“Você chama isso de cura?!” Gritei para mim mesma, arremessando para longe a Bíblia e o livro-texto da Ciência Cristã, em meu dormitório na universidade. Eu estivera lendo, no Livrete Trimestral da Ciência Cristã, a Lição Bíblica daquela semana, que consiste em trechos selecionados desses dois livros. Ao longo dos anos, essas Lições haviam ancorado as minhas orações para vencer um problema antigo ― a recorrente perda de consciência conhecida como “epilepsia petit mal”, ou ataques de ausência de consciência. No meio da Lição, eu sofri um apagão. Quando recobrei a consciência, olhei os livros que estavam no meu colo e me lembrei do que estivera fazendo. Em seguida, vencida pela frustração que beirava a fúria, arremessei os livros para longe.
Depois disso, o quarto me pareceu excessivamente calmo e espaçoso. Naquela vasta quietude, pensei na pergunta que eu havia lançado ao ar, junto com os livros. A reflexão profunda e o discernimento espiritual que se seguiram é uma das lembranças mais vivas em minha vida.
As crises de ausência de consciência começaram quando eu tinha oito anos. De repente, sem nenhum motivo, eu perdia a consciência durante uns 15 segundos, e ficava fixando o espaço com um olhar vazio. Não raro, esses episódios aconteciam várias vezes ao dia. No entanto, eu levava uma vida ativa, fazendo o que as crianças normalmente fazem. No verão, eu nadava, fazia caminhadas e andava de bicicleta. No inverno, eu patinava no gelo, esquiava e andava de trenó. Também desfrutava de muita liberdade e alegria. Como família, fazíamos muitas coisas juntos e meus pais estavam sempre atentos às minhas necessidades e à minha segurança. Nunca houve nenhum acidente relacionado às crises de ausência de consciência.
A pesquisa e o estudo espiritual estavam no cerne da nossa família. Meus pais eram Cientistas Cristãos, e a oração era nossa primeira resposta para todas as dificuldades.
Minha mãe foi quem mais me ajudou a me elevar acima do problema, a superá-lo por meios espirituais e a alcançar a cura. Desde quando eu era bem pequena, ela me ensinou a diferença entre o que parece ser uma mente humana pessoal, ou mente mortal, e a Mente divina (que na Ciência Cristã é um dos sete sinônimos para Deus). Ela também me ajudou a compreender que o fato de sermos sempre um com a Mente divina, ou seja, de estarmos sempre em sintonia com a Mente divina, esse fato traz à tona a nossa plenitude e perfeição.
Aprendi o que significava transcender as fraquezas de uma mente humana limitada, ou seja, fraquezas tais como o medo, o apego ao ego e a raiva, e fazer isso ao ceder à orientação da Mente divina, que traz a marca da coragem e da benignidade. Minha mãe mantinha essas explicações bem simplificadas durante minha infância. Ela me disse que a minha relação com Deus era como o sol e seus raios. Como um raio de luz vem do sol, eu vim de Deus, e minha principal razão de existir era expressar as qualidades divinas. Ela me ensinou esta estrofe de um hino que consta de um Suplemento do Hinário da Ciência Cristã:
Levanta, brilharás,
O dia já nasceu.
Deus é teu sol, o Cristo é luz,
Reflexo és de Deus.
(Mary I. Mesechre, 14, trad. © CSBD)
Eu amei a ideia de ser um raio de luz.
A cada ano que passava, eu adquiria novas percepções a respeito das qualidades de origem divina que passei a considerar como antídotos para a perda de consciência, tais como, paciência, atenção, prontidão, ponderação e escuta ativa. Esforçava-me para praticá-las e comecei a notar que, assim fazendo, eu enriquecia todos os aspectos da minha vida. Ao longo do caminho, houve inúmeros momentos marcantes em que vivenciei progressos que acabaram aprofundando minha compreensão do que significa ser um raio de luz.
Por exemplo, na quarta série, minha melhor amiga me contou que, certo dia, enquanto eu estava ausente da aula por motivos particulares, nossa professora corrigiu a classe por terem me provocado, e ordenou-lhes que nunca mais me chamassem de “bailarina convulsiva”. A maneira como minha mãe tratou essa questão transformou a humilhação que eu estava sentindo: ”Tua professora foi muito amorosa ao te proteger, ensinando algo aos teus colegas sobre a bondade”. Foi então que me ocorreu que minha professora era um desses raios de luz.
Mais tarde, quando eu estava na oitava série, mamãe me informou que eu não podia participar da equipe de balé aquático, porque o treinador e o diretor achavam que seria perigoso devido à epilepsia. Fiquei chocada, decepcionada, envergonhada e com os olhos cheios de lágrimas. Mamãe me envolveu em seus braços e disse-me que, em sua opinião, eles estavam temerosos apenas porque eles não sabiam o que nós sabíamos ― que eu estava sob o constante cuidado de Deus, amparada, protegida e guiada por Ele e, portanto, eternamente em segurança. À sua maneira inimitável, ela encorajou-me a ficar grata por saber isso e pediu-me que eu substituísse meus sentimentos feridos e o meu ressentimento por compreensão e compaixão. Disse-me também que isso fazia parte do fato de que eu era um raio de luz.
