A famosa viagem do transatlântico Titanic, há aproximadamente 80 anos, voltou à memória desta geração graças a um filme lançado recentemente com esse nome. A história apresentada nessa nova versão cinematográfica é inteiramente fictícia, mas baseia-se em dados históricos sobre o naufrágio e as circunstâncias que imperavam entre os passageiros. Num programa radiofônico levado ao ar recentemente pelo O Arauto da Christian Science, conversaram sobre alguns aspectos do filme.
Katharina Helmick: — Muita gente assistiu recentemente ao filme "Titanic". A história do famoso transatlântico, que, pensava-se, era à prova de perigos e que jamais poderia afundar, contém muitos pontos interessantes, que nos levam a investigar o poder da oração em casos de perigo iminente. O Titanic levava um número elevado de passageiros e tripulantes. As manchetes da época ressaltavam a alta posição social e financeira dos que viajavam de primeira classe. E prevalecia o desejo de marcar um recorde de perfeição, elegância e velocidade. Muitas medidas de segurança e precauções lógicas não foram estritamente observadas. A omissão mais grave, de conseqüências trágicas, foi o fato de o navio levar barcos salva-vidas em número muito inferior ao de pessoas a bordo.
Heloísa Rivas: — E isso conduz à pergunta: Quando as circunstâncias indicam que só existem meios para salvar um número limitado de pessoas, o que dizer das que sobram? Quem tem direito a salvar-se? Será razoável pensar que alguns vão tirar o lugar de outros? Que lição podemos aprender, tantos anos mais tarde, desse triste e famoso episódio?
Katharina: — Eu encontro consolo, e um certo paralelo, na história do homem que Cristo Jesus curou à beira do tanque de Betesda, como conta a Bíblia. Ver João 5:2-9. O relato diz que à beira desse tanque havia muitos doentes, esperando que um anjo agitasse a água, e o primeiro que nela entrasse seria curado. Pareceria que a bênção era só para o primeiro. Evidentemente, isso excluía todos os demais. No caso do Titanic, os primeiros a sair do navio e conseguir lugar nos botes disponíveis seriam os únicos a salvar-se. Os outros teriam de lançar-se à água, cuja temperatura era demasiado baixa para que alguém nela sobrevivesse.
O que foi que Jesus fez, à beira do tanque de Betesda? Seu amor e compaixão abrangiam a todos os que ali estavam. Ele não esperou que a água se movesse para então carregar bem depressa o paralítico e, com a ajuda dos discípulos, colocá-lo na água para curá-lo. Esse seria um método de cura limitado às circunstâncias materiais, e isso teria sido à custa de outro enfermo, não é mesmo?
Heloísa: — Mas na história bíblica a cura ocorreu sem que a água se agitasse. O paralítico que foi curado atendeu ao chamado de Jesus à sua consciência, e foi curado sem ter entrado na água. Portanto, sem precisar correr para ser o primeiro. Ficou comprovado que a condição previamente admitida por todos, de que era necessário que a água se agitasse, não tinha validade. Jesus curou o paralítico, dizendo: "Levantate, toma o teu leito e anda." O conhecimento de Jesus sobre a graça de Deus era tão forte, que o paralítico, apesar de todas as objeções com que argumentou, se viu curado.
Katharina: — E no caso do Titanic houve um sobrevivente que se salvou graças a recorrer a Deus. Era oficial, e há um depoimento dele publicado no The Christian Science Journal de outubro de 1912, (apresentado aqui logo após esta entrevista). Ele se salvou sem utilizar um barco salva-vidas. Ele aplicou o que havia estudado na Christian Science, ou seja, de que "sabendo a verdade" ele se salvaria. Esse homem realmente foi salvo pela graça divina.
No caso do Titanic, houve um sobrevivente que se salvou graças a recorrer a Deus.
Heloísa: — Esta expressão que ele usou no depoimento, "saber a verdade", significa tomar consciência, reconhecer como verdadeira e poderosa a verdade de que Deus nunca está ausente e que o poder dessa verdade divina é capaz de salvar-nos. O que podemos aprender e utilizar em nosso dia-a-dia é que ninguém ganha nada com tirar o lugar de outro ou tirando vantagens à custa de outro. Nem nas coisinhas mais banais da experiência diária, como passar na frente na fila, fumar quando isso incomoda os outros, usar palavras ásperas para com pessoas indefesas, ou dar o troco errado quando o freguês não presta atenção. Ou em casos mais graves, como prejudicar a felicidade familiar ou pôr em perigo outros carros no trânsito, por dedicarse à bebida sem pensar nos outros.
Katharina: — A história apresentada nesse filme serve para arrancar a máscara do egoísmo...
Heloísa: — E aqui seria oportuno perguntar, não só quanto ao episódio do Titanic, mas todas as vezes que ocorre uma tragédia coletiva: o que dizer daqueles que pereceram? A sensação de perder um ente querido faz sofrer porque essas pessoas vãose da nossa presença não as vemos mais, não gozamos mais da companhia delas. Mas existe consolo em saber que, apesar disso, elas jamais deixaram de estar na presença de Deus, e que, apesar de não mais as vermos, a vida delas não se extinguiu.
