Às vezes é indispensável, neste mundo tão necessitado, ver as coisas sob nova luz. Novas Perspectivas é uma seção apropriada para aqueles que querem dar um enfoque especial a assuntos de interesse comum.
Até o momento, publicamos, nesta seção, artigos e testemunhos de cura, onde constavam exemplos de indivíduos que superaram o vício da droga e sua repercussão nas famílias. Esta reunião de trabalho se propõe a examinar as implicações mais amplas do consumo de entorpecentes, ou seja, o desafio de condenar traficantes, a enormidade das redes de tráfico, a expansão gritante dos cartéis dirigidos por "reis" que se apóiam em exércitos particulares — e uma arma praticamente ignorada na guerra contra as drogas: a oração.
“O JULGAMENTO ILUSTRA A AUTODESTRUIÇÃO DO MAL”
Há poucos meses, conduzi um julgamento de um longo caso de tráfico de narcóticos. Como juiz, eu havia participado de vários julgamentos envolvendo o tráfico de entorpecentes, mas a evidência nesse caso era particularmente terrível. Tratava-se de tráfico realizado em apenas um quarteirão, mas a quantidade de heroína e cocaína (“crack”, para ser específico), que se vendia naquela única rua era aterradora, em especial se considerarmos que essa mesma cena se repetia inúmeras vezes em outros bairros de nossa enorme cidade.
A polícia federal havia conduzido uma investigação completa. Todos os envolvidos estavam presos e sendo processados, tanto os pequenos traficantes que vendiam a droga na rua, como os chefes da quadrilha.
Uma prova de acusação que havia sido apresentada era uma fita com a gravação do aliciamento feito abertamente na rua. Devo acrescentar que a heroína é vendida com nomes comerciais específicos, tais como: “Pesadelo” e “Força Total”. O “crack” é identificado pela cor da tampinha das ampolas, “Tampa Dourada” ou “Tampa azul”. A fita foi ouvida no tribunal e nela podiam se ouvir vozes que anunciavam em altos brados: “Força Total, aqui. Pegue sua Força Total.” “Olha o Pesadelo. Aqui está seu Pesadelo.” “Tampa Dourada. Tampa azul.”
A meu ver, aquilo que aconteceu no tribunal à medida que transcorria o julgamento e que acabou se transformando na prova principal contra os acusados, ilustra, de certa forma, o poder de Deus e a autodestruição do mal. Esse julgamento tinha como réus os chefes da quadrilha. Também envolvido no caso estava um jovem que trabalhara para a quadrilha como um dos vendedores de rua. Ele havia sido preso e decidiu colaborar com a promotoria, testemunhando contra seus antigos chefões, que eram os réus. Ele estava preso à espera do julgamento, para testemunhar. Os acusados enviaram seu advogado à prisão onde se encontrava o jovem, para ameaçá-lo de que, caso ele testemunhasse contra os chefes da quadrilha, sua mãe e seu irmão menor, de poucos meses de idade, estariam correndo risco de vida. O advogado conseguiu que o rapaz assinasse um depoimento falso, em que declarava que nada sabia a respeito de tráfico de drogas por parte dos acusados.
No final, aquilo que os réus pensavam usar na própria defesa, foi justamente a prova que tornou inevitável a condenação. O jovem que haviam ameaçado demonstrou grande coragem. Ele não apenas testemunhou, relatando todas as transações dos traficantes, mas também delatou a manobra que haviam usado para tentar impedir seu testemunho. O resultado foi devastador. Um dos advogados de defesa passou horas tentando fazer com que ele entrasse em contradição. Obviamente achava que o jovem era de pouca cultura e poderia ser manipulado com facilidade. No entanto, o rapaz foi absolutamente imbatível. Ele jamais entrou em contradição e praticamente arrasou seu inquiridor.
O chefe da quadrilha foi condenado a vinte e cinco anos de prisão e os demais receberam penas um pouco mais curtas, mas também severas.
