Em épocas de tragédia e de crises internacionais a questão da gratidão precisa ser cuidadosamente considerada, para podermos definir exatamente o que significa ser grato.
Expressar gratidão em meio a uma situação difícil não significa fingir ingenuamente que as coisas estejam bem. Tampouco é falta de sensibilidade pelo sofrimento dos outros que estão em situação pior do que a nossa.
Quando as pessoas e as nações se vêem diante de uma tragédia, a gratidão é a maneira através da qual podemos voltar a nos dedicar ao que nos impulsiona a seguir em frente. Com efeito, a comemoração do dia de Ação de Graças originou-se na gratidão que os peregrinos ingleses expressaram pelo bem recebido em solo norte-americano, após um ano de devastação e mortes na nova terra.
Eu cheguei à conclusão de que a bondade é a realidade fundamental da vida, e de que essa compreensão confere razão à nossa existência. Aprendi que uma forma de expressar gratidão e preservar a fé no bem é compreender e manifestar conscientemente as qualidades que definem a individualidade de cada um de nós.
Meu marido faleceu quando nossos filhos eram ainda pequenos. As pessoas que mais nos ajudaram não foram as que mergulharam conosco no abismo do desespero. Mais nos ajudaram as que diziam: "É difícil vê-los nessa situação, mas eu sei que vocês vão superar isso." A certeza que essas pessoas tinham do meu relacionamento com Deus e a compreensão que demonstravam de que a bondade é real, apesar dos problemas que eu enfrentava, levaram-me a aprender a expressar gratidão.
De início, minha gratidão consistia apenas em reconhecer honestamente as qualidades extraordinárias que Donald, meu marido, expressara para comigo e para com nossos filhos. Ele era uma pessoa que realizava de bom grado todas as tarefas necessárias, sem se queixar dos detalhes do cotidiano. Ele tinha uma incrível noção de ordem e beleza, e gostava muito de cozinhar. Sua atitude fez com que eu parasse de me queixar do trabalho doméstico. Ele sempre apoiava todas as nossas atividades com muita generosidade.
Outro passo muito importante ao aprender a expressar gratidão foi reconhecer que, apesar de meu marido não estar mais conosco, não havíamos sido privados das qualidades espirituais dele, porque estas se originavam em Deus, e Deus está sempre conosco. Com essa compreensão encontrei força e capacidade para resolver vários problemas, inclusive complicadas apólices de seguro de vida. As qualidades de ordem, equilíbrio e paciência que Donald tão bem expressara eram agora expressas por mim e por meus filhos. E aprendemos que poderíamos reconhecer que esses atributos espirituais continuariam a se manifestar em nossa vida.
Meu marido era uma pessoa que realizava de bom grado todas as tarefas necessárias.
Também reconhecemos a continuidade da provisão divina, na medida em que, a cada mês que passava, encontrávamos nosso caminho para seguir adiante, e a normalidade foi gradualmente restabelecida em nossa família. Apesar de o bom senso convencional indicar o contrário, em menos de um ano estávamos prontos para nos mudar de cidade e de estado.
Antes de nos mudarmos para Chicago, meus pais vieram visitar-nos e trouxeram de presente vários comedores para pássaros. Numa bela manhã de primavera vi um lindo casal de pintassilgos pousado nos comedores, compartilhando com ternura sua refeição matinal. A nova plumagem da fêmea era especialmente linda. Lembrei-me de que Donald e eu havíamos nos casado usando roupas amarelas. Amarelo era minha cor preferida. Enquanto observava a bela plumagem dos pássaros, podia sentir que o Amor divino estava me levando a descobrir uma nova perspectiva de vida.
Aos poucos uma idéia inundou meu pensamento: "Assim como você compreende que as qualidades divinas do Donald continuam a apoiar você e as crianças, você consegue perceber que as qualidades divinas que você expressa continuam a se manifestar na vida dele?" Essa era uma idéia completamente nova, porque sinceramente eu achava que Donald era uma pessoa melhor do que eu. Embora eu e as crianças precisássemos das qualidades dele, era difícil imaginar que era importante para ele que eu expressasse minhas próprias qualidades. Mas, logo compreendi que essa era uma questão que exigia que eu reconhecesse as qualidades que eu havia expressado em relação a ele, e fosse grata por isso.
Apesar de todas as minhas fraquezas, eu sabia que havia proporcionado ao Donald a oportunidade de dar boas risadas e deixar de ser tão exigente consigo mesmo. Ele era um músico muito dedicado ao seu trabalho. Eu também estudara música na faculdade, mas meus interesses eram muito mais variados. Donald gostava de conversar comigo sobre outros assuntos além de música. Ele se sentira atraído por mim devido ao meu interesse pela prática da cura espiritual. Com o passar do tempo, ao inteirar-se do meu trabalho de cura, ele também manifestou o desejo de ajudar mais aos outros.
