Quando, sem nenhuma culpa, Daniel foi lançado na cova dos leões (ver na Bíblia o capítulo 6 do livro de Daniel), o resultado esperado teria sido o extermínio imediato. Entretanto, o conhecimento que Daniel tinha a respeito de sua inocência, unido ao seu amor inabalável e incondicional a Deus, capacitaram-no a passar a noite na cova e emergir dela completamente ileso. Não havia nenhuma raiva nesse homem espiritualmente inspirado, nenhum ressentimento, ódio, acusação nem amargura, fato esse ilustrado pela impressionante doçura de sua resposta ao rei na manhã seguinte (ver Daniel 6:21,22). Talvez pudéssemos dizer que, devido à sua pura incorporação da natureza divina, Daniel havia vencido a natureza carnívora, o estado mental carnal e predatório, que identifica tanto o homem quanto a besta como carnais, vulneráveis e predatórios. Essa vitória se expressou exteriormente como liberdade e segurança, tanto para Daniel como para os leões.
Em Ciência e Saúde, Mary Baker Eddy explicou: "A individualidade criada por Deus não é carnívora, como o testemunha o estado ideal descrito por Isaías:—
O lobo habitará com o cordeiro,
E o leopardo se deitará junto ao cabrito; O bezerro, o leão novo e o animal cevada andarão juntos,
E um pequenino os guiará.
Por compreender o domínio que o Amor tinha sobre todas as coisas", continuou ela, "Daniel sentiu-se em segurança na cova dos leões, e Paulo provou que a víbora era inofensiva" (p. 514).
A lei do Amor une todas as ideias de Deus uma à outra, com precisão, eficiência, alegria e graça
A verdade espiritual específica e admirável, de que não existe nenhuma individualidade predatória, ou carnívora, em todo o universo do Espírito, deriva do fato de que cada indivíduo, na vastidão do ser infinito, é criado espiritualmente, não carnalmente, e, portanto, é perfeitamente bom, puro, inofensivo e invulnerável. Igualmente importante é que cada indivíduo é completo e possui um elo direto somente com a autoplenitude da Mente divina, na qual ele se origina, e da qual depende inteiramente para sua existência e subsistência. Consequentemente, na realidade espiritual, não existe nenhum indivíduo ou criatura que necessite, deseje ou tenha a capacidade de devorar outro. Somente Deus, o bem, mediante Sua lei, o Espírito Santo ou Ciência divina, forja todos os elos, todos os relacionamentos que os indivíduos têm uns com os outros, e nenhum desses elos é de natureza danosa. O segredo dessa harmonia permanece no fato de que somente o Amor divino, o bem absoluto, origina e controla todos os relacionamentos, exatamente como ele cria e controla todas as individualidades.
De fato, a lei do Amor une todas as ideias de Deus umas às outras com tal precisão, eficiência, alegria e graça, assim como une, de forma muito correta, a nossa terra ao seu meio ambiente; portanto não podemos estar unidos, de nenhum modo, de forma danosa ao mundo natural. Esse fato, como todos os fatos espirituais, precisa ser demonstrado aqui e agora, se quisermos perceber que o reino inocente de Deus veio verdadeiramente assim na terra como no céu, e está sempre presente. Cada um de nós tem a capacidade, concedida por Deus, como também a responsabilidade, para fazer isso.
Uma senhora entrou em contato com uma Praticista da Ciência Cristã para lhe dizer que havia sido mordida por uma aranha muito venenosa, enquanto trabalhava no jardim. Sua mão e braço ficaram muito inchados e doloridos. Ocorreu à praticista perguntar àquela senhora se algo havia acontecido em sua vida que, de alguma maneira, tivesse feito com que ela reagisse com raiva e a mulher respondeu que sim, que algo lhe havia sido revelado recentemente sobre alguém, que a deixara muito aborrecida. Ela e a praticista rapidamente compreenderam que a aranha da criação de Deus era completamente inofensiva; que o "veneno" era realmente uma reação ao que não é bom, e que o Amor divino estava, naquele exato momento, envolvendo-a, como também à aranha, em perfeita harmonia. Quando a senhora analisou a situação a partir do ponto de vista espiritual, ela rápida e humildemente abandonou aquela reação. Afastou-se do pecado, ou seja, do veneno, da raiva, ou crença no mal que se manifestara como um animal predatório e venenoso, e, assim, foi rapidamente curada.