O PODER DE DEUS E A AUTODESTRUIÇÃO DO MAL: SERÁ QUE SÃO QUESTÕES IMPORTANTES HOJE, PARA ENFRETAR O PROBLEMA DA DROGA?
Muitas pessoas admitem que o problema das drogas é de tamanha monta e dificuldade que ninguém tem uma idéia clara de como enfrentá-lo. Ouve-se repetidamente que, para cada traficante preso há dez que o substituem.
Outro aspecto do problema é o que ocorre em países onde os produtores de cocaína parecem constituir governos paralelos, equipados com seu próprio exército e grande poder econômico. Para muitas pessoas o problema dos entorpecentes é simplesmente incontrolável. Surgem, então, as perguntas: Conseguiremos vencer as drogas? Ou serão elas que nos vencerão?
Ao procurar respostas para essas perguntas, nada melhor do que examinar o que Cristo Jesus ensinou. Ele não tinha nenhuma dúvida quanto ao poder absoluto de Deus sobre os problemas humanos, aqui e agora. Ele iniciou sua pregação entre os homens dizendo: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.” E ao final de sua missão disse: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na tera.” Jesus deixou claro que não se referia a uma autoridade pessoal, mas à autoridade do Cristo, a expressão de Deus que ele encarnava e demonstrava.
Ao pensarmos no “reino dos céus”, é bom lembrar que a palavra reino é tão importante quanto a palavra céus. Jesus sabia muito bem o que é um reino. A Judéia, onde Jesus vivia, estava havia anos sob o férreo domínio do império romano. Jesus, portanto, tinha uma consciência muito clara do poder, da autoridade e do peso de um reinado humano daquela época. Ao afirmar que está próximo o reino dos céus, quis dizer que Deus não é um fraco interventor ocasional nos assuntos humanos, mas é o único poder que realmente tem atuação. E o que é mais admirável, ele afirmou que “o reino de Deus está dentro em vós.”
Se verdade que o reino de Deus está dentro de cada um de nós, por que, então, há pessoas que vendem e consomem drogas? Para responder a essa pergunta, examinemos um pouco do que Jesus disse sobre o mal. São trechos que possivelmente tentamos ignorar, mas seus ensinamentos sobre o mal nos fortalecem e confortam. Acabam com o conceito de que o mal pode imperar de forma desenfreada fazendo de nós as vítimas. Ao referirse à sua época, Jesus afirmou ser aquela “uma geração má.” Também disse: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.” E ainda: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra .... Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu vo-lo afirmo, antes, divisão.”
Esse é o mesmo Jesus que disse a seus discípulos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou.” Ele também disse que não é da vontade de seu Pai que pereça um só de Seus pequeninos. Devemos crer, então, que Jesus amava e odiava quase ao mesmo tempo? De forma alguma. Ele estava apenas afirmando que o poder de Deus é absolutamente eficaz para tratar de todas as fases da condição e do caráter humanos. Jesus não era um sentimental. Ele sabia que o efeito do Amor divino sobre o mal é a destruição do mal.
Tem a perspectiva bíblica algo a ver com o que se passa nas ruas, nos pontos de consumo de “crack”, nas plantações de coca e nos locais de refino onde a coca é processada? É bem provável que surjam dúvidas como estas: “Talvez, em algum lugar, exista o reino de Deus. Talvez, em algum lugar, a espada de Espírito esteja vencendo alguma forma menos agressiva do mal. O problema dos narcóticos, porém, é ruim demais, é praticamente intratável, e além do mais, está bem aqui, mas Deus, sabe-se lá onde está.”
