Na décima terceira parte, falamos sobre a experiência da transfiguração de Jesus no alto do monte. Entretanto, há ainda muitas outras lições sobre o discipulado a serem aprendidas pelos seguidores de Jesus, lições que os levarão diretamente do alto do monte para o vale, onde eles irão enfrentar demônios renitentes e receber lições sobre a verdadeira grandeza.
9:14-29 Depois da transfiguração, Jesus e os três que o acompanhavam desceram do monte para se juntar aos outros. Adiante, viram que havia numerosa multidão ao redor dos discípulos e que os escribas discutiam com eles. Vozes alteradas, discussões. As pessoas contestavam, se acotovelavam, exigiam respostas. Que contraste entre o ambiente do monte e o do vale! E logo toda a multidão, ao ver Jesus, tomada de surpresa, correu para ele e o saudava. Teria ele as respostas que eles queriam?
Então, ele interpelou os escribas: Que é que discutíeis com eles? Antes que outro pudesse responder, um homem do meio da multidão disse: Mestre, tenho andado à tua procura e trouxe-te o meu filho, possesso de um espírito mudo, que não lhe permite falar. Esse demônio, onde quer que o apanha, lança-o por terra, e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. A detalhada descrição feita pelo pai mostra a gravidade da situação. Reguei a teus discípulos que o expelissem, e eles não puderam. Aí estava a razão da discussão: os discípulos haviam falhado.
Jesus então dirige aos discípulos uma reprimenda inflamada: Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos sofrerei? É um desabafo exasperado. Ele tem tanto a realizar e tão pouco tempo para fazer o que precisa! Apesar disso, ele persiste, demonstrando paciência infinita com uma geração que precisa ser ensinada e preparada para o dia em que ele não estiver mais entre eles.
Trazei-mo, ordenou Jesus. E trouxeram-lho e o espírito imediatamente o agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando. Essa criança muda não pode protestar, mas o demônio não se submete, sem opor resistência. Em uma violenta manifestação de poder, o demônio arremessa o menino em todas as direções, com total descaso por sua vida — uma visão constrangedora e angustiante.
Jesus então pergunta ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? E o pai responde: Desde a infância. E acrescenta: o demônio muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar. Presenciando, com uma sensação de impotência, esses ataques contra seu filho, o homem suplica desesperadamente: Se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos. Na ausência de Jesus, ele já havia recorrido aos discípulos, mas só tinha conseguido ficar mais angustiado. Agora ele está realmente suplicando a Jesus: "Se podes nos ajudar, ajuda-nos!"
Ao que lhe responde Jesus: Se podes! Seu tom era de compaixão, ou tratava-se de uma leve repreensão? Nunca fora uma questão de capacidade, mas sim de fé. Jesus então lhe diz: Tudo é possível ao que crê. A fé se recusa a limitar o poder de Deus. A fé supera o medo e a dúvida. E imediatamente o pai do menino exclamou ... Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé! O pai confessa sua fé, com toda a sua deficiência, com profunda humildade, e pede maior compreensão.
Vendo que a multidão começara a se aglomerar em volta deles, Jesus repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai deste jovem e nunca mais tornes a ele. O espírito tem de obedecer, mas não antes de uma arremetida final e maligna. O espírito, agitando-o muito, saiu, com muita violência, deixando-o como se estivesse morto. Aliás, muitos diziam: Morreu. Estaria havendo outro fracasso? Não! Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou, são e forte.
Mais tarde, os seus discípulos lhe perguntaram em particular: Por que não pudemos nós expulsálo? Ao que Jesus lhes respondeu: Esta casta não pode sair senão por meio de oração e jejum. A oração é o canal da fé; não é utilizada para implorar a cura a Deus, mas para entrar em comunhão com Ele, afirmando o que já é verdadeiro. A oração é o antídoto para a fraqueza da fé; revela o poder e a força da fé. Embora alguns dos melhores manuscritos não incluam a palavra jejum, este é considerado um complemento da oração, um meio de receber a graça. Sabemos que os discípulos já haviam recebido autoridade para expelir demônios. Estariam eles confiando em si mesmos, em vez de confiarem em Deus? Teriam eles se esquecido de que a pessoa que tem grande fé demonstra também uma grande humildade perante Deus? Havia muitas lições a serem aprendidas.
