Ela não parecia uma imigrante típica, mas sua situação delicada correspondia à de uma pessoa que havia trilhado o difícil caminho de viver em um novo país e aprender um novo idioma.
Certo dia, recebi uma ligação na qual me contaram sobre uma mulher, de língua espanhola, que estava vivendo em circunstâncias difíceis, na periferia de nossa comunidade. Ela era do Peru e havia se casado com um americano, que conhecera apenas alguns dias antes do casamento. Ela não falava inglês e ele não falava espanhol. O homem havia escrito a ela cartas (traduzidas por uma agência) dizendo que tinha um bom emprego, segurança financeira e que vivia na capital do estado; todas as declarações eram mais auspiciosas do que verdadeiras.
Soube que ela provinha de uma boa família, havia trabalhado como enfermeira e achava que a vinda para os Estados Unidos significaria uma vida melhor e prosperidade. Seu marido, embora profundamente apaixonado por ela, vivia em um trailer dilapidado que pertencia à sua mãe, a milhas de distância da cidade mais próxima. Ele não tinha um emprego e estava endividado porque havia emprestado dinheiro de um banco para voar até o Peru e se casar com ela.
Quando ela entrou no trailer pela primeira vez, ficou desesperada. Eles não tinham nenhum dinheiro, pouquíssima comida e, ainda por cima, ela sentia medo da sogra. Finalmente, essa mulher e eu passamos a orar para encontrar uma saída daquele pesadelo.
Milhões de pessoas se deslocam de um lugar para outro
Os Estados Unidos estimam que, entre 1960 e 2005, 190 milhões de pessoas no mundo inteiro imigraram par um outro país. Desses, 13 milhões foram considerados refugiados de guerra e de desastres naturais. Isso significa que 93 por cento de toda a imigração internacional é motivada por fatores econômicos e sociais.
Dentro desse mesmo período de 45 anos, um número estimado em 38 milhões de estrangeiros, algo como 20 por cento dos imigrantes no mundo, vieram para os Estados Unidos. Aproximadamente quatro milhões chegaram entre 2000 e 2005. De 1960 a 2005, a Ásia teve 53 milhões de imigrantes e a Europa recebeu 64 milhões de pessoas. A Austrália e a Nova Zelândia tiveram somente 4,7 milhões de imigrantes, mas isso representa quase 20 por cento de suas populações totais.
Os imigrantes costumam ser bem-vindos em comunidades onde existe necessidade de mão-de-obra, populações em idade avançada ou compaixão pelo sofrimento de refugiados. Por outro lado, os cidadãos que lutam para ter uma vida melhor em seu próprio país, para si mesmos e para seus filhos, talvez vejam os recém-chegados como competidores de recursos já escassos, ou um fardo para a sociedade, ao invés de uma bênção. Afinal, os imigrantes necessitam de empregos, terra e benefícios sociais, normalmente proporcionados aos cidadãos daquela nacionalidade.
Entretanto, existe uma dimensão espiritual. Migração, em seu significado espiritual, pode ser semelhante ao batismo espiritual. Como o batismo, a migração pode representar um deslocamento do pensamento do material, ou seja, concentração na busca por alimento, empregos e recursos físicos, rumo ao espiritual e à provisão da parte de Deus de inspiração, novas idéias e oportunidades de crescimento.
O batismo espiritual nos transforma pelo arrependimento, deslocando o pensamento da materialidade em direçāo a Deus, o Espírito divino. Ele purifica a forma de pensar. Mesmo nossos bons pensamentos e motivos são elevados e sublimados, até que eles se amoldem ao Cristo, que é a idéia espiritual de Deus, ou Verdade divina, manifestado nos corações e vidas humanas.
O arrependimento e a purificação do pensamento pode se assemelhar a uma migração espiritual de um sentido material de vida, para um sentido mais claro, mais espiritual. O ato de recorrer ao Cristo, a idéia mais elevada, literalmente indica o caminho para a libertação mental e física. Mudanças morais e espirituais no pensamento são manifestadas em condições humanas melhoradas. Quer ou não mudemos para outro lugar, em algum momento, todos precisamos fazer a jornada espiritual, que parte das perspectivas materiais sobre a vida, rumo a um conceito de libertação espiritual a respeito do ser. Esse é o tipo de migração que Deus governa, por meio de leis que abençoam igualmente a todos.