No romance épico de Tolstoi, Guerra e Paz, o enredo gira, em essência, em torno da invasão da Rússia por Napoleão. No início do século dezenove, praticamente toda a Europa considerava Napoleão como a própria encarnação do mal. Cinqüenta anos mais tarde, Tolstoi escreveu que era muito claro para todos que a causa da destruição do exército de Napoleão, em 1812, fora a invasão da Rússia. Ninguém, no entanto, podia prevê-lo na época, muito menos Napoleão. Ali estava o melhor exército do mundo, comandado pelo melhor general, avançando contra o inexperiente exército da Rússia que tinha metade do poderio militar do exército francês. Napoleão concentrou todos os seus esforços e toda sua vontade na conquista de Moscou, apesar da aproximação do inverno, e era sabido que os invernos russos são inclementes. Napoleão, dessa maneira, acabou fazendo exatamente aquilo que viria a provocar sua queda. Sob o ponto de vista de Tolstoi, o mal faz exatamente aquilo que causa sua própria destruição. No entanto, a concepção normal, humana, das coisas, geralmente não tem noção disso até que tudo tenha acabado.
A autodestruição do mal, sob a lei de Deus, é o ponto fundamental no problema dos entorpecentes. A análise meramente material dos fatos não nos revela isso, mas tal análise simplesmente não nos fornece a perspectiva completa.
Os cartéis do narco-tráfico não estão fora do controle de Deus, mesmo pensando que são invencíveis. Sob a lei suprema de Deus se tornará cada vez mais evidente que eles estão fazendo exatamente aquilo que provocará sua destruição. A história humana está cheia de casos semelhantes. Em seu livro The Age of Faith, o historiador Will Durant comenta sobre o monstruoso e aparentemente invencível império que Átila, o rei dos hunos, construiu no quinto século depois de Cristo. Durant diz, no entanto, que pouco tempo depois esse império “havia se desfeito em pedaços e desaparecido.” The Age of Faith (Nova Iorque: Simon and Schuster, 1950) p.41.
O REALISMO QUE CORRÓI A DEMANDA DE DROGAS: “HOJE EM DIA ESTOU APRENDENDO A PRATICAR ATOS VERDADEIRAMENTE REVOLUCIONÁRIOS.”
Quando eu era mais jovem e usava drogas, meus amigos e eu pensávamos que esta era uma alternativa. Nós havíamos enfrentado a crise do Vietnam e o caso Watergate nos Estados Unidos; havíamos tido contado com o mundo dos negócios onde nos deparamos com egoísmo, ambição e fraude. Isso havia nos enojado e passamos, então, a rejeitar as “realidades” do mundo adulto. Começamos a nos considerar revolucionários e o uso de drogas passou a ser um ato revolucionário, parte da criação de uma cultura alternativa que conduziria a um modo de vida melhor: “ficar ligado, chegar em alta e cair fora.”
Além do mais, a droga parecia nos dar muito prazer, fazer-nos sentir bem e esquecer a realidade. Em pouco tempo, porém, a droga deixou de proporcionar prazer, tornou-se um hábito, e surgiram efeitos colaterais não tão agradáveis, tais como graus variados de dependência, perda das faculdades mentais e uma crescente sensação de paranóia. Tornou-se também evidente que os problemas dos quais fugíamos e que pensávamos haver deixado para trás, tais como o egoísmo, o engodo e assim por diante, haviam, de certa forma, nos seguido e se estabelecido em nossa própria sub-cultura.
Após haver abandonado o consumo de drogas e “voltado” para Deus e para o estudo da Ciência Cristã, percebo que não éramos tão revolucionários quanto pensávamos. Havíamos tentado abandonar tudo, fugindo do que pensávamos ser a realidade; e havíamos, também, tentado fugir de nós mesmos. E em vez de encontrar uma alternativa, havíamos, na verdade, tentado uma outra forma daquilo mesmo que rejeitávamos, ou seja, a busca da gratificação própria por meio da complacência na matéria.
Hoje em dia estou aprendendo a praticar atos verdadeiramente revolucionários, como por exemplo, ser obediente às leis de Deus e vigiar meus pensamentos, colocando-os em harmonia com as idéias da Mente única, Deus. Estou aprendendo a perceber a verdade da realidade espiritual e da harmonia, mesmo diante do aparentemente poderoso, mas errôneo, testemunho oposto dos sentidos materiais.
