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A corcova do camelo e o resto também

Da edição de novembro de 1988 dO Arauto da Ciência Cristã


Antes de relatar meu brusco despertar, gostaria de explicar de onde proveio a idéia para este artigo: o trecho bíblico no qual o jovem rico se acerca a Cristo Jesus, desejando ansiosamente saber o que fazer para herdar a vida eterna. Em resposta Jesus aponta-lhe os últimos seis mandamentos do Decálogo, aqueles que mais de perto dizem respeito ao relacionamento do homem com seu semelhante: não roubar, não mentir, não cometer adultério e assim por diante. De imediato o jovem diz a Jesus que há muitos anos os cumpre (o que por si só já não é tarefa fácil!).

Então Jesus recomenda ao jovem que deixe tudo por Cristo, focalizando assim os primeiros quatro mandamentos, aqueles que obviamente se referem ao íntimo relacionamento do indivíduo com Deus, a exigir-lhe inteira dedicação de coração, de pensamento e de alma. Jesus diz-lhe: “Só uma coisa te falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; então vem, e segue-me.” Marcos 10:21. Jesus põe assim em destaque o fato de que o reino dos céus não é obtido por aquisições humanas, mas apenas à medida que nos despojamos de tudo o que não é celestial.

O interlocutor de Jesus, porém, é dono de muitas riquezas e por isso afasta-se com tristeza. Podemos imaginar, pelo que está escrito, que ele tenha decidido não adquirir o reino dos céus. Mas porque não supor que ele se afasta com tristeza porque realmente quer conquistar esse reino, e agora percebe o quanto sua decisão lhe custará, isto é, que lhe custará tudo?

As recomendações finais de Jesus a seus discípulos também nos fazem meditar. Depois de explicar que a dificuldade não é apenas a posse de riquezas, mas também a confiança nelas depositada, ele afirma: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus.” Marcos 10:25. Que semelhança há entre um homem rico e um camelo?

Durante muitos anos, sempre que lia essa história, suspirava secretamente aliviada. Eu era tão boa no cumprimento dos mandamentos, como o jovem rico. Não roubava, não mentia etc., e não havia dúvidas, eu não era rica. Por isso os ensinamentos de Jesus não podiam referir-se a mim. Pelo menos, era o que eu pensava. A vida, no entanto, apresenta recursos convincentes para fazer-nos compreender as lições mais plausíveis do Amor divino, e lança mão de meios que nem sequer imaginávamos. Muito embora as riquezas de uma pessoa não se assemelhem às de outra, por minha experiência pessoal comecei a perceber quão apropriada é a analogia do camelo com os movimentos de cada indivíduo rumo ao céu, em particular os meus movimentos.

Fui criada numa época que me prometia montões de coisas boas. Pretendia casar-me, ter filhos e uma bela casa. Por volta dos vinte anos esse lote passou a incluir também uma carreira profissional estimulante. Poucos anos depois havia adquirido todas essas coisas!

Esse sonho, porém, desvaneceu-se após uma série de perdas pessoais, incluindo a ruptura do meu casamento. Fiquei sozinha, com um filho pequeno para criar, com dificuldades financeiras, profunda depressão e acentuada perda de peso. Sentia-me emocionalmente vazia e com a saúde enfraquecida. Nada disso fazia parte do meu “plano executivo”. Aliás, era o oposto, o colapso de tudo aquilo por que me empenhara durante os dez anos anteriores. Cheguei a pensar que tudo isso era o meu fim. Era-o, de certa maneira. Pelo menos, era o fim do “eu” que conhecera até aí. Mas era também o início de algo inteiramente novo e muito diferente. Essas provações contribuíram para derrubar os limites estreitos daquilo que considerava então ser a minha própria vida.

Até essa altura sempre pensara que o motivo de meus anteriores sucessos se devia ao fato de eu proceder sempre com correção. Não é assim, afinal de contas, que medimos o amor de Deus por nós, pelos sucessos evidenciados em nossa vida? Mas quando a minha parecia desmoronar e os êxitos rapidamente se desvaneciam, minhas próprias definições básicas de vida foram desafiadas. Comecei então a pensar na analogia entre o jovem rico e o camelo.

