“...sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (Atos 1:8). Essas haviam sido as últimas palavras de Jesus aos discípulos reunidos, antes de sua ascensão, e Filipe, conhecido como o “evangelista”, foi o primeiro a obedecer a essa ordem do Mestre, partindo para Samaria. Ele não fora um dos doze apóstolos que mais de perto haviam recebido os ensinamentos de Jesus, mas sem dúvida gozava de bom conceito na primitiva comunidade cristã de Jerusalém, pois os apóstolos o nomearam um dos sete “diáconos” encarregados de prestar assistência aos necessitados.
Forçado pela perseguição a sair de Jerusalém, Filipe foi para a Samaria e “anunciava-lhes a Cristo” (ver Atos 8). Temos aí o primeiro sinal de seu extraordinário caráter: não só não se intimidou com a perseguição que havia levado ao apedrejamento de seu colega Estêvão (afinal ele poderia ficar calado em algum povoado da Judéia), mas foi anunciar o Cristo justamente aos samaritanos, considerados impuros e indignos pelos judeus (e Filipe era judeu). Como Jesus dera o exemplo, quando falou com a mulher samaritana, junto ao poço, ele não se submeteu ao preconceito de que esse povo seria indigno ou, na melhor das hipóteses, despreparado, para receber a Palavra de Deus. Os samaritanos o receberam com alegria, superando o preconceito que também tinham contra os judeus. Foi o primeiro relato de não-judeus aderindo formalmente ao Cristianismo.
Mais adiante, no mesmo capítulo de Atos, há outro exemplo de como, fiel à inspiração divina, Filipe foi obediente à ordem de Jesus de ser sua testemunha “até aos confins da terra”. No versículo 26, lê-se: “Um anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Dispõe-te e vai para o lado do Sul, no caminho que desce de Jerusalém a Gaza; este se acha deserto. Ele se levantou e foi.” Realmente era um caminho deserto, pouquíssimo freqüentado, pois passava pela antiga cidade de Gaza que, nesse tempo, estava em ruínas. Contudo, Filipe não questiona sua inspiração; se lhe ocorreu a pergunta: “Mas o que vou fazer lá?”, não ficou dela nenhum sinal, pois ele simplesmente “se levantou e foi”.
Ali, Filipe teve mais uma oportunidade de pôr em prática a convicção de que o Evangelho era para todos, sem distinção. “Eis que um etíope, eunuco, alto oficial de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todo o seu tesouro, que viera adorar em Jerusalém, estava de volta e, assentado no seu carro, vinha lendo o profeta Isaías”. Por ser etíope, devia ser de raça negra, portanto totalmente “gentio”, diferentemente dos samaritanos que eram de raça mista. Além disso, era eunuco, isto é, castrado, e por isso considerado duplamente impuro para os padrões judeus. Nada, porém, deteve Filipe de seguir sua inspiração e de se oferecer para compartilhar seus conhecimentos com aquele estrangeiro. Os eunucos não eram admitidos no templo e não sabemos até que ponto ele conseguira “adorar em Jerusalém”. Quem sabe ele estivesse voltando frustrado, desejoso de entender melhor aquela religião monoteísta que o atraíra até ali, mas que ao mesmo tempo o rejeitava, por isso talvez estivesse lendo os pergaminhos do profeta Isaías, sem dúvida adquiridos em Jerusalém. Provavelmente, foi por meio desse homem que mais tarde o Evangelho se espalhou por toda a Etiópia, pois aquele cidadão era um importante oficial da corte e estava a caminho de seu país.
Filipe não se intimidou com a perseguição aos cristãos e foi anunciar o Cristo justamente aos samaritanos, considerados impuros e indignos pelos judeus.
Talvez, hoje, essa atitude de Filipe não seja tão surpreendente. Na época, porém, foi uma inovação significativa. Tempos depois, quando Pedro aceitou explicar o Evangelho ao romano Cornélio (ver Atos 10 e 11), só o fez após profunda luta interior e, ao voltar a Jerusalém, teve de se explicar perante os outros apóstolos e a comunidade cristã. O questionamento sobre se os não-judeus podiam ou não ser aceitos, continuou ainda por algum tempo, muitos sendo da opinião de que qualquer interessado deveria primeiro se tornar judeu e ser circuncidado, antes de entrar a fazer parte da comunidade cristã.
Vindo aos dias de hoje, vê-se ainda a mesma tendência de rotular e classificar os indivíduos em subgrupos e categorias, com a conseqüente tentação de avaliar quem é melhor ou pior, quem está mais próximo ou mais distante do ideal espiritual, quem merece ou não nossa atenção como “testemunhas” de Cristo. Por isso, o exemplo de Filipe, que não partiu de noções previamente adquiridas, mas seguiu sem titubear as mensagens angelicais, continua sendo de grande valia para os cristãos e para a igreja de hoje.
Bibliografia: Bíblia de Estudo Plenitude, Sociedade Bíblica do Brasil; Quem é quem na Bíblia Sagrada, Paul Gardner, Editora Vida; The One Volume Bibe Commentary, J. R. Dummelow; Comentário Bíblico Atos, Craig S. Keener