Essa revolução, em vez de isolarme da sociedade, deixando-me com uma sensação de vazio, inunda-me com o amor sempre-presente de Deus e aproxima-me de meus semelhantes e de meu verdadeiro ser espiritual.
QUAL E NOSSO PAPEL?
Se Deus Está agindo e está destruindo o mal, qual é nosso papel? Examinemos o exemplo de Jesus, o Guia. Não temos indicação de que o vício das drogas fosse um problema significativo na época de Jesus. O problema não é citado nas histórias que normalmente lemos. Havia, no entanto, muitos problemas que, por sua natureza, podem ser comparados com o das drogas hoje em dia. No império romano, a escravidão era uma prática normal, a classe dominante era em geral cruel e pervertida, muitos eram realmente viciados na libertinagem sexual mais torpe. Jesus referiu-se a seus contemporâneos como uma “geração adúltera e pecadora.”
Que fez Jesus? A coisa primordial e mais importante que fez foi obter um conceito espiritual da realidade e apegar-se a ele. Viveu no mundo por algum tempo e disse a seus discípulos que os deixaria no mundo, mas também disse: “Eu venci o mundo.” Como o conseguiu? Da forma que era mais importante, ou seja, em seu pensamento, por meio de sua espiritualidade.
Baseado em sua espiritualidade e em sua oração incessante, Jesus pregou aos que eram receptivos e os curou. Os problemas do mundo não desapareceram instantaneamente. Ele cumpriu com sua responsabilidade e teve absoluta confiança de que a lei divina, o reino de Deus, faria o resto.
Existe um trecho em Ciência e Saúde que é fundamental a esse respeito. A Sra. Eddy diz, no início do capítulo “Reconciliação e Eucaristia”, que Jesus “executou bem a obra da vida, não só em justiça para consigo mesmo, senão por misericódia para com os mortais — para mostrar-lhes como fazer a deles, mas não para fazê-la por eles, nem para desobrigá-los de uma só responsabilidade.”
Jesus sabia que cada indivíduo tinha a responsabilidade de resolver por si o problema do ser, fosse o imperador, o fariseu ou o agricultor. Jesus também tinha absoluta e calma confiança de que Deus guiaria a todos da forma que eles pudessem compreender e que fosse a melhor para eles.
Jesus também era paciente. Ele nunca se queixou de que as coisas não estavam andando suficientemente rápido. A paciência de Jesus não significava que ele não reconhecesse o mal. Ele sabia, no entanto, que o mal não consistia apenas naquelas manifestações evidentes. O verdadeiro mal era o que ele denominou “maligno”, “mentiroso e pai da mentira”, “homicida desde o princípio.” É a isso que a Sra. Eddy se refere como mente mortal, a crença numa mente separada de Deus.
Se seguirmos o exemplo de Jesus, teremos como objetivo primordial adquirir o mais puro conceito da realidade espiritual que nos for possível. Oraremos da forma que nos for inspirada por Deus. Tudo isso é luz espiritual, alcança a consciência humana e elimina as trevas.
O exemplo de nosso Guia mostra de maneira vívida o que o pensamento espiritualizado pode fazer pela consciência humana. A historiadora especializada em religião, Elaine Pagels, comentou a surpreendente influência benéfica causada pelo cristianismo sobre as práticas sexuais e o casamento, e considera esse efeito como mudança de consciência. Ela escreve que os que se converteram ao cristianismo “mudaram suas atitudes com relação ao eu, à natureza, a Deus, assim como mudaram seu conceito de responsabilidades sociais e políticas .... Para os cristãos mais dedicados, sua conversão transformou tanto a consciência como o comportamento; e esses convertidos ... também influenciaram profundamente a consciência das gerações que se seguiram.” Adam, Eve, and the Serpent (Nova Iorque: Random House, 1988), p.10.
Apenas um homem, onze fiéis discípulos e uns poucos amigos, e o mundo não é o mesmo desde aquela época.
 
    
