Haveria algo pior do que o dia em que o trator arrasou os pés de lilás e o pequeno quiosque no terreno baldio do outro lado da cerca, nos fundos de nossa casa? E não foi só isso!
A família que se mudou para a nova casa ali construída, tinha um filho cujo aparelho estereofônico mandava seu som de milhões de decibéis por toda a rua, abafando o canto dos passarinhos e os civilizados momentos de silêncio do bairro.
Tratava-se da qualidade da vida em família e na comunidade, que desse modo estava ameaçada, e dessa intromissão, esse egoísmo e essa afronta. Será que uma família tem o direito de impor sobre as outras aquilo de que gosta? Como sair-se duma situação dessas?
Sendo estudante da Bíblia, decidi que minha resposta não tinha de ser o resultado do que meus ouvidos e olhos me informavam, mas sim o fruto do que se lê no primeiro capítulo do Gênesis: o relato de que Deus deu ao homem domínio sobre toda a terra. Ver Gênesis 1:26. Foi assim que passei a orar a fim de ver como é que essa informação, o domínio dado por Deus ao homem, poderia ter relevância. Homens e mulheres dos tempos bíblicos entregavam a Deus o coração e a vida, fossem quais fossem as tentações e os conf litos. A Ciência Cristã ainda hoje continua a comprometer-se a comprovar, pela oração, o domínio que o homem tem. Assim, pareceu-me natural recorrer a semelhante confiança em Deus e aceitar o homem como sendo de fato espiritual, a semelhança de Deus.
Deve-se notar que o filho dos vizinhos recebeu pedidos de todos os lados. “Favor baixar o volume,” ao que ele reagia com perversidade e aumentava ainda mais os decibéis. “Incrível!” os vizinhos diziam. “Mais oração se faz necessária,” pensava eu.
Enquanto eu orava para entender qual deveria ser a resposta cristã, a palavra incrível adquiriu novo significado. Não, eu não haveria de crer que o egoísmo e a rebeldia fizessem parte do descendente de Deus, de Sua família e dos membros de Seu lar. Pois no sentido mais elevado e mais espiritual das coisas, é isso o que realmente somos: a família de Deus. “Não temos nós todos o mesmo Pai? Não nos criou o mesmo Deus?” Malaq. 2:10. perguntou o profeta.
Graças à Ciência Cristã descobri que não temos de aceitar o comportamento indisciplinado como se fora irreversível. Quer se manifeste no seio de minha família ou em outra, é possível opor-lhe resistência mediante a oração. Deus é Amor divino. Seu poder e Seu amor são sempre atuantes, estão sempre disponíveis no momento da necessidade humana e essa é a ação do Cristo. A oração que agradece a Deus porque o Cristo, tão evidente em Jesus, está presente hoje em dia, atrai a solução curativa do Amor divino. Eu desejava abordar a situação com o tipo de fé, esperança e amor que se acham ilustrados na vida do Mestre.
Com toda a calma e paciência, pus-me a prestar toda a atenção, tanto à oração como ao ímpeto de agir. Um hino bem conhecido soava todo o tempo em meus ouvidos e sua cálida mensagem parecia oferecer a forma natural de atacar a questão e assim restabelecer a paz em nossa redondeza.
Foi assim: a Sra. Eddy escreveu essa oração sob a forma de poema. Chama-se “ ‘Apascenta as minhas ovelhas’ ” e dirige-se a Deus como “Pastor”. A primeira estrofe é um pedido de orientação em hora de dificuldade, e vem seguida da promessa: “Pela senda rude irei / Sempre a cantar.” A segunda estrofe especifica os tipos de males e afirma que o poder de Deus é capaz de prevenir e corrigir a dominação do erro:
O revel hás de amarrar,
Peito cruel, ferir,
E a justiça, tão alvar,
Do homem sacudir.Hinário da Ciência Cristã, n° 304.