Cristo Jesus foi direto ao cerne da sensualidade quando recriminou os maus pensamentos de homens e mulheres
Em resposta à pergunta: "Os animais e as bestas têm mente?", a Sra. Eddy respondeu, em parte; "As bestas, bem como os homens, expressam a Mente, pois esta é sua origem; mas elas manifestam menos da Mente... A mente feroz vista na besta é a mente mortal, que é nociva e não procede de Deus; pois a besta de Deus é o leão que se deita com o cordeiro. Apetites desregrados, paixões, raiva, vingança, ardis, são as qualidades animais dos mortais pecadores; e as bestas que possuem essas propensões expressam as qualidades mais baixas do assim chamado homem animal; em outras palavras, a natureza e a qualidade da mente mortal,—não da Mente imortal" (Miscellaneous Writings 1883—1896, p. 36).
Então, não há nenhuma dúvida de que dominar a natureza carnal significa lidar de forma honesta, sincera e específica com o pecado, a essência da mente mortal, não importando o quão difícil isso às vezes possa parecer. Cristo Jesus foi direto ao cerne da sensualidade quando recriminou os maus pensamentos de homens e mulheres, alcançando até os recantos mais obscuros da consciência humana e sondando os motivos ocultos. Ele pôs a descoberto o sensualismo, o adultério, a religião superficial, a justificação própria, a hipocrisia, a blasfêmia, a vaidade, o furto, a cobiça. Ensinando que as condições físicas são frequentemente o resultado direto dos pensamentos que entretemos, Jesus subjugou e destruiu o pensamento pecaminoso e demonstrou, de forma decisiva, o fato de que a lei do Amor divino purifica o pecador e cura o doente.
O Apóstolo Paulo, resumindo os ensinamentos e o poder de Jesus, escreveu: "Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo". Em seguida, ele acrescentou as notáveis palavras que mostram exatamente onde começamos a vencer a natureza carnívora: "Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos. ...andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne". Ele encerra assim: "E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências", definindo as obras da carne que nos tornam carnais, como fez o Mestre, acrescentando coisas como: idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, dissensões, facções, invejas e bebedices (ver Gálatas 5:14-16, 24).
Conheci um homem que me contou uma experiência extraordinária sobre o poder do amor altruísta para neutralizar a animalidade, amor esse que salvou tanto o homem quanto a besta
Então, se "morder[mos], devorar[mos]" e nos consumirmos uns aos outros com raiva, vingança, cobiça, inveja e ódio, com intrigas e críticas destrutivas, com juízos hipócritas e condenações; se devorarmos uns aos outros nos negócios, na cobiça ao cônjuge de outra pessoa, ou nos apoderarmos dos talentos, das ideias, das realizações e das posses de outros, não seria isso um tipo de pensamento e ação que definiria a natureza carnívora que seria refletida exteriormente na besta feroz, na criatura venenosa e no mortal animalesco? Não estaríamos lançando nosso peso na balança do pensamento do mundo, do lado da animalidade, ao invés de no lado do amor crístico que realmente neutraliza e destrói a animalidade sob todas as suas formas, quer expressada através do homem ou da besta?
Há alguns anos, visitei um país da África oriental e me defrontei com a apresentação mais gráfica que já tivera do relacionamento predador/vítima, que assombra a beleza primitiva da paisagem africana. Muito já foi dito sobre a predação com sendo simplesmente da própria "natureza", o "como as coisas são", a "sobrevivência do mais forte". Entretanto, em meio a tudo isso, conheci um homem que me contou uma experiência extraordinária sobre o poder do amor altruísta para neutralizar a animalidade, amor esse que salvou tanto o homem quanto a besta e que me permitiu ter um vislumbre da presença e da atividade da natureza mais elevada e verdadeiramente inofensiva como a manifestação da Mente.