Alguns exemplos bíblicos
A Bíblia contém várias histórias de migração mental governada pela lei divina. Abrão, por exemplo, seguiu a orientação de Deus, deixou sua terra natal de Ur e se tornou um imigrante. Ele não estava fugindo da guerra ou da fome, mas progredindo mental e espiritualmente, agindo sob intuição espiritual. Tal intuição o inspirou na disposição de deixar a tradição e buscar novas perspectivas sobre Deus. Então, Deus mudou seu nome para Abraão.
Abraão vislumbrou algo da natureza do Divino como o Supremo, o Tudo, o único Deus. Ele mudou de uma perspectiva tribal e limitada, para uma compreensão de Deus como sempre presente e como o uno e único poder. Durante essa jornada espiritual, ele foi abençoado por Melquisedeque, o sacerdote do Deus Altíssimo. Abraão orou pelos outros e os curou, tais como Abimeleque e sua esposa, que tiveram filhos como resultado dessas orações. Ele viu leis e limitações humanas serem derrotadas. Sua própria esposa, Sara, teve um filho quando estava com 90 anos e ele 100. Abraão peregrinou pelo resto de sua vida humana, mas a falta de laços comunitários mais estreitos lhe permitiu se aproximar mais de Deus.
O pensamento progressivo de Abraão transcendeu fronteiras tradicionais de culturas e reinados. Ele se comunicava com o Divino, era chamado de “amigo de Deus”, e vivenciou, até certo grau, o reino de Deus na terra. Talvez sua experiência e a de outros personagens bíblicos como ele tenham inspirado Mary Baker Eddy a escrever: “Peregrino na terra, teu lar é o céu; forasteiro, tu és o hóspede de Deus” (Ciência e Saúde, p. 254).
Em contraste, Jacó, neto de Abraão, desejava, desesperadamente, permanecer em casa. Como segundo filho, ele temia que não houvesse recursos suficientes para sustentá-lo. Ele não queria mudar, não desejava abandonar sua terra natal ou alterar sua maneira de pensar. Migrar era o pensamento mais remoto em sua mente.
Contudo, Jacó foi forçado a fugir. Enfrentou um pouco da mesma tristeza e dos desafios que muitos imigrantes enfrentam hoje. Ele não viu seus pais novamente. Foi enganado, vitimado, recebeu salários abaixo dos padrões e foi objeto de preconceito, inveja e suspeição. A despeito dessas dificuldades, Jacó perseverou, casouse, teve filhos e foi bem-sucedido em sua terra adotiva.
Quando iniciou sua jornada de volta para casa, vinte anos mais tarde, Jacó era um homem rico. Contudo, ele descobriu que o seu maior triunfo seria o reconciliamento com seu irmão, Esaú, e curar as mágoas profundas que, no passado, o obrigaram a emigrar. Para Jacó, o crescimento e o progresso espirituais começaram a ser levados a sério quando ele se dispôs a retornar para casa.
A jornada de volta transformou seu caráter. Antes, Jacó tivera medo de confiar em Deus, receio de que não teria herança, até mesmo de que Deus não fosse suficientemente grande, sábio e poderoso para lhe assegurar os recursos necessários, sem que ele mesmo tivesse de manipular a situação.
Agora que Jacó estava disposto a mudar, ele tinha de lutar contra todos aqueles temores e silenciá-los, por meio da confiança na inspiração de Deus, ou mensagens angelicais. Apoiar-se em uma perspectiva espiritual mais elevada o mudou profundamente. A reconciliação final com seu irmão, Esaú, apenas confirmou que uma mudança notável de pensamento e de caráter havia acontecido. A jornada para Jacó não foi tanto viajar para longe da terra natal e voltar para ela, quanto descobrir a Deus como a fonte de renda, de felicidade e prosperidade.
Quer Deus nos estimule a deixar nossa terra natal ou nos encoraje a permanecer nela, a jornada é realmente mental, um despertar para uma compreensão mais clara de Deus. Essa também foi a jornada que a mulher que emigrou do Peru para os Estados Unidos escolheu fazer.
Oramos juntas em espanhol
Durante nosso primeiro encontro, em seu trailer dilapidado, a situação da minha nova amiga parecia muito triste. Contudo, não importa o quão desesperadora a história de alguém possa ser, descobri, pelo estudo da Ciência Cristã, que é mais importante ouvir a Deus do que aos complicados detalhes pessoais. Portanto, à medida que ela falava, eu ouvia a inspiração da Mente divina, que é única, transcende idioma, cultura e circunstâncias.