Senti-me encorajada, amadurecida, cheia de esperança, tranquila.
A expectativa de cura que minha mãe nutria era a luz que emanava do raio de luz que ela era e que nunca se desvaneceu e nunca deixou de me dar alento.
No entanto, cinco anos mais tarde, eu estava sentada sozinha em meu dormitório na universidade, depois de um episódio de ausência de consciência. Enquanto refletia sobre isso, compreendi três coisas: que eu nunca havia perdido a consciência quando era absolutamente necessário que isso não acontecesse, que as ocasiões em que ocorria a ausência de consciência haviam diminuído, e que houve situações em que pude sentir que um desses ataques estava se aproximando e imediatamente agarrei-me à percepção e compreensão que eu tinha da eterna onipresença de Deus e que, portanto, eu não podia perder a consciência.
Foi então que me veio à mente uma ideia surpreendente: vencer esses episódios não tinha nada a ver com o fato de agarrar-me obstinadamente à consciência, mas, pelo contrário, tinha a ver com minha maior compreensão de que estou continuamente mantida dentro da consciência divina. Ocorreu-me que minha principal tarefa na vida era render-me a essa consciência divina, à Mente divina, repetidas vezes, sem conta.
Assim entendi um novo significado em uma passagem que eu havia memorizado do livro-texto da Ciência Cristã, Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, escrito por Mary Baker Eddy: “...a Ciência não conhece nenhum desvio da harmonia nem retorno à harmonia, mas sustenta que a ordem divina, ou seja, a lei espiritual, na qual Deus e tudo o que Ele cria são perfeitos e eternos, permanece inalterada em sua história eterna” (p. 471).
Um novo discernimento começou a tomar forma em meu pensamento: a ideia de que a trajetória da minha vida tinha sido sempre uma trajetória de cura ― não apenas para a dissolução de um problema em particular, mas uma trajetória a caminho da descoberta da plena medida espiritual do meu existir como um raio emanando da fonte divina e inextricavelmente ligado a essa fonte divina de todo o existir. Em seu senso mais abrangente, curar significa pôr a descoberto nossa plenitude e perfeição, ou seja, nosso estado integral ”perfeito e eterno” que brota desse relacionamento, e compreendi que era isso o que estivera o tempo todo sempre se desdobrando desde o começo. Compreendi como o meu desejo genuíno de ser dirigida pela Mente divina tinha impactado positivamente todos os aspectos da minha vida.
Nesse momento, o desânimo desapareceu. E a fé, iluminada pela gratidão, encheu todo o dormitório. Senti-me encorajada, amadurecida, cheia de esperança, tranquila. Também senti um profundo senso de estar totalmente presente na presença de Deus.
Cerca de dois anos após minha profunda reflexão naquele dormitório, constatei que as crises de ausência de consciência já não estavam mais ocorrendo. Eu não conseguia nem me lembrar de quando havia ocorrido o último episódio. Aliás, eu sabia que, de alguma forma, não haveria outro, e realmente nunca mais ocorreu nenhum outro, nas várias décadas que se seguiram desde aquela ocasião. Esse desafio realmente havia terminado, mas as lições que ele suscitou durariam uma vida inteira.
Em contraste com o lado negativo dos efeitos colaterais tão comuns nos tratamentos com medicamentos para a epilepsia do tipo “petit mal”, a abordagem espiritual para a cura promovida por minha mãe resultou em uma série de efeitos colaterais positivos, ou seja, bênçãos colaterais inesperadas que se acumularam durante o decorrer dos anos. Elas incluem a cura da timidez como um subproduto do cultivo do senso espiritual, o que implica podermos estar plenamente atentos quando estamos na presença de outras pessoas e, consequentemente, podermos nos sintonizar com a natureza divina dessas pessoas.
A bênção colateral mais abrangente dessa experiência é a consciência mais aguçada de que nenhuma condição é mais duradoura do que nossa conexão com Deus, a Mente divina. Essa conexão é tão inquebrantável como a do sol com seus raios. E isso nos garante que o desejo de superar qualquer problema, seja ele físico, emocional, financeiro, ou de relacionamento, é, em realidade, um chamado para que nos envolvamos na aventura divina de descobrirmos a Deus continuamente, como também na aventura de descobrirmos a nossa própria plenitude e perfeição como Seus filhos. Durante tempos difíceis, sempre me lembro dessa experiência, e isso alimenta minha fé e coragem.
Felizmente, sabe-se que a maior parte das crianças com epilepsia do tipo “petit mal” fica livre dessa doença com o passar do tempo. Será que, no meu caso, independentemente dos esforços metafísicos estimulados por minha mãe, isso teria acontecido? Talvez, mas eu não teria recebido a influência transformadora da Mente divina quando recorremos a Deus para a cura. Nunca houve um presente maior que esse, em minha vida.