuda com freqüência para obter orientação em sua vida. Isso lhes assegurou de que ele não estava tentando tomar uma decisão desse porte sozinho. "Ele nos disse que sentia que isso era o que Deus queria que ele fizesse", conta Maike. "Embora Justin estivesse cheio de temores quando chegou a hora de partir", acrescenta Paul, o pai, "sentimos naquela hora que ele estava se preparando para viver de acordo com sua fé."
"Eu estava muito nervoso", confirma Justin. Mas, apesar da incerteza, ele se sentiu impelido a seguir o coração e o amor pelo próximo, mesmo que isso significasse viver num lugar desconhecido a milhares de milhas de sua casa.
Então, em setembro do ano passado, encheu uma velha mochila de lona que o pai usava no exército, e se despediu de todos. Deixou a casa confortável dos pais em Sudbury, no estado de Massachusetts, para começar seu voluntariado em Gâmbia, um país pequeno na costa ocidental da África, onde a maioria dos habitantes segue o islamismo.
Como Voluntário da Paz no vilarejo de Daru, a vida de Justin agora é um pouco diferente do que era antes.
O lar, que também serve de residência a diversos lagartos, é um casebre de barro, de um aposento, com telhado de grama, por onde, muitas vezes, entra água. Além da cama de bambu, a única mobília é uma estante e uma mesa, fornecidos por um morador de Daru, quando Justin pediu a ele que os contruísse. Não há eletricidade nem água corrente. À noite, Justin cai no sono com um bom livro, à luz trêmula de uma lamparina. Coca-Colas geladas e chuveiros já eram. O que existe agora é leite azedo morno, cheio de caroços, e banhos de balde no quintal, com água que ele mesmo apanha no poço.
"Não há como se preparar para isso", Justin diz a respeito da nova vida. "Você vem com diversas expectativas mas, quando chega, é outro mundo. Os primeiros dois meses foram uma verdadeira luta", ele confessa. "Pensei em desistir. Há tantos desafios no meu dia-a-dia — meu trabalho, frustrações culturais, solidão. E não há mágica que resolva tudo. Mas, o fato de o amor de Deus ser constante é importante para mim. Deus é Amor. E meu propósito é demonstrar esse amor para meus irmãos africanos. É a minha razão de seguir adiante, aconteça o que acontecer."
Para Justin, as qualidades de amor e humildade estão vinculadas e são inseparáveis. "Creio que a capacidade de ser humilde permite que você ame", continua Justin. "Isso significa abrir mão da vontade própria, de pensar: 'eu preciso fazer tal coisa', ou: 'estas situações precisam estar acontecendo na minha vida'. Você só tem de escutar a Deus e dizer: 'Deus, estou aqui para Você. Estou aqui para cumprir o Seu plano'."
O desejo que Justin tem de fazer algo de bom para o mundo, traduz-se, na prática, em ensinar diariamente aos moradores de Daru maneiras diferentes de cultivar e utilizar a terra. Os Voluntários da Paz o incumbiram dessa tarefa. Ele passa a maior parte do dia ajudando a plantar e a manter um pomar comunitário que fornece produtos para as mulheres do vilarejo vender, tais como manga e caju. Assim, recebem uma renda já que, como conta Justin, "são elas que ganham o pão". "Todo o trabalho delas vem de produtos naturais", explica Justin, que também criou uma biblioteca escolar para o vilarejo.
Todas as manhãs Jamma, sua mãe africana, prepara uma refeição: milhete, acompanhado por um molho de amendoim e peixe, refeição essa que se repete no jantar. O almoço varia um pouco, substituindo o milhete por arroz. As refeições são feitas fora de casa, no centro da sede familiar, um círculo de cinco ou seis casebres que inclui o de Justin. Todos comem com a mão, cada um tirando do seu lado de uma única tigela. Os homens mais velhos comem primeiro. E, de acordo com Justin, os passantes são convidados para participar da refeição.
Entre abril e maio, a temperatura durante o dia pode atingir 49 graus, por isso as pessoas trabalham até às 10h, depois retomam às 16h ou 17h e trabalham até o pôr-do-sol. Nas horas de folga, Justin gosta de ler, escrever cartas, tocar violão e conversar em ulof, o idioma local.
O resultado de conviver e trabalhar lado-a-lado com sua família africana, foi a descoberta, talvez surpreendente para Justin, de que ele é o maior beneficiado nessa experiência. "O que se aprende da cultura e do povo é duas vezes maior do que qualquer contribuição que se possa fazer", Justin escreveu num e-mail recente que enviou da capital, Banjul. "A vida em Daru me ensinou a ser grato pelas mínimas coisas. Percebi que não é preciso muita coisa para viver e ser feliz...luxo não é essencial. Os gambianos realmente aproveitam a vida. Sabem ser felizes com o que têm e com o que fazem."