Meus critérios de saúde e felicidade estavam orientados ao redor do conceito do que eu considerava como celestial. Presumia que meu caminho ou minha maneira de agir, era o Caminho, em vez de permitir que meus caminhos fossem definidos pelas exigências do Cristo. Descobri que em realidade não estava nada interessada em desistir do que quer que fosse! Nem tampouco imaginara o que isso significava. Sempre imaginara que eu poderia negociar o preço do reino de Deus. Negociar é a palavra certa, porque quando de início aceitamos o critério do Cristianismo, talvez ainda estejamos a negociar. Talvez tenhamos feito uma amostragem dos frutos dos ensinamentos de Cristo Jesus. Talvez tenhamos alcançado algo da presença viva do Cristo, através de curas obtidas pela Ciência Cristã. Acaso não gostamos do sabor dessa ambrosia celestial? E, é claro, gostaríamos de servir-nos de mais um pouco.

Todos concordamos em que há um preço a pagar: temos que obedecer aos Dez Mandamentos, todos eles! Mas talvez nossa obediência seja superficial e, no fundo, continuemos a negociar. Mais ou menos assim: “Pai querido, farei tudo para ser um bom ser humano, serei bondosa com meus pais e amigos, serei o máximo em tudo para que Tu tenhas orgulho de mim. Em troca espero, é claro, uma vida saudável, feliz e cheia de propósito, cujo crédito seja quase todo Teu.” Parece um bom negócio. Mas não passa de mais uma alternativa para encaixar Deus no “nosso caminho”, em vez de ceder nosso eu ao “Seu” caminho.

Mercê de minhas próprias provações, comecei a compreender porque a analogia do camelo tinha menos a ver com as finanças do jovem rico e mais com o próprio homem. Havia tantas coisas que eu pretendia levar comigo para o reino dos céus: minhas preferências, opiniões “objetivas”, talentos e sucessos humanos. Em resumo, planejara levar todo o “eu” humano. Não admira, pois, que tivesse dificuldades em enfiar esse “camelo” da personalidade humana pelo “fundo da agulha”, o caminho reto e estreito do Cristo!

O propósito fundamental da Ciência Cristã é a libertação da crença de estar a vida na matéria, a crença num ego pessoal, para que cada um de nós aceda à compreensão de Deus, o Eu Sou ou Ego, e encontre o céu aqui e agora. A Verdade não negocia o preço desse estreito caminho. Em Ciência e Saúde a Sra. Eddy escreve: “Há um único caminho que leva ao céu, à harmonia, e Cristo, na Ciência divina, mostra-nos esse caminho. Consiste em não conhecer nenhuma outra realidade — em não ter nenhuma outra consciência de vida — senão o bem, Deus e Seu reflexo, e em elevar-nos acima das supostas dores e prazeres dos sentidos.” Ciência e Saúde, p. 242.

“Prazeres dos sentidos”? Que brusco despertar! As únicas coisas acima das quais estava disposta a elevar-me, eram minhas características desagradáveis: pequenas culpas, sofrimentos, angústias e “aquelas outras pessoas” causadoras dos meus problemas. Tornou-se-me claro que jamais contabilizara o custo da total obediência aos Mandamentos, nunca colocara Deus em primeiríssimo lugar, ou seja, nunca me esforçara para desistir da mortalidade, isto é, da minha natureza de “camelo”. Até então utilizara a Ciência Cristã para me desfazer de algumas corcovas. Precisamos abandonar tudo aquilo que está abrangido pelo sentido mortal. isto é, o sentido finito de identidade, tanto positivo como negativo, exterior e interior, e não apenas seus sofrimentos. É isso o que significa tomar a cruz.

