Provavelmente, todos nós já tivemos a oportunidade de perdoar alguém que, de alguma maneira, tenha nos tratado mal. Em um caso desses, os adolescentes de nossa comunidade haviam decidido que o espaço entre a calçada e a rua ao lado do quintal da nossa casa, localizada em uma esquina, seria o depósito ideal para garrafas de vidro e outras coisas. Nós estávamos sempre limpando o que eles deixavam para trás.
Em um dia de primavera, nosso filhinho estava descalço e saiu correndo pela calçada naquela área, antes que pudéssemos pará-lo. Cortou-se profundamente na planta do pé ao pisar em um caco de vidro de uma daquelas garrafas quebradas. Com calma, cuidei do ferimento e consolei meu pequeno.
Quando me pus a orar sobre esse problema, compreendi que o que realmente precisava de cura era minha atitude com relação àqueles adolescentes. Rótulos, tais como, irresponsáveis, imprudentes, descuidados, egoístas, estavam se acumulando em meu pensamento a respeito desses jovens. Naturalmente, aqueles pensamentos não me ajudariam em nada, se eu quisesse seguir o claro mandamento de Cristo Jesus de amar o próximo como a mim mesma.
Cristo Jesus enfatizou a importância do perdão, quando respondeu a um dos discípulos que não deveria perdoar apenas sete vezes, mas sim setenta vezes sete.
Portanto, perguntei-me: O que realmente define a individualidade de alguém? A resposta que me veio foi a Alma, que é outro nome para Deus. A Alma é a fonte e o artista de toda individualidade, no universo. Nessa obra de arte, a Alma combinou todas as belas qualidades divinas para tornar cada um de nós um indivíduo único para a glorificação de Deus. Essa é uma individualidade sagrada, não uma personalidade que possa fazer algo fora do reino planejado pela Alma. O Apóstolo Paulo nos convida a deixar de vermos uns aos outros como mortais carnais, quando diz: “...daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne” (2 Coríntios 5:16).
Em minha oração, comecei a eliminar os rótulos carnais e a realmente contemplar a natureza verdadeira daqueles jovens, uma natureza definida pela Alma, desprendida de um ego, sábia, amorosa, responsável e amável. Passei algum tempo realmente me regozijando com a individualidade daqueles queridos adolescentes. Mantive em mente sua verdadeira natureza como filhos de Deus, em realidade incapazes de fazer algo errado, até que cheguei a um doce senso de paz e amor com relação a eles.
O dia seguinte era dia de igreja e, depois da Escola Dominical, nosso filhinho quis correr descalço no quintal. Era outro dia lindo e ensolarado de primavera. Portanto, achei que ele podia correr pelo quintal calçando meias. Quando tirei o sapato e a meia, o esparadrapo simplesmente saiu junto, e eu olhei para a planta do pezinho. O corte profundo, que estivera ali menos de 24 horas antes, desaparecera totalmente. Não havia nenhum sinal dele. A pele estava lisa, como se nada tivesse acontecido. Eu fiquei realmente admirada com o poder de cura do perdão! Havia vislumbrado a realidade espiritual que define cada um de nós como perfeito, são, inocente e livre. Além disso, nunca mais os adolescentes jogaram garrafas vazias em nosso quintal.
A cura veio quando cedi à atividade do Cristo, o amor de Deus, que restaurou em meu pensamento a unidade eterna designada pela Alma para toda a sua criação. A cura da carne foi um resultado natural. Como em uma tapeçaria, a Alma uniu pelo entrelaçamento o glorioso universo espiritual, delineando com graça e beleza cada individualidade em um todo harmonioso e infinito. Podemos deixar de reconhecer, então, que o verdadeiro perdão da nossa parte inclui o reconhecimento da individualidade boa e sagrada do homem, divinamente concedida, apesar da evidência material em contrário? Não se trata de desculpar os malfeitos, mas de nos atermos à verdadeira natureza de cada um de nós e afirmar, em espírito de oração, a impotência do mal.