Recordo-me que, quando aprendi a não ficar mais tão preocupada com as crianças, Donald também quis muito expressar a mesma flexibilidade que eu expressava. Ele também queria envolver-se mais na vida dos filhos, da mesma forma como eu me envolvia.
Com base nessas idéias, compreendi que o futuro de nossa família não seria afetado pelo sentimento de perda. Apesar de seu repentino desaparecimento e da revolta instintiva que isso causou em mim, compreendi que a substância de nossa individualidade, tanto minha quanto do Donald e das crianças, não havia sido alterada. Então admiti honestamente que eu havia compartilhado com meu marido muitas coisas boas, e que ele continuava a usufruir o bem resultante disso, embora de uma forma diferente. Compreendi também que tínhamos diante de nós a mesma brilhante perspectiva de uma vida de progresso que havíamos tido quando Donald estava conosco. Senti-me muito grata por perceber isso! E os onze anos que passamos em Chicago confirmaram o cuidado e a provisão divina para conosco.
Para sentir e expressar gratidão genuína é preciso reconhecer que Deus, o Amor, expressa-Se em nossa vida continuamente. Embora possamos reconhecer a manifestação do amor na generosidade dos outros, na beleza das coisas, no atendimento às nossas necessidades, o mais importante na gratidão é reconhecer as qualidades espirituais em nós mesmos e naqueles que amamos.
Quando alguém falece, naturalmente nos voltamos para as boas qualidades dessa pessoa, as quais nos faziam amá-la, apesar das falhas que talvez pudéssemos nela identificar. No entanto, precisamos cuidar para não exagerar na importância dessa pessoa em nossa vida, a ponto de depreciar nossa própria importância. Essa atitude pode nos levar a acreditar que, de alguma forma, podemos ser privados da satisfação e da paz devido à ausência de um ente querido. As pessoas são a manifestação fundamental e preciosa da bondade do Amor infinito em nossa vida. Entretanto, nunca poderão ser e nunca foram a fonte dessa bondade. As pessoas são a expressão tangível e perceptível da bondade divina.
Para sentir e expressar gratidão genuína é preciso reconhecer que Deus, o Amor, expressa-Se em nossa vida continuamente.
Jesus sintetizou o propósito de nossa vida em dois mandamentos: amar a Deus de todo o coração, entendimento, alma e força e amar ao nosso próximo como a nós mesmos (ver Mateus 22:37-39). A motivação espiritual contida nesses mandamentos alinha-nos com o fato de que somente Deus é a fonte de todo o bem. O carinho que sentimos pelas pessoas que amamos, quer estejam conosco fisicamente ou não, está plenamente de acordo com essas instruções divinas porque elas nos ajudam a compreender melhor que a fonte do bem transmitido por aqueles que amamos é também a fonte de nossa própria bondade. Assim como não podemos amar a nós mesmos mais do que aos outros, também não podemos amar mais aos outros do que a nós mesmos.
Essa atitude requer coragem. Talvez mais do que pensemos ter. Exige que reconheçamos nosso próprio valor como imagem do Espírito. Também requer a convicção de que qualidades espirituais como humildade, alegria, fé e afeto dão autoridade e força à nossa existência. Compreender que temos tanto valor quanto outra pessoa ajuda-nos, com paciência e persistência, a eliminar velhos sentimentos de dúvida, baixa estima e a tendência de ficar procurando o lado negativo das coisas.
A boa nova é que a coragem não é uma capacidade fora do comum. Deus, ou Alma, que governa o universo com Sua lei onipotente, é quem nos dá a coragem espiritual. Assim como muitos de nós tentamos instintivamente evitar situações que exijam coragem, qualquer um de nós pode expressar paciência, perseverança, firmeza e intrepidez porque o Espírito ordena que essas características do Amor se manifestem em nós.
Assim diz Deus a nosso respeito: "Os que criei para minha glória" (Isaías 43:7). Fomos criados para que Deus se manifeste. O propósito de expressar a bondade de Deus em nossa vida traz à tona a individualidade singular que Deus estabeleceu em cada um de nós desde o princípio. Expressar gratidão por essa espiritualidade nos dá força para enfrentar a vida com honestidade e responsabilidade. A bondade do Amor universal não nos desapontará. Nossa capacidade de reconhecê-la e agradecer por ela não é apenas de suma importância em tempos difíceis, mas é a única forma conhecida para que nós e nossos entes queridos que já faleceram sigamos em frente em nosso progresso espiritual.
