Numa ocasião turbulenta e muito aterradora de minha vida, em que eu lutava contra um problema que, embora não fosse de natureza pessoal, ainda assim era muito perturbador, comecei a perguntar-me porque me competia enfrentá-lo. Num relato bíblico que fazia parte da lição-sermão do Livrete trimestral da Ciência Cristã, encontrei a ajuda necessária. Esse relato dizia que Jesus andou sobre o mar para ir ao encontro de seus discípulos durante uma tempestade violenta. Na lição estava citado o Evangelho de João (6:15–21), mas Mateus (14:22–33) e Marcos (6:45–51) também contêm descrições desse acontecimento no ministério de nosso Senhor. Essa narrativa me impressionou vivamente, e ao ponderá-la, verifiquei que era capaz de perceber os desafios a partir de uma perspectiva mais espiritual, que resultou em grande consolo ao meu coração.
É fácil acreditar que uma vida de obediência e serviço a Deus tem de estar cheia de felicidade e harmonia. De fato, essas e outras qualidades correlacionadas se manifestam com maior freqüência quando alguém reivindica na consciência a realidade da existência espiritual, onde não existem desafios à onipresença e onipotência de Deus, o bem. O cenário humano, no entanto, jamais está em perfeita calma. Isso acontece, em parte, devido ao ódio do mundo contra a Verdade e, em parte, porque o homem reluta em defender a Verdade contra a onda de opinião popular e incessantes pretensões de uma identidade separada de Deus, na eterna busca de prazer, lazer e diversão.
Como o atesta o estudo da história bíblica e dos acontecimentos na vida da Sra. Eddy, a existência humana livre de percalços não é a característica dos grandes líderes religiosos ou de pensadores espirituais profundos. José, Moisés, Paulo e o próprio Cristo Jesus, todos eles passaram por graves provações. Por isso, a grande tradição da fé, da qual todos nós somos herdeiros, não promete uma vida livre de problemas. No entanto, faz outras promessas: em primeiro lugar, que esses problemas não nos destroem se permanecemos firmes ao lado de Deus; em segundo lugar, que chegará o momento de a provação se transformar em bênção, como aconteceu com o patriarca Jacó (ver Gênesis, caps. 32 e 33); em terceiro lugar, que ao sermos forçados a examinar nossa vida e nossas prioridades e a deixar de lado o que não é essencial diante da crise, descobriremos mais de nossa verdadeira identidade espiritual e passaremos a usufruir de uma vida regenerada inteiramente nova.
A experiência de Cristo Jesus e seus discípulos junto ao mar da Galiléia e navegando nesse mesmo mar, ilustra essas promessas. No contexto de cada evangelho, a narrativa de que Jesus andou sobre o mar segue de perto uma demonstração significativa de seu poder dado por Deus, durante a qual seus discípulos foram testemunhas e participantes de algo que foi considerado um milagre: alimentar cinco mil pessoas. Isso posto, Jesus dispersou as multidões e ele mesmo se retirou para orar, enquanto os discípulos atravessavam o mar.
Até hoje, no Mar da Galiléia (que na realidade é um grande lago de água doce) verificam-se tempestades súbitas e muito violentas. Alguns dos discípulos eram marinheiros experientes e, não resta dúvida, acostumados desde a infância a pescar nas águas desse mar. E é de se supor que o barco deles fosse muito bom. A bondade e as aptidões humanas, no entanto, desde os tempos antigos até os dias de hoje, não afastam tempestades. Ainda assim, os discípulos estavam a salvo nessa pequena embarcação. Independente de suas aptidões como navegadores ou da qualidade do barco, estavam a salvo porque estavam na presença de Deus, e eles deviam saber disso. Acaso não haviam testemunhando pouco tempo antes uma prova tangível da terna solicitude de Deus por Seus filhos, alimentando-os todos? Ainda assim, diante do vento estridente e das ondas ameaçadoras, sentiram medo. Talvez se perguntassem (como eu perguntava a mim mesmo): "O que fizemos para merecer este castigo? E como sairemos vivos?"
Foi a essa altura que Cristo Jesus surgiu, andando sobre a superfície turbulenta da água. Ele, tal como os discípulos, se encontrava no meio da tempestade. Mas numa atitude bem diversa da dos discípulos, não se deixou impressionar pela fúria da tormenta. Em momento algum pensou que afundaria. A Sra. Eddy faz alusão a esse cenário todo num dos seus poemas, intitulado "Cristo, meu Refúgio":
Avisto sobre o bravo mar
O Cristo andar,
E com ternura a mim chegar,
E me falar.Hinário da Ciência Cristã, No. 253.
E foi isso mesmo que aconteceu aos discípulos. No entanto, verificou-se primeiro outra ocorrência de grande significado.
Os discípulos viram Jesus e é de presumir-se que o reconheceram. Contudo, ficaram tão surpresos (um dos relatos do evangelho diz que pensavam estar vendo um fantasma) a ponto de não o convidarem para entrar no barco! Só após Cristo Jesus lhes ter dito: "Sou eu. Não temais," Mateus 14:27. é que conseguiram superar a inércia induzida pelo medo, e então o aceitaram. E depois, o que aconteceu? A tempestade cessou de imediato.
Quão importante é para todos, não só reconhecer o Cristo, mas em verdade receber a presença do Cristo em nossa vida, sejam quais forem as circunstâncias em que ele se revele! É preciso estarmos prevenidos contra as noções preconcebidas de como Deus fará Sua obra, e contra as sugestões visuais de que haveria um desastre iminente, pois isso paralisaria nossas providências e nossa expectativas. Às vezes é precisamente dentro do "bravo mar", em meio às maiores tristezas e amargas provações, que avistamos "o Cristo andar".
