Arauto — Na sua opinião, qual é o verdadeiro potencial da mulher?
Cláudia Costin — A mulher tem um potencial muito grande. Não podemos esquecer o fato de que Deus criou a cada um de nós, homens e mulheres e temos missões complementares. Os dois podem trabalhar juntos para fazer um mundo melhor.
Arauto — A mulher está mais presente hoje em dia na sociedade e no mercado de trabalho do que há alguns anos, não é verdade?
Cláudia — Sim. Hoje, no Brasil, ela está mais presente no mercado de trabalho, nas artes, nos sindicatos, nas atividades comunitárias em geral. Mas, não há nenhuma mulher na presidência ou na diretoria das federacões de sindicatos. Na maioria das empresas, privadas e públicas, a mulher está ausente da diretoria. Ela ainda tem um longo caminho para trilhar, no que se refere à igualdade de oportunidades.
Arauto — Quais seriam alguns dos problemas que existem em relação a isso?
Cláudia — Há três questões importantes. A primeira é a mulher aprender a acreditar no seu potencial. Percebemos, e algumas pesquisas reforçam isso no Brasil, que a mulher muitas vezes teme não ter todo o potencial para desempenhar atividades que, até há bem pouco tempo, eram tidas como exclusivamente masculinas. A segunda questão é a discriminação que ainda existe por parte de quem seleciona pessoas para postos importantes. E uma terceira: o cuidado das crianças não é compartilhado de forma igual pelos pais. com quem ficam as crianças? Só creches não é a solução. Quem dá assistência afetiva às crianças? Infelizmente, muitos maridos não foram preparados para dividir tarefas com as mulheres ou dividir o cuidado e o ensino de valores. Essa terceira questão é muito séria.
Arauto — A Sra. acha que o papel da mulher é importante na formação de um cidadão?
Cláudia — Primeiro, eu acho que a família é o lugar central para se aprenderem valores. A creche e a escola podem substituir uma parte disso, mas a família é o lugar por excelência para que valores sejam transmitidos. A mulher tem um papel primordial na formação dos cidadãos do futuro.
Arauto — Muitos falam da igualdade entre homens e mulheres. O que a Sra. tem a dizer sobre isso e como poderíamos encarar o assunto sob uma perspectiva espiritual?
Cláudia — Se Deus criou homens e mulheres, houve essa necessidade. Acho que eles se complementam. Não é uma igualdade no sentido de agirem de formas idênticas. Pelo contrário, na minha experiência, percebo que toda vez que a mulher tenta imitar comportamentos masculinos, ela não se sai bem, porque não está usando o melhor de si. A mulher realiza seu potencial quando não nega sua condição feminina. A igualdade não deve ser definida em termos de "agir como os homens", mas sim, em termos de oportunidades de crescer, de se desenvolver como ser humano, de realizar todo seu potencial. Cabe a ambos, homens e mulheres buscar o crescimento espiritual. E isso é importante num casal. Um casal que busca crescer junto espiritualmente, tem o vínculo fortalecido. Todavia, cada um, marido e mulher, tem um caminho próprio nessa jornada espiritual. A vida é uma contínua busca de crescimento espiritual, um esforço contínuo para ser melhor.
Arauto — A senhora lê diariamente a Torá. Isso a ajuda a enfrentar os desafios de profissional e de mãe?
Cláudia — não tenho a menor dúvida. Se tem uma coisa que me harmoniza, que me prepara para os desafios da vida profissional e doméstica, com dois filhos, é a Torá, a espiritualidade, a busca de crescimento espiritual.
Arauto — A Sra. chegou a ser a única ministra do governo Fernando Henrique Cardoso. Houve resistência para chegar ali, principalmente numa sociedade como a nossa, no Brasil?
Cláudia — Encontrei alguma dificuldade. Não posso negar. Na verdade, existe certa cobrança maior, quando se trata de mulheres. Mas não tive a dificuldade que usualmente as mulheres encontram, porque eu já tinha uma vida profissional construída. Já tinha feito mestrado e doutorado, já tivera cargos elevados, então não foi tão difícil. O mais difícil foi harmonizar a vida profissional nesse grau de intensidade com a vida familiar, sem virar uma pessoa estressada, tensa, agressiva. Procurei manter minha doçura como pessoa.
Arauto — A leitura da Torá ajudoua a se sentir inspirada para tomar decisões?
Cláudia — A leitura da Torá me ajudou muito. Estudava uma vez por semana com um rabino. Eu ia todo shabat à sinagoga e isso foi uma fonte de força.
