Tudo? Vender Tudo aquilo pelo qual havia trabalhado a vida inteira? Dá-lo aos pobres? Seguir Jesus?
O homem deve ter pensado que as exigências seriam mais amenas. Afinal de contas, ele era um homem bom; sempre havia guardado os Mandamentos. Mas de repente Cristo Jesus lhe diz: “Ninguém é bom senão um só, que é Deus.” E o Mestre lhe diz que para ser perfeito e ter a vida eterna não basta guardar os Mandamentos, mas deve vender o que possui: “dá aos pobres, e terás um tesouro no céu; então vem, e segue-me.” Marcos 10:18, 21. O relato desse diálogo que aparece nos Evangelhos diz que o homem tinha muitas posses. Quando se retirou triste, talvez tenha pensado o que muitos de nós teríamos pensado: “Não posso simplesmente abandonar tudo aquilo pelo qual tanto batalhei. Tenho de pensar na família e em minha velhice.”
Recentemente, procurei ir um passo além do significado literal desse episódio bíblico e ponderar qual seria a mensagem espiritualmente inspirada que eu poderia extrair dele. Será que o homem do relato, mesmo guardando os Mandamentos, não estava ao mesmo tempo depositando intimamente sua confiança nas coisas materiais e acreditando que ele, por seu próprio esforço, havia acumulado muitas riquezas à custa de sabe lá quantas dificuldades? Poderíamos pensar que a instrução de Jesus não era apenas um requisito de literalmente vender seus pertences materiais, mas sim uma exigência de renunciar a certas possessões mentais, vale dizer, deixar de lado todo tipo de crenças más às quais poderia estar se apegando como se fizessem parte dele ou de sua vida, inclusive a confiança nas riquezas mundanas?
Fiquei intrigada com as palavras de Jesus: “Dá aos pobres.” A ordem era clara e indubitável. Mas aí também eu procurei o significado espiritual mais profundo dessa ordem. Poderíamos pensar em dar aos pobres num sentido espiritual mais elevado, tal como orar para compreender que cada indivíduo, sendo um valioso descendente de Deus, já inclui tudo aquilo de que necessita. Em verdade, o homem, a imagem de Deus, é completo e já tem tudo o que Deus dá. Relendo a narração bíblica sob esse ponto de vista, senti-me impelida a ver meu lar como incluindo já toda a paz e harmonia; a ver a mim e meus familiares como incluindo já saúde e força; a ver meu filho como incluindo já toda a bondade e integridade.
Fiquei intrigada com as palavras de Jesus: “Dá aos pobres.” A ordem era clara e indubitável. Mas aí também eu procurei o significado espiritual mais profundo dessa ordem.
E então veio a ordem final: “Segue-me.” Queria Jesus dizer que o homem deveria deixar sua casa, sua família e suas obrigações e viajar com ele? Sim, mas para tanto não estava o Mestre instando a que o rapaz pensasse e agisse como ele, a que imitasse suas obras? Pensei comigo que isso eu poderia fazer em qualquer lugar: em casa, na comunidade, no emprego, em minha igreja.
Há, ainda, a recompensa por vender e dar: “Terás um tesouro no céu.” Jesus prometeu que tudo o que é realmente precioso e eterno lhe seria restituído no céu. Acaso isso não inclui a promessa de termos neste momento um senso celestial de paz, segurança e bem-estar, exatamente onde nos encontramos, sendo essa a recompensa por pensar e agir corretamente? Poderia haver algo mais valioso do que a compreensão de termos já tudo aquilo que pensávamos ter de conquistar — não como coisas materiais que possam ser destruídas, perdidas ou vendidas, mas como pensamentos, como idéias permanentes de Deus, que se manifestam em nossa experiência na forma de lar, família, saúde e harmonia. A Sra. Eddy afirma em Ciência e Saúde: “A Ciência divina, que se eleva acima das teorias físicas, exclui a matéria, reduz as coisas a pensamentos, e substitui os objetos do sentido material por idéias espirituais.” Ciência e Saúde, p. 123.
Há alguns anos, enquanto meu marido estava viajando, recebi a visita de meus pais. Decidimos fazer uma reunião de nossa família. No decorrer dos preparativos, minha mãe me disse: “Por favor, seja gentil com a tia Bárbara.” Tia Bárbara era a irmã dela, que parecia muito viciada em bebidas alcoólicas e era considerada por muitos como alcoólatra. Sabia minha mãe que eu, como Cientista Cristã, não tomava bebidas alcoólicas nem as servia em minha casa. Ao pedir-me para “ser gentil” com minha tia, ela estava, na realidade, pedindo que eu permitisse a minha tia beber durante a festa. Eu gostava muito dessa tia, mas seu hábito de beber era um problema. Eu não queria ver a festa arruinada.