O revel, o teimoso, o coração empedernido, a autojustificação, a inércia. Essas facetas da mente mortal humana são comuns a muitos problemas. É lógico que faziam parte da dolorosa experiência pela qual passava nossa vizinhança. Mas a Ciência Cristã se caracteriza pelo fato de que toda vez que expõe a natureza do mal como sendo mentira, faz progredir o poder do bem. Olhamos num relance o mal para notar qual o seu tipo. Aí, céleres, negamos com firmeza sua pretensão à realidade. Nós nos volvemos ao bem, à santidade do Espírito, para obter o domínio sobre o que está errado.
Nessa situação, o que notei em primeiro lugar foi “o revel” e “o peito cruel” que pareciam estar presentes lá do outro lado, na outra família. Admiti que a autojustificação e a inércia (o sentimento de se ver aprisionado) estavam do meu lado. Contudo, no hino não há pronome possessivo, nem “meu” nem “seu”, para designar a quem pertenciam esses erros. Isso me levou a considerar o problema, não tanto de um ponto de vista pessoal e restrito, mas sim como se fosse um montão de neve a ser retirado da calçada de todos. A mensagem desse hino que é oração, não nos lançava contra os nossos vizinhos nem deixava nas minhas mãos a incumbência de eliminar o erro. O aprisionamento, o enfraquecimento, o silenciar e a remoção da armadilha são obra do Pastor. Ao citar o salmo vinte e três em Ciência e Saúde, a Sra. Eddy interpreta a palavra “Pastor” como Amor divino. Ver Ciência e Saúde, 577:33—578:18. Essa era a oportunidade cristã de reconhecer que o poder pertence a Deus, o Princípio divino, e não à pessoa humana; e que a idéia-Cristo expressa o Amor divino.
Tal como a remoção da neve, a remoção da teimosia e da autojustificação é uma bênção para todos. A graça divina, essa parte essencial do Cristo, é uma qualidade que em geral procuro obter hoje, assim como o fazia outrora. Esse conceito continha em si mesmo consolo e cura. Parecia-me que todas as famílias de nossa vizinhança, pais, mães, tios, avós, recém-nascidos e adolescentes, até mesmo os animais de estimação, eram capazes de desfrutar a graça de Deus e sentir-se em casa no Amor.
Esperei a graça. Com prazer reconheci que o Cristo de Deus estava presente, silenciando o que preciso fosse. Também comecei a reconhecer que minha autojustificação talvez necessitasse ser silenciada, talvez tivesse um tom mais alto do que o aparelho de som de nosso jovem vizinho. Tive a certeza de que o Cristo conseguiria desfazer esse impasse que todas as famílias estavam enfrentando.
Na Bíblia, os anjos servem Cristo Jesus em sua missão evangélica. Os anjos sempre servem aqueles que acolhem a divindade do Cristo para satisfazer a todas as necessidades humanas. “Pare de falar e comece a agir,” disse o meu anjo do século vinte. Eu sabia que para agir bem, eu tinha de agir com amor, pois o Amor é o Princípio do Cristo.
Primeiro levei aos novos vizinhos uns bolinhos recém-saídos do forno. Tivemos um bate-papo aprazível e dei à mãe as boas-vindas ao nosso bairro. Contei a outra vizinha que eu estava procurando orar e amar essa família, e lhe perguntei se estava disposta a unir-se a essa forma de resolver o problema que nos era comum.
“Por que não oferecemos um almoço aos nossos novos vizinhos?” propôs minha amiga. Aí a coisa toda mudou. Até ali vínhamos tentando silenciá-los e excluí-los de nosso meio.
No domingo seguinte após a igreja, alguns vizinhos se reuniram em nosso terraço para almoçar e desfrutar o sol primaveril. Ningúem falou na intensidade do som ou na preferência por certo gênero musical de quem quer que fosse, mas após aquela refeição amigável feita em conjunto, não voltamos a ouvir o aparelho de som. Para mim foi importante descobrir que, por meio da oração, se pode provar o domínio do homem, até mesmo numa diminuta escala de harmonia entre as famílias num bairro pequeno.