Conhecemos bem as palavras de perdão que Cristo Jesus proferiu com relação àqueles que o crucificaram. Ele disse: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Não é interessante que Jesus tenha dito: “Pai, perdoa-lhes?” Ele não disse: “Eu os perdoo”. Na profundidade dessa experiência ele estava se voltando para o Pai, Deus, apelando ao sempre disponível perdão de Deus. Jesus disse: “Nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou” (João 8:28). Portanto, o perdão tem como fonte a natureza divina e a reflete, não é uma habilidade pessoal.
A natureza divina de cada um de nós foi originalmente concedida a cada filho de Deus, da Alma. Essa concessão divina está claramente demonstrada no primeiro capítulo do Gênesis, quando Deus viu tudo o que Ele havia feito e era muito bom (versículo 31). Examinando a palavra hebraica para bom, conforme usada no Antigo Testamento, constatamos que seu significado inclui: belo, abundante, amável, alegre, bondoso e amoroso. Portanto, podemos raciocinar que perdoar é ceder à Alma, ver que o Pai-Mãe de todos sempre concedeu a cada um sua natureza verdadeira, sagrada, que não pode sequer contemplar o mal.
A declaração de Jesus revela esse senso mais elevado de perdão, pois ele estava contemplando o homem perfeito ali mesmo, ainda na cruz. Mary Baker Eddy escreve: “Jesus reconhecia na Ciência o homem perfeito, que lhe era visível ali mesmo onde os mortais veem o homem mortal e pecador. Nesse homem perfeito o Salvador via a própria semelhança de Deus, e esse modo correto de ver o homem curava os doentes” (Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, pp. 476–477). Esse homem perfeito, com uma natureza concedida por Deus, não pode ser maligno, vingativo ou odioso. O homem real só pode conhecer o bem, ser bom e fazer o bem.
Em um mundo que pode parecer cheio de injustiça, violência, guerra, retórica, política mordaz, desrespeito e assédio moral, há uma abundância de oportunidades para o perdão. Não que esses males devam ser considerados reais e poderosos, ou que devam ser tolerados, mas a verdadeira natureza de todos os homens deve ser compreendida, abrindo assim o caminho para que ela se manifeste.
Cristo Jesus enfatizou a importância do perdão, quando respondeu a um dos discípulos que não deveria perdoar apenas sete vezes, mas sim setenta vezes sete. A isso Jesus acrescentou uma parábola sobre o reino dos céus; a parábola conclui que devemos perdoar, de todo o nosso coração, os delitos, as ofensas ou as faltas dos outros (ver Mateus 18:21–35).
Quando Jesus perdoou a mulher acusada de adultério (ver João 8:1–11), ele claramente viu sua natureza divina, impecável, concedida por Deus. Então, lhe disse: “Vai e não peques mais”. Ele a estava orientando a também amar sua própria natureza divinamente concedida, sendo que o perdão incluía a expectativa de que ela cessasse de pecar, destruindo assim o pecado.
Realmente nunca podemos deixar de perdoar, quando compreendemos que não se trata de um senso pessoal de perdão, mas é o Cristo impelindo nosso pensamento a ceder humildemente, a reconhecer o que Deus concedeu antes a cada um de Seus filhos: uma natureza divina, amorosa e boa. Paulo escreveu: “Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento” (2 Coríntios 2:14). O perdão trouxe como fruto a cura de um menininho descalço, inocente, a cura de toda uma vizinhança e pode dar frutos em prol de uma nação, do mundo, até mesmo “em todo lugar”. Porventura não é assim que progredimos juntos, rumo à unidade e à paz?
Publicado anteriormente como um original para a Internet em 30 de maio de 2017.
Tradução do original em inglês publicado na edição de 10 de abril de 2017 do Christian Science Sentinel.