Dei-me conta de que os preparativos não seriam completos sem que eu ponderasse em oração sobre quem viria, o que faríamos e onde o faríamos. Em resumo, eu precisava reduzir esta coisa (uma reunião de pessoas em minha casa para passarmos um momento feliz) a um pensamento (uma reunião de idéias de Deus, no Seu reino, para Sua glória).
Decidi que, em vez de apenas “ser gentil” com minha tia, eu iria amá-la como Jesus amava. Não iria fazer esforço humano para amar uma alcoólatra capaz de arruinar minha festa, mas eu queria amá-la como verdadeira descendente de Deus, completa e perfeita em todos os sentidos, que não precisava buscar consolo, coragem ou a solução de problemas em algum recurso material. A partir daí, sempre que pensava no encontro, eu me rejubilava no grande amor de Deus por meus hóspedes, e na capacidade dada por Deus, que eles tinham, de reconhecer e aceitar todo o bem que o Pai propicia continuamente, e de estar plenamente satisfeitos com esse bem. Além disso, afirmei que meu verdadeiro lar é o reino do céu, a atmosfera pura do Amor, que não pode ser invadido nem desrespeitado por coisa alguma que o contamine. Enquanto orava nesse sentido, fiquei segura de que a festa seria maravilhosa. Não se falou mais na questão das bebidas.
O dia do encontro estava claro e quente. Eu estava tranqüila com relação ao evento e ansiava por rever a todos. Logo no início da tarde, chegou meu irmão, trazendo cerveja. Como vinha sempre à nossa casa, sabia que não teríamos bebidas alcoólicas para oferecer. Achava ele que elas eram necessárias para o êxito da festa, por isso decidiu providenciá-las. A tentação de zangar-me com ele foi grande, principalmente quando ele foi ao refrigerador rearrumar as coisas para dar lugar às cervejas. Mas em vez disso, calmamente pedi-lhe que as colocasse numa caixa com gelo que estava no pátio, junto com os refrigerantes.
“O que é que eu tinha feito de errado?” Tinha tanta certeza de que minhas orações protegeriam todo o evento contra a invasão das bebidas! Veio-me, forte, o pensamento de que eu deveria permanecer na verdade de minhas orações e confiar tudo a Deus. A Verdade não depende da ausência de álcool para ser verdadeira, nem pode a verdade ser anulada pela presença do álcool.
Acaso era responsabilidade pessoal minha, proteger os convidados de consumirem bebidas alcoólicas? É claro, nós todos temos certa responsabilidade de zelar pelos outros, até para cumprir o dever cristão de sermos “tutores” de nosso irmão. No entanto, percebi que mesmo não podendo elaborar a salvação de outrem, eu poderia proteger meu próprio pensamento contra a crença de haver outros poderes separados de Deus, no presente caso a pressão social, a vontade forte, o vício, que pudessem desafiar a supremacia de Deus, separar os indivíduos de Seu terno cuidado, ou impor-lhes desejos alheios à sua vontade. Eu sabia que esse raciocínio teria uma influência sanadora.
Ao chegarem os convidados, alguns tomaram cerveja e minha tia tomou as bebidas que ela mesma trouxera. Mas a maioria das pessoas preferiu refrigerantes. Depois do jantar, chegou uma frente de ar frio e a temperatura caiu bastante. Todos vieram para dentro de casa e preferiram refrigerantes ou bebidas quentes. Mais tarde achei garrafas de cerveja, algumas quase cheias, numa prateleira perto da porta dos fundos. A cerveja, literalmente, não passara daquela porta. E quanto à minha querida tia que tanto me havia preocupado? Ela também mudara para os refrigerantes, como todos os outros. Todos nos divertimos muito.
Refletindo sobre essa experiência a partir da perspectiva de “vender, dar e seguir”, percebi que, em certo grau, eu havia seguido o conselho de Jesus. “Vendi”, ao abandonar a crença de que os filhos de Deus pudessem ser escravizados pelo vício. “Dei”, ao reconhecer que cada um já incluía a pureza e a inocência necessárias para rejeitar toda e qualquer coisa que rebaixe o homem. E “segui”, ao rejeitar a tentação de pensar que minhas orações não haviam sido eficazes, e ao firmar-me na verdade que me fora revelada — não apesar da cerveja no pátio ou umas poucas pessoas bebendo, mas por saber a verdade sobre Deus: Sua presença, Seu poder e Seu supremo controle sobre todas as coisas. E quanto ao meu “tesouro no céu”? Esse foi o cálido e maravilhoso sentimento de gratidão a Deus, não apenas pela harmonia do evento, mas pela confiança maior no fato de que eu, tal como o Salmista, podia ter a certeza de que “o que a mim me concerne o Senhor levará a bom termo”. Salmos 138:8.
Chegai-vos a Deus
e ele se chegará a vós outros. ...
Humilhai-vos na presença do Senhor,
e ele vos exaltará.
Tiago 4:8, 10