Simão, filho de Jonas, foi um discípulo de muito potencial. Ele deixou tudo para seguir seu amado Mestre, Jesus Cristo. Com uma percepção espiritual profunda, ele é o único que declara a verdadeira identidade de Jesus como o Messias, “o Filho do Deus vivo”. Por isso, Simão recebe as chaves do Reino dos Céus e o novo nome de Pedro, que significa “rocha”.
Contudo, existe uma sombra que persegue a vocação de Pedro, uma sombra da qual ele parece não se revelação de Pedro sobre a identidade de Jesus, o Mestre anuncia a própria e iminente crucificação e ressurreição. Pedro o afasta e o repreende: “Que Deus não permita! Isso nunca vai acontecer com o senhor!” Chocado, a reação de Jesus é rápida e áspera: “Saia da minha frente, Satanás! Você é como uma pedra no meu caminho para fazer com que eu tropece, pois está pensando como um ser humano pensa e não como Deus pensa” (Mateus 16:22, 23).
Mais tarde, com a mente ainda voltada para coisas materiais como honra e glória, Pedro é incapaz de compreender por que Jesus, depois de compartilhar sua última ceia, se humilharia lavando os pés de seus discípulos. “O senhor nunca lavará os meus pés!” Pedro diz a ele. Jesus responde: “Se eu não lavar, você não será mais meu discípulo!” (João 13:8).
Por que o ato de Jesus é tão importante, que a recusa de Pedro em participar dele o impediria de ter qualquer parte com o Mestre? Ao se curvar para lavar os pés de seus discípulos, Jesus ensinou uma lição de humildade e amor, exatamente na véspera de sua crucificação e subseqüente glorificação. É interessante notar que o Evangelho de João, no qual esse relato aparece, usa a frase “ser levantado” para unir as experiências de Jesus da crucificação (levantado sobre a cruz) e a ressurreição (elevado até seu Pai). Considerar essas duas experiências como uma só, unifica sacrifício e glória como exigências para o verdadeiro discipulado, unindo a cruz e a coroa como inseparáveis.
Pedro tem a coroa firmemente em seu poder, ou assim ele pensa. Agora, insiste para ser lavado por inteiro, talvez sentindo que isso aumentará seu prestígio perante Jesus. Entretanto, Jesus Ihe diz claramente: “Agora você não entende o que estou fazendo, porém mais tarde vai entender” (João 13:7). Por meio de sua auto-imolação no lava-pés, Jesus profetiza sua iminente morte na cruz. “Vocês entenderam o que eu fiz?” pergunta Jesus com insistência. “Assim como eu os amei, amem também uns aos outros” (João 13:34).
Porém, Pedro não é capaz de amar como seu Mestre. Embora tivesse declarado que daria sua vida por ele, dentro de poucas horas, quando Jesus é preso, Pedro nega por três vezes que conhece Jesus. A promessa de Pedro se dissolve em lágrimas amargas. Contudo, de seu fracasso advém a morte de seu orgulho, ou seja, a cruz para Pedro, sua cristianização, o próprio caminho para sua promessa de ressurreição. Ele está sendo inteiramente lavado.
Pedro talvez se perguntasse: “Por que não a coroa sem a cruz”? O paradoxo supremo, ou seja, para que sejamos salvos, precisamos “morrer” ou desistir de todas aquelas coisas que se interporiam no caminho do amor perfeito que Jesus demonstrava, encontra-se no âmago das “boas-novas” do Novo Testamento, dos Evangelhos. Ser salvo, vai muito além da mera libertação do mal para uma total transformação e redenção de nossa vida. “Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á” (Mateus 10:39).
Assombrosamente, mesmo depois de o próprio Jesus ter abandonado tudo pelos seus seguidores, depois de sofrer uma crucificação humilhante, de passar três dias na tumba e de sua subseqüente ressurreição, os discípulos vão pescar. Talvez eles necessitassem de tempo para digerir o que haviam acabado de testemunhar, ou seja, a morte do que eles achavam que conheciam e a nova realidade na qual estavam agora imersos. Particularmente, Pedro tinha de lutar com seu próprio fracasso na fé.
Com o despontar do dia, suas redes e sonhos aparecem vazios. Contudo, repentinamente lá da praia, a voz de um estranho grita por eles para que lancem sua rede para o lado direito do barco. Contudo, é a rede deles, prestes a rebentar com tantos peixes, que indica a identidade do estranho na praia. A impetuosidade faz Pedro se lançar fervorosamente na água, a fim de se juntar ao Mestre.
Pedro e Jesus têm questões não resolvidas. Jesus lhe pergunta: “...você me ama mais do que estes outros me amam?” (João 21:15). Você me ama? Você me ama? Três vezes Pedro havia adormecido no Getsêmani; três vezes havia negado a Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote; e agora, três perguntas e três respostas, uma mais premente que a outra, lembrando a ambos o momento da crucificação.
Assim como o Jesus ressuscitado retornou para Tomé, a fim de conduzi-lo da dúvida para a fé, ele também regressou para Pedro e outros, para movê-los da fé para a ação. É o amor e a paciência do Cristo expresso por Jesus na restauração de um dos seus, que leva Pedro para além deste momento de confrontação, rumo à cura e ao discipulado. O amor de Pedro se torna agora muito mais do que o simples movimento dos lábios. Sua nova vida, voltada para o serviço das ovelhas de Jesus, se torna um sacramento, um instrumento de graça. A fé na ressurreição demorou a surgir no pensamento de Pedro, mas agora realmente aparece.
“Mesmo que todos o abandonem”, Pedro havia alardeado, “eu nunca abandonarei o senhor” (Marcos 14:29). Pedro, e todos os que o seguem, chegaram à conclusão de que não podemos fazer as coisas à nossa maneira ou então trabalharemos em vão. Mas, na presença do Cristo ressuscitado, novas possibilidades surgem num piscar de olhos. O que parecia uma rede vazia está agora prestes a se romper.
Dois milênios mais tarde, ainda lemos sobre o arrependimento, a regeneração e o vigor espiritual de Pedro, encontrando neles coragem e perdão. Como Pedro, somos todos filhos de Deus, filhos da promessa da ressurreição. Assim também, na medida em que cada um de nós tomar a cruz, demonstrando o amor altruísta e o sacrifício que isso acarreta, alcançaremos o ponto em que não haverá nada do “velho eu” que possa ser deixado entre nós e Deus. Desconheceremos a divisão da vida; seremos erguidos; assim como a cruz, também a coroa.