Esse homem trabalhava como administrador em preservação da vida selvagem e havia sido guarda-caça nessa nação africana. Ele amava profundamente os animais e estava empenhado em protegê-los de caçadores ilegais, mas, devido à natureza perigosa de seu trabalho, ele também precisava ser capaz de atirar rapidamente e ter boa pontaria. Certo dia, quando ele estava fora na mata, um rinoceronte de duas toneladas e meia veio correndo direto em sua direção para atacá-lo. Embora ele estivesse com sua arma, sentiu que não podia matar esse animal cuja espécie estava altamente ameaçada de extinção. "Vi-o correndo em minha direção", explicou ele, falando mansamente, "mas soube de repente que não poderia matá-lo. Simplesmente não podia fazê-lo". Esse homem estava tão cheio de amor incondicional pela criatura que não havia nada nele que pudesse fazer menos do que oferecer sua própria vida pela vida do rinoceronte. Ele jogou seu rifle para o lado e corajosamente ficou ali, em pé, certo de que estava enfrentando a morte, mas incapaz de tomar qualquer outra atitude. "Mas quando o rinoceronte me alcançou", disse o homem, "ele somente me atirou uns poucos metros para o ar e seguiu seu caminho".
A presença do Cristo é aquela que rejeita a violência e não sente prazer em "matar" (tanto literal como figurativamente)
Fiquei tão comovida com o que ouvira do homem, por seu amor puro por um "inimigo", que não consegui parar de pensar nessa história durante semanas. Naturalmente, não existe nenhuma maneira de saber ao certo a razão pela qual o rinoceronte não o matou, ou sequer o feriu. Entretanto, essa não seria a primeira vez que o amor incondicional ou a inocência infantil, condição da consciência humana de uma vítima em potencial que reflete o divino, neutraliza uma atmosfera carregada de violência e desarma um agressor. Portanto, não pude deixar de sentir que o rinoceronte fora "desarmado", porque sua própria inocência espiritual inofensiva fora revelada pelo pensamento também inofensivo do ser humano que estava à sua frente. Estivesse o pensamento do homem imbuído de medo, raiva ou animalidade, o resultado talvez fosse bem diferente para ambos.
O mais importante, porém, é o fato de que essa experiência ilustra convincentemente a naturalidade do amor, a presença constante e a atividade na consciência humana da natureza mais elevada, o Cristo, a natureza que não inclui nenhum elemento de mortalidade. A presença do Cristo, o reflexo do Amor divino em cada consciência humana, é a presença daquilo que rejeita a violência e não sente prazer em "matar" (tanto literal como figurativamente), e não pode se engajar em pensamentos que mordam, devorem ou consumam. Essa experiência, como todos os incontáveis e silenciosos atos de espiritualidade genuína que tecem seu caminho ao longo da história, ilustra o amor altruísta que está no cerne da verdadeira teologia, capaz de transcender doutrinas e crenças convencionais e curar tudo o que divide a humanidade.
Cada traço de natureza carnívora finalmente será dissolvido no Amor eterno infinito
O fato é que seja qual for a brutalidade, o terrorismo ou qualquer outra forma de energia degenerada, esta precisa ser desarmada e privada de suas pretensões à autoridade, e o Espírito Santo, a energia do perfeito Amor, está exatamente ali para anulá-la. É esse grande amor de Deus, o Amor divino, que define completamente o que significa ser espiritual, e que cura o que significa ser carnal. Com frequência, Eddy se referia em seus escritos a uma compreensão profunda e à prática do Amor divino como o que mais nos distancia da crença de vida na matéria e possibilita a cura.
A concepção virginal de Jesus, bem como sua obra de cura científica, dando prova após prova do nada do pecado, doença e morte, exemplifica a unidade perfeita do Amor divino com a humanidade, e profetiza o estabelecimento do reino de Deus na terra. Portanto, não podemos deixar de ver que cada fato espiritual está destinado a ser demonstrado na experiência humana.
Então, o fato espiritual de que "a individualidade criada por Deus não é carnívora" será e precisa ser finalmente vista como sendo o fato "na terra", assim como o é "no céu". Para tal, estamos moralmente obrigados a humilde e persistentemente aceitar o novo nascimento, a descartar o senso material de vida, inteiramente mortal. À medida que isso for feito, cada traço da natureza carnívora irá finalmente ser dissolvido no Amor eterno, infinito, não importando quanto tempo seja necessário para sua realização. Um mundo mais agradável e gentil, bem como uma diminuição da síndrome predador/vítima, da síndrome de matar-para-comer, serão algumas das manifestações exteriores desse conseguimento.
Vamos nos descobrir vivenciando o que Isaías predisse: o lobo e o cordeiro, o leopardo e o cabrito, deitando-se juntos (ver Isaías 11:6).
 
    