Katharina: — Eu gostaria de terminar com palavras da Sra. Eddy: "Inteiramente separada deste sonho mortal, desta ilusão e deste engano dos sentidos, a Christian Science vem revelar o homem como a imagem de Deus, Sua idéia, coexistente com Ele — Deus dando tudo e o homem tendo tudo o que Deus dá. De onde vêm, então, a criação da matéria, do pecado e da morte, o orgulho e o poder mortais, o prestígio e o privilégio? O Primeiro Mandamento do Decálogo, 'Não terás outros deuses diante de mim', e a Regra Áurea, são o Tudo-em-tudo da Christian Science. São o idealismo espiritual e o realismo que, quando compreendidos, constituem o Cientista Cristão, curam os doentes, reformam os pecadores, e não permitem que o túmulo saia vitorioso."
Este testemunho foi publicado originalmente no The Christian Science Journal de outubro de 1912, e traduzido agora da reimpressão apresentada recentemente no Christian Science Sentinel de 8 de dezembro de 1997.
Não duvidei do poder divino para salvar-me.
A noite em que o Titanic naufragou
Enquanto O Titanic afundava, e durante todo o tempo em que eu me empenhava em ajudar com os barcos (fazendo com que os passageiros entrassem nos botes salva-vidas), eu me aferrei à verdade, eliminando assim todo o medo. Não pretendo dizer que alguém possa naufragar no meio do Atlântico à meia-noite e conseguir dissipar o medo sem esforço. Tive de trabalhar duro, mas as próprias condições em que nos encontrávamos a bombordo eram, por si mesmas, uma demonstração da operação da Verdade, pois não houve nenhum tropeço e todos os barcos foram baixados. . .
[Chamei então] os homens para para que me seguissem rumo aos camarotes dos oficiais para cortar as amarras do último barco, que ali estava guardado. Nem sequer tivemos tempo de abri-lo, simplesmente o baixamos ao convés do qual havíamos lançado os botes anteriores. Quando vi que ele já havia descido, corri para o outro lado do convés para ver se podia fazer mais alguma coisa. Vi que tudo que se podia fazer materialmente já estava feito e, de onde eu estava, olhei para a frente e caminhei para a água. A súbita imersão nessa água penetrantemente gelada dominou-me por completo durante alguns instantes e. .. quase no mesmo momento fui puxado com força rumo à grade que cobria um motor. Nessa circunstância, eu afundei.
Quero salientar bem este detalhe, que assim que pude pensar, depois de entrar n'água, eu disse para mim mesmo: "Agora vou ver o quanto aprendi na Christian Science." Não tive nenhuma dúvida de que eu podia ser salvo. Noutras palavras, não duvidei do poder divino para salvar-me. Creio que posso dizer, conscienciosamente, que perdi todo o medo e comecei novamente a pensar na verdade do ser. Foi nesse momento que fui puxado para o fundo, ainda pensando na verdade, e quando me encontrei no fundo, vieram-me estas palavras do Salmo 91, com tanta clareza, que me pareceu compreendê-las completamente: "Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito". Creio que imediatamente fui lançado para longe do motor e vim à tona, e encontrei um pedaço de madeira, que parecia estar atado por um cabo à chaminé. Fiquei quieto, e a água jorrou ao meu lado, carregando muitas pessoas para longe de mim.
De novo afundei, sempre aferrado à verdade, e de novo voltei à tona. Meu pedaço de madeira havia desaparecido, mas ao meu lado estava a superfície plana do fundo do barco desmontável que eu havia jogado do outro lado do navio. Agarrei-o, mas não tentei entrar nele.
Quero deixar bem compreendido que durante esse tempo que passei dentro d'água, este fato ficou claro para mim, com toda a calma: que existia um poder divino que podia ser utilizado de forma prática, e que também me parecia perfeitamente natural confiar nesse poder com a compreensão espiritual da qual a Bíblia fala tantas vezes, e que está explicado em "Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras," da Sra. Eddy.
Ora, ao afundar um navio grande como o Titanic também era preciso vencer o medo da sucção, e a essa altura a chaminé da frente caiu, e fui jogado, junto com o barco salva-vidas e outros sobreviventes para uns seis metros de distância, de modo que nada sentimos da sucção. Éramos cerca de trinta pessoas que ficamos boiando até o amanhecer nesse barco virado, e eu não conseguia vencer o frio intenso que sentia. Mas quando um homem me ofereceu uma garrafa com algo para tomar, com cheiro de essência de menta, senti aversão a recorrer a um meio material, e não aceitei.
Ao raiar do dia fomos recolhidos por dois barcos salva-vidas navegando perto de nós. Eu fui o último náufrago do Titanic a subir a bordo do Carpathia, e depois de conversar com o capitão desse navio, despi minha roupa molhada e me recolhi a um beliche, onde permaneci uma meia hora. Depois não precisei mais nem de beliche nem de cama, até chegarmos a Nova Iorque. As reações e efeitos de haver estado n'água — que eu pensei que sentiria — nunca ocorreram. E embora muita gente tenha ficado surpresa, isso simplesmente prova que "para Deus tudo é possível."
 
    