Tal como indica essa narrativa bíblica, o Cristo está sempre presente, até mesmo nas horas de provação. Cristo Jesus não desertou os discípulos na hora do perigo, e o mesmo poder-Cristo, essa unidade com Deus que o homem Jesus exemplificou, também não haverá de desertar-nos, a nós que somos seus discípulos dos dias de hoje. Mas tal como nossos colegas do primeiro século, temos de dar as boas vindas ao Cristo e reconhecer para nós mesmos, e para os outros, que acolhemos o Cristo de maneira ativa. Precisamos fazer lugar para o Cristo em nossa vida e em nosso coração, vivendo de acordo com a compreensão de que somos em verdade idéias espirituais, para sempre inseparáveis de Deus. E, desse modo, veremos que nossa experiência presente foi curada, redimida, e por fim transformada.
Só o Evangelho de Mateus preserva o relato de um detalhe adicional dessa história: o esforço de Pedro em vir ao encontro de Jesus sobre a água. Esse aspecto da tradição foi algo de especial utilidade para mim quando, mal acabando de passar o momento crítico antes mencionado, fiquei incapacitada durante várias semanas. Conquanto viesse orando todos os dias, não estive alerta o bastante para orar por mim de maneira específica!
A Bíblia afirma que Pedro, reconhecendo Cristo Jesus, que se aproximava andando sobre a água, pediu e obteve permissão para sair do barco e caminhar ao encontro de Jesus. No início, tudo correu bem. As obras feitas por Cristo Jesus resultaram da ação do Princípio divino e não eram milagres que se produziam só uma vez. Por isso, Pedro conseguiu andar sobre a água tal como Jesus fazia. Mas, quando desviou o olhar e se deixou sugestionar pelo tumulto à sua volta, Pedro começou a submergir.
Percebi que havia permitido que meu pensamento deixasse de enfocar o Cristo, a mensagem de Deus para a humanidade, havia deixado de olhar para aquilo que nos mostra a nossa verdadeira natureza. Começara a acreditar que algumas obrigações extras recaídas sobre mim eram de minha responsabilidade pessoal. Aliás, talvez como o próprio Pedro, eu houvesse assumido aquela responsabilidade como prova de minha própria devoção pessoal, prova de bravura e de vigor! Não é de surpreender, pois, que logo me visse envolvida pelas volumosas ondas da autoconsciência e do medo de fracassar. Aos poucos fui recuperando meu verdadeiro vigor e a liberdade, despindo-me da falsa crença de ser um agente independente e passei a seguir de modo ativo o Cristo, que estava a proclamar as boas-novas de que eu era inseparável de Deus e dEle dependia por completo. Esse reconhecimento não só resultou na cura física mas também em regeneração, num sentido melhor e mais claro de minha própria identidade espiritual. E minha capacidade de ajudar outros passou a estar mais bem alicerçada.
Certa noite, um amigo disse algo direto para mim, enquanto falávamos sobre essa experiência de Pedro. Ressaltou ele que Cristo Jesus não permitiu que Pedro morresse afogado, mas logo estendeu a mão e o puxou para fora dágua. O mesmo faz conosco o Cristo sempre presente e eterno. Quando aceitamos a mão estendida do Cristo e o acolhemos em nossa consciência, apesar das nuvens que voluteiam acima de nós, do silvo dos ventos e da espuma das ondas, somos levantados acima do tumulto. Em nossa vida e em nosso coração passa a reinar grande bonança.
Pensando no desafio com que me confrontei, estas palavras da Sra. Eddy (Message to The Mother Church for 1900) adquiriram significado profundo para mim, expressando a lição que aprendi então. Ela escreve: "Acaso existe mais de um Cristo, e haverá um segundo advento do Cristo? Existe um só Cristo. E de eternidade a eternidade esse Cristo nunca está ausente. Quando em dúvida e na penumbra talvez digamos como Maria o disse na antiguidade: 'Não sei onde o puseram.' No entanto, ao contemplarmos o Cristo sobre as ondas do mar encapelado da vida, tal como Pedro, acreditamos na segunda vinda e passamos a andar mais perto do Cristo; mas achamo-nos tão distantes da corporificação da Verdade, que vezes sem conta nossa tentativa, até certo ponto, é falha, e então clamamos: 'Salva-me, ou eu pereço!' Mas é aí mesmo que bem perto se encontra o terno e carinhoso Cristo, que nos presta ajuda e nos salva de nossos temores. Dessa forma andamos aqui embaixo enquanto aguardamos o pleno advento do Cristo, até que a longa noite passe e desponte sobre a manhã o resplendor do dia eterno." '00., p. 7.
A adversidade ergue-nos mais alto à medida que compreendemos e demonstramos mais o todo-poder de Deus. Essa adversidade que tive de enfrentar, ajudou-me a perceber quão mais importante é a oração em quietude do que as prementes ocupações diárias. Se somos castigados pelas provações, devemos examinar bem nossa rotina e tornar a ajustar nosso enfoque de acordo com prioridades e perspectivas mais espirituais. São elas que nos permitem conseguir vitórias. Para mim, a lição mais importante dessa experiência toda foi a eterna presença do Cristo e o fato de que eu mesma sou inseparável de Deus como Seu filho perfeito e espiritual. Se estivermos em Cristo nas horas dos maiores desafios, não precisamos temer o fracasso, o depauperamento ou a inaptidão.
 
    