Arauto — O que a levou a lutar por uma legislação contra o assédio sexual? Que passos a Sra. deu e quais foram os resultados?
Cláudia — Eu não era propriamente uma feminista, quando assumi o cargo. Nunca tive uma militância feminista, apesar de achar que a mulher deve ocupar posições. Mas, assim que assumi o cargo, muita gente veio me relatar histórias sobre assédio sexual, e algumas histórias penosas. É triste saber que, num país que já chegou a um certo patamar de desenvolvimento, como é o nosso caso, pelo menos nas grandes cidades, ainda haja exemplos de discriminação contra a mulher, de assédio sexual. Ao tomar conhecimento dessas histórias, confirmadas por estatísticas, examinei vários estudos sobre o assunto. Achei, então, que era importante defender a mulher e a humanidade contra o assédio sexual, porque ele prejudica não apenas a mulher, mas as famílias e a sociedade toda. Uma sociedade que convive com crianças abandonadas, com assédio sexual e com discriminação contra mulheres, ou grupos raciais, é uma sociedade que ainda não cresceu espiritualmente, que precisa de ajuda para esse crescimento. Daí o porquê de defender uma legislação contra o assédio sexual.
Arauto — A senhora conseguiu ver resultados dos seus esforços? Como está hoje a questão do assédio sexual no Brasil?
Cláudia — Ainda não chegamos a resultados no sentido de termos uma legislação, mas acho que a consciência de que as mulheres podem reclamar, melhorou muito. No caso do governo federal, reforçamos a comunicação com as funcionárias públicas para elas canalizarem as reclamações junto aos órgãos de recursos humanos. As delegacias de mulheres no Brasil, são específicas para atender às mulheres que muitas vezes ficam temerosas de se dirigirem a delegacias normais, onde poderiam não receber o respeito devido. Há um canal agora para contar o que aconteceu com elas, em relação não só ao assédio sexual, mas também à violência doméstica que, infelizmente, é outro problema comum com mulheres e idosos, no nosso país.
Arauto — Será que a espiritualidade pode ajudar as mulheres a vencer esse medo a que a Sra. se refere?
Cláudia — O medo é sempre um inimigo do crescimento, seja no sentido de denunciar as agressões, seja no sentido de crescer espiritualmente. Falo sobre o medo de ser feliz, de constituir família, de tudo. A espiritualidade é sempre uma aliada contra o medo. O medo é o lado escuro da vida e a espiritualidade traz luz.
Arauto — Por que trabalhar para o governo? Por que dedicar-se a uma vida pública?
Cláudi — Quando fiz a opção por um curso universitário, pensei numa profissão em que pudesse ajudar na formulação de políticas públicas mais justas. Escolhi a administração pública, uma profissão que eu considero apaixonante. A possibilidade de melhorar a qualidade dos serviços, a política de saúde, de educação, de infraestrutura, pode ser bastante encantadora para um profissional.
Arauto — A Sra. poderia dizer que seu desejo por um país mais justo é, na verdade, um desejo de fazer o bem ao próximo? Há alguma ligação com a espiritualidade?
Cláudia — Não tenho a menor dúvida. Eu acho que Deus deu ao ser humano um desejo inato de fazer o bem ao próximo. Tanto que, em hebraico, usamos a palavra tsedaka, que quer dizer tanto justiça quanto caridade, porque as duas coisas caminham juntas. Fazemos caridade porque é o imperativo da justiça. Essa força para fazer o bem, está presente em todo ser humano. Quando fazemos algo que, de alguma maneira, beneficia o próximo, nos sentimos bem. Estando no governo, temos uma possibilidade maior de fazer isso. Não que os outros não tenham, mas no governo atingimos de forma mais abrangente esse objetivo. Essa possibilidade me encanta!
Arauto — Para encerrar, o que a Sra. diria para as mulheres que estão lutando para conseguir o seu espaço, para encontrar sua identidade? Será que a espiritualidade poderia ajudá-las a encontrar o verdadeiro valor da feminilidade, o verdadeiro valor da mulher?
Cláudia — Não tenho dúvida. A primeira coisa que eu diria é: "Acreditem em vocês mesmas!" O grande problema é que muitas vezes conseguem nos fazer crer que somos frágeis. No entanto, a vida concreta mostra a grande força que as mulheres têm. Eu diria para as mulheres: "Acreditem em vocês mesmas. Deus nos pôs no mundo com uma missão. Vale a pena descobrir qual é a missão de cada uma e investir nela, investir o máximo possível. Nossa missão pode ser educar os filhos ou realizar outras tarefas enormes. O importante é aprender a identificar essa missão e a investir nela."