Ponderei uma declaração de Ciência e Saúde: “Na prática mental, não deves esquecer que as opiniões humanas falíveis, os motivos egoístas contraditórios e as tentativas ignorantes de fazer o bem, podem tornar-te incapaz de conhecer ou julgar com acerto as necessidades de teus semelhantes” (p. 447). Orei para julgar cuidadosamente e saber qual era a necessidade real nessa situação. Parecia haver tantas.
Compreendi que tanto esse homem como sua esposa eram filhos de Deus, honestos, inteligentes e capazes. Um ser espiritual não poderia ser limitado pelo idioma, meio ambiente, ou hereditariedade. Ambos eram amados de Deus. Ambos mereciam ser abençoados. Afirmei, silenciosamente, que a Mente divina tinha soluções para cada um deles, que podiam ser receptivos a Deus e que estavam dispostos a seguir a inspiração divina.
Ao longo das semanas seguintes, veio-me ao pensamento convidá-la para trabalhar para mim, de vez em quando, para que tivesse algum rendimento próprio. No primeiro dia em minha casa, ela viu um exemplar do Arauto da Ciência Cristã em espanhol, sobre a mesa do café, e me pediu se podia levar a revista para ler em casa. Daquele momento em diante, começamos a conversar sobre Deus, conforme revelado no Novo Testamento, ou seja, que Deus é bom, é Amor e como Deus tem soluções espirituais e práticas para cada situação. Ela começou a ler a Bíblia, achando que, em especial, os Salmos lhe proporcionavam muito conforto. Logo depois, ela começou a estudar a tradução em espanhol de Ciência e Saúde. Seus pensamentos começaram a melhorar e o progresso foi o resultado inevitável.
A seu pedido, comecei a me reunir com ela e seu marido. Ela começou a reconhecer as boas qualidades dele. Ele não bebia, não era violento e desejava desesperadamente que ela fosse feliz. Esse desejo correto o motivou a vencer sentimentos de desespero e fracasso. Dentro de poucos meses, eles se mudaram para a cidade.
Quando o rumo dos acontecimentos mudou
Um momento decisivo veio quando ela sofreu um acidente de carro. Sua boca sangrava e alguns dentes estavam soltos. Ela me ligou pedindo ajuda e eu disse ao seu marido que a trouxesse para minha casa. Quando ela chegou, sentamos na varanda. Pedi-lhe que orasse silenciosamente, pensando sobre a Oração do Pai Nosso; enquanto isso, silenciosamente, deilhe um tratamento pela Ciência Cristã.
Tratamento é uma forma específica de oração que, por meio da revelação de Deus, põe a descoberto concepções equivocadas e temores latentes, corrigindo-os. Depois de uns 45 minutos, senti que tudo estava bem. Entramos e almoçamos. Toda a evidência de ferimentos desapareceu completamente em poucos dias.
(Uma senhora mexicana que, por acaso estava em casa, testemunhou essa cura. O óbvio restabelecimento físico de minha amiga inspirou a mexicana a começar a ler o Arauto em espanhol e logo também passou a vivenciar transformações significativas em seu pensamento e em sua vida).
Daquele ponto em diante, o progresso de minha amiga peruana foi constante. O estudo da Ciência Cristã lhe abriu o pensamento para a presença e a atividade do bem. Ela aprendeu a orar com mais eficácia para si mesma. Muito embora ainda não falasse inglês, ela desejava um emprego em tempo integral. Com um pouco de ajuda na tradução, ela foi contratada em sua primeira entrevista. Logo, seu marido também encontrou um emprego e eles se mudaram para um pequeno apartamento.
Hoje, eles têm um casamento feliz, possuem uma nova casa e ela é uma cidadã norte-americana. Há muitos anos, ele está bem empregado e ela tem trabalhado com sucesso para várias empresas. Ambos atribuem a extraordinária mudança em sua vida, como também as bênçãos, a Deus e ao estudo da Ciência Cristã.
Ninguém está fora do cuidado de Deus. Todos podem sentir e receber as bênçãos dEle, quer em seu próprio país ou em um país estranho. A jornada é sempre mental. Deixamos para trás velhas crenças materiais sobre a vida com suas limitações e procuramos o Cristo, a Verdade, para conhecer e sentir as alegrias do despertar espiritual.
Existe um espaço infinito correto para cada filho e filha no reino de Deus. Ninguém é deixado de fora ou para trás. Cada pessoa é amada e capaz de descobrir a bondade infinita de Deus, exatamente onde ela se encontra.