Não é só a crença de ser dolorosa a vida mortal, o que não se ajusta ao reino de Deus, mas até mesmo a crença fundamental de que existe vida mortal, precisa ser anulada. Essa imposição na individualidade espiritual do homem não é apenas um erro em que os mortais acreditam. Esse erro é que constitui a crença a que chamamos um mortal. A “natureza-camelo” não tem crenças. A natureza-camelo é a crença. Por isso a comparação de Jesus entre um homem rico e um camelo é tão apropriada: o camelo nunca pode passar pelo fundo da agulha.

Em outras palavras, na consciência pura do céu só há lugar para um único Ego, a Mente divina, Deus, e Seu reflexo, o homem. Despojamo-nos do sentido mortal do “eu” à medida que pela transformação espiritual perdemos toda noção de personalidade material e finita, substituindo-a pelo reconhecimento de que a individualidade espiritual é o reflexo do Ego divino.

A Sra. Eddy escreveu o seguinte, no mesmo espírito das palavras de Jesus quando este nos advertiu a deixar tudo o mais sem reservas: “A renúncia voluntária a tudo o que constitui o chamado homem material, e o reconhecimento e a realização de sua identidade espiritual como filho de Deus, é a Ciência, que abre as próprias comportas do céu, fazendo assim jorrar o bem em todas as avenidas do ser, purificando os mortais de todas as impurezas, destruindo todo sofrimento e demonstrando a verdadeira imagem e semelhança. Não existe outro caminho debaixo do céu através do qual possamos ser salvos e o homem possa ser revestido de poder, majestade e imortalidade.” Miscellaneous Writings, p. 185.

Se porventura pensam que minha história teve um final feliz, enganam-se. Não teve. Ou antes, não chegou ao fim. Os desafios que enfrentei deram-me o alento que muitas vezes só nos advém por necessidade, para assimilar os ensinamentos da Ciência Cristã. O avassalador sentimento de derrota cessou quando me despojei do orgulho acerca de meus sucessos anteriores. Os sentimentos enraizados de traição diminuíram quando me recusei a reagir de maneira vingativa. Não foi fácil e levou tempo. O progresso parecia lento, difícil e sem atrativo.

Pouco a pouco, no entanto, meu conceito de vida começou a modificar-se. Experimentei alegria mais profunda e propósito mais amplo, mesmo durante os meses em que me atrasava em pagar o aluguel. Por fim cheguei a ter suprimento adequado, embora não por esforço voluntarioso em o alcançar a todo o custo. Pelo contrário, à medida que me despojava de tudo o que em mim era dessemelhante de Deus (e era muito), descobri que o suprimento divino é muito tangível. Iniciei então uma carreira profissional que continua não só a suprir-me com progresso, mas também a exigi-lo.

Quando hoje em dia, apesar de minha experiência anterior, me descubro a negociar com Deus, tentando em vão fazer entrar meu “eu-camelo” no reino dos céus, recordo-me do final do encontro do jovem rico com Jesus, quando os próprios discípulos, espantados com o comentário de Jesus acerca da impossibilidade dos ricos entrarem no reino dos céus, perguntaram: “Então, quem pode ser salvo?” Em outras palavras, podemos perguntar-nos o que fazer ao verificar que todos sofremos de uma grande “riqueza” de personalidade. Jesus respondeu: “Para os homens é impossível; contudo, não para Deus, porque para Deus tudo é possível.” Marcos 10:26, 27.

É esta, penso, a lição suprema: por mais nobres que sejam nossas intenções, como eram as do jovem rico, o acesso ao sentido espiritual do Ego não se obtém por feitos próprios. Por ironia, a sujeição exigida de nós, é impossível a nós. Mas pela demonstração individual do Cristo e com a graça de Deus, a consciência humana é elevada e despertamos para o fato de que não apenas não somos um camelo, mas também não somos um mortal.

Deus habilita cada um de nós, passo a passo, a tomar a cruz, a abandonar a crença numa personalidade mortal. De acordo com o propósito de Deus, e na proporção que O consentirmos, o Amor divino realizará em nós este estranho e maravilhoso objetivo:

• abandonar a personalidade mortal e seus tesouros efêmeros;

• reconhecer a individualidade espiritual e sua substância e satisfação verdadeiras.

Esse é o maior dos milagres e o desígnio divino da própria vida.

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