No entanto, para um rapaz que está acostumado com o conforto e a cultura ocidentais, não é preciso dizer que seu serviço em Daru é um desafio enorme, tanto físico quanto mental. É por isso que, estabelecer um tempo para reflexão pessoal e, mais importante, fortalecimento espiritual, é uma prioridade para Justin. Todos os dias ele encontra um lugar quieto para estudar a Lição Bíblica semanal da Christian Science e cantar canções inspirativas que ele lembra do Hinário da Ciência Cristã e da coleção de CDs que deixou em casa. "Elas têm me trazido conforto e força", ele diz. "É uma maneira de eu me conectar a Deus e considero essa a parte mais importante do meu dia".
"Provavelmente a coisa mais útil que alguém me recomendou foi: 'escute o que as pessoas dizem'." — Justin
Embora Justin descreva os gambianos como "as pessoas mais acolhedoras e mais amigas que jamais conheci", manter o contato com a própria família ou "os de casa", como dizem os gambianos, também é muito importante para ele, especialmente porque o Voluntário da Paz mais próximo vive a 12 quilômetros de distância. As viagens ocasionais a Banjul, onde ele tem acesso à Internet, são sua janela para o mundo. Outro incentivo para a jornada de 325 quilômetros até a capital, é talvez encontrar uma Coca-Cola gelada ou verduras, frutas e cames que não existem em seu vilarejo.
Depois de viver um ritmo muito diferente por um ano, ele tem palavras sábias para aqueles que se sentem estressados pela vida agitada: "É fácil se sentir arrebatado pela agitação do dia-a-dia. Mas, o que mais necessito é amor, e a mesma coisa se aplica a todos. Isso me consola."
Justin diz que talvez deixe Daru este mês. Ele está levando a vida um dia de cada vez. Mas, qualquer que seja sua decisão, sua experiência terá sido muito valiosa. "Ela definitivamente mudou minha maneira de encarar minha família e a vida", ele comenta. "Estar em Daru sozinho, durante tanto tempo, e ter de estabelecer um lar aqui, me fez ser muito grato por minha família. Quando você vive nos Estados Unidos, nem tem noção de quantos benefícios tem. Mas, onde quer que estejamos, precisamos todos encontrar um caminho na vida, tanto aquele que cresce num casebre de barro quanto o do subúrbio americano".
Uma citação legal de O Tao do Pooh, que Justin compartilha por crer que tem uma linda mensagem.
"Por que você não está fazendo nada, Pooh?"
perguntei.
"Porque o dia está lindo", respondeu.
"Sim, mas..."
"Para que estragá-lo?" perguntou.
"Você poderia estar fazendo Algo Importante..."
"Mas estou", disse Pooh.
"Fazendo o quê?"
"Escutando", respondeu.
"Escutando o quê?" quis saber.
"Os passarinhos. Aquele esquilo ali."
"E o que estão dizendo? perguntei.
"Que está um dia lindo", respondeu Pooh.
"Mas você já sabia disso!" comentei.
"Certo, mas é gostoso ouvir outros dizerem que também acham", respondeu.
Este excerto de O Tao do Pooh, de Benjamin Hoff, foi reimpresso recentemente num boletim de notícias que o Peace Corps enviou a todos os voluntários trabalhando no setor ambiental. No Brasil, O Tao do Pooh é publicado pela editora Triom.
GÂMBIA
População: 1.501.050
Geografia: o menor país da África
Religião: Islamismo 90%, Cristianismo 9%, crenças indígenas 1%
Clima: tropical
Idioma: inglês (oficial), mandinga, ulof, fulani, outros idiomas indígenas
Governo: republicano, sob um sistema democrático multipartidário
Moeda: dalasi
História: Gâmbia se tornou independente do Reino Unido em 1965
Exportações: amendoim, peixe, fibra fina de algodão, semente de palmeira
Fonte: The CIA World Factbook 2003
Diferenças culturais Você sabia...?
Em Gâmbia, costuma-se cumprimentar uma pessoa, fazendo uma série de perguntas, por exemplo: Como vai você? Como vai a família? Como vai o trabalho? Como vai a saúde? Como vai sua mãe? Como vai sua irmã? Como vai sua filha? Como vão os de casa (a família na qual você cresceu)? Um simples cumprimento pode levar um tempão!