9:30-32 Continuando pelo Caminho, eles passavam pela Galiléia, em direção ao sul, com destino a Jerusalém. Viajavam secretamente, pois Jesus não queria que ninguém o soubesse. O ensinamento continuava e Jesus lhes dizia: O Filho do Homem será entregue nas mãos dos homens, e o matarão. Essa segunda predição do que iria acontecer, é apresentada como um fato. Ele será entregue por um dos seus, para ser morto. Mas, três dias depois da sua morte, ressuscitará. Como havia acontecido antes, os discípulos não compreendiam isto e temiam interrogá-lo. Essas declarações de Jesus eram contrárias a todas as idéias que eles acalentavam sobre o "Messias", para não mencionar que todos eles tinham um relacionamento muito particular com Jesus, e não conseguiam sequer pensar na possibilidade de que alguém pudesse matá-lo. Eles tinham receio de descobrir o que ele estava querendo dizer. Era melhor manter uma certa distância, não importuná-lo.
9:33-37 Quando chegaram a Cafarnaum, ele lhes perguntou: De que é que discorríeis pelo caminho? Mas eles guardaram um silêncio, um silêncio significativo. Depois de Jesus tê-los preparado para sua morte, eles haviam ficado a discutir entre si sobre qual era o maior, quem era o mais importante entre eles! Não tinham entendido nada do que Jesus havia dito, nem as implicações de suas palavras para eles, os seguidores do Caminho.
Apesar do silêncio deles, Jesus sabia do que haviam falado. Ele se sentou, chamou os doze e lhes disse: Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos. Não há aqui uma advertência contra a ambição, mas um novo conceito de grandeza. A verdadeira grandeza implica prestar um serviço. A palavra usada para servo pode também significar ministro, com a mesma raiz do verbo "ministar", por isso a frase acima significa: "Ministrará a todos". Essa palavra refere-se ao servo que executa trabalhos domésticos, serve refeições e lava os pés dos superiores. A humildade é a verdadeira medida da grandeza.
Pegando uma criança, colocou- a no meio deles e, tomando-a nos braços, disse-lhes: Qualquer que receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe. Esse não é um conselho para que eles sejam como crianças; na verdade, essa mensagem diz respeito à atitude deles em relação às crianças. Eles devem receber, acolher as crianças e ser bondosos para com elas. Eram palavras radicais para ouvintes do primeiro século da era cristã! Naquela época, as crianças não eram valorizados, porque não podiam dar nada. Elas não podiam ajudar ninguém a progredir na carreira, nem tinham conexões influentes. Elas não sabiam fazer nada e tinham de ser ensinadas. As crianças eram os membros mais insignificantes da sociedade.
A grande lição é que, ao invés de se preocupar com a própria grandeza ou com a posição que ocupavam em relação aos outros, os discípulos deveriam procurar servir os membros mais indefesos da sociedade, aqueles que não podiam dar nada em troca. Eles devem fazer isso com uma atitude de humildade, de altruísmo. Eles deveriam, em realidade, negar a si mesmos. A verdadeira grandeza consiste em servir os que precisam de ajuda. Aí então os discípulos estarão seguindo o exemplo de Jesus. Qualquer que a mim me receber, não recebe a mim, mas ao que me enviou. Acolher os que são considerados insignificantes é acolher a Deus.
Esta parte da série traz outro exemplo de ensinamento corretivo, necessário para o desenvolvimento da compreensão dos discípulos. Este ensinamento poderia ser resumido numa palavra: "humildade" e os próximos artigos vão falar sobre "tolerância" e incluirão a versão de Marcos para o Sermão do Monte.
