Há Pouco Tempo, apareceu um garoto de catorze anos à porta de uma conhecida minha, trazido por um neto dela, para passar a noite. O menino disse que se chamava Lixo. Seu nome verdadeiro, explicou mais tarde, era Davi, mas os amigos o chamado Lixo.
Como pode um jovem de boa aparência ser chamado Lixo?
Esse menino de rua mencionou vagamente que a mãe havia morrido, por consumo de drogas. Nada mais foi dito, mas era óbvio que ali estava um jovem que se considerava sem valor algum, rejeitado, sem serventia.
O “nome de guerra” daquele garoto descreve milhares de outros jovens de hoje. Eles são o refugo de uma sociedade que perdeu de vista seus valores e prioridades morais e espirituais.
A pessoa socialmente consciente, assim como o pensador espiritual, perguntam-se: o que está realmente na raiz desses fenômenos assustadores de auto-rejeição e de brutal transformação das crianças em “lixo”?
Com freqüência, a sociedade diz que o problema está na própria natureza do homem, que é o resultado da evolução. Como tal, diz-se que ele evoluiu da matéria e é governado pela assim-chamada lei da sobrevivência dos mais aptos. Por conseguinte, é um homem governado na maioria das vezes por instintos animais, por influências genéticas e do meio-ambiente.
Na alegoria bíblica de Adão, pretenso ancestral da raça humana, encontramos um homem igualmente material, mas com origem e evolução diferentes. Formado “do pó da terra” por uma deidade tribal e colocado em condições de vida paradisíacas, esse homem e sua mulher, proveniente de uma costela, acabam desobedecendo às instruções de não se deixarem tentar pelo conhecimento do mal. Por essa infração, são expulsos do Jardim do Éden e condenados a lavrar o solo para ganhar a vida. Dessa forma, Adão e toda sua descendência estão sob a maldição do pecado e da morte.
Quer acreditemos na teoria da evolução, quer acreditemos na história de Adão, o aspecto desesperador dessas descrições da origem do gênero humano é que ambas são completamente materiais, amarradas ao pecado ou às limitações e riscos da biologia. Ambas levam ao desespero e à morte inevitável.
O pensador espiritual, com a ajuda da descoberta da Ciência Cristã, compreende que o dilema do homem-pó/homem-macaco só pode ser superado por uma percepção mais elevada e mais exata da natureza do homem. Encontra a solução num senso espiritual da criação descrita no primeiro capítulo do Gênesis. Ela é diametralmente oposta, em sua natureza e essência, ao relato que diz ser o homem formado “do pó da terra”. O relato verdadeiro ressalta o homem criado por Deus à Sua própria imagem e semelhança: um homem que tem domínio e existe num universo que é visto pelo próprio Criador como “muito bom.”
No Novo Testamento, numa carta aos cristãos de Corinto, o apóstolo Paulo aborda o tema dessas duas naturezas contrastantes do homem: “Assim como trouxemos a imagem do que é terreno, devemos trazer também a imagem do celestial.” Na carta em que ele faz essa afirmação, Paulo trata do mistério da morte, a dissolução do “homem-pó”. Ele apresenta a realidade de um homem maior do que o corpo material e mais durável, um homem que é “incorruptível”, no sentido de imortal e indestrutível. Naturalmente, ele está falando da mensagem de Jesus de Nazaré, aquele que apresentou o conceito de que o homem é proveniente de Deus, o Espírito. Jesus realmente trouxe “a imagem do celestial”, ou seja, sua identidade espiritual, de forma tão perfeita e com tanto poder, que veio a ser conhecido como Cristo Jesus, isto é, Jesus, o Semelhante a Deus.
Enquanto o “homem-macaco” da evolução, ou o “homem-pó” do segundo capítulo do Gênesis, é percebido imediatamente pelos cinco sentidos físicos, o ser espiritual do homem é, muitas vezes, considerado vago e etéreo. Tudo o que diz respeito ao Espírito, ou Deus, está fora do alcance dos sentidos materiais, pois estes são educados dentro das dimensões de tempo e espaço. A pergunta provável seria: o que aconteceu ao homem descrito em Gênesis 1 como a imagem e semelhança de Deus? Decaiu da perfeição? Em outras palavras, como esse homem não é visto pelos sentidos físicos, conclui-se que ele não existe!
Onde encontrar essa imagem, esse homem?
À luz da lógica e da revelação divina, esse homem está onde sempre esteve e sempre estará, de acordo com a natureza de uma imagem, ou reflexo. A imagem está sempre na Mente divina que a concebe. Assim sendo, o homem à semelhança de Deus está eternamente em união com sua origem. Expressa a natureza dessa origem, é por ela controlado e dela depende para viver e se manifestar. Segue-se daí que o resultado, ou idéia, do Espírito, simplesmente não é percebido pelos sentidos materiais, mas sim pelo sentido espiritual.
A Sra. Eddy, que descobriu o status científico do homem e do universo como sendo espiritual, lança luz sobre esse tema, em seu livro Ciência e Saúde: “Jesus ensinou que há um só Deus, um só Espírito, que faz o homem à imagem e semelhança de Deus — isto é, do Espírito, não da matéria. O homem reflete a Verdade, a Vida e o Amor infinitos. A natureza do homem assim compreendida inclui tudo o que significam os termos 'imagem' e 'semelhança', tais como são empregados nas Escrituras.”
Jesus não só ensinou a verdadeira natureza do homem; ele de fato chegou a mostrar à humanidade como viver de acordo com essa natureza à semelhança de Deus, isto é, de acordo com o homem crístico. Na atualidade, a Ciência Crista está reavivando essa visão da idéia espiritual do homem e do universo. Os estudantes dessa Ciência estão constatando que, à medida que mantêm o ideal-Cristo na consciência e vivem de acordo com ele, são capazes de curar a doença e o pecado exclusivamente por meios espirituais. Pela cura, portanto, fica resolvido o aparente dilema proposto pelos dois relatos contrastantes sobre a criação, os capítulos primeiro e segundo do Gênesis. O primeiro relato reconhecidamente exclui o segundo, permanecendo supremo. Nas palavras de Jesus: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.” Pela mesma lógica, o não conhecer a verdade, ou seja, a verdadeira natureza do Criador e da criação, escraviza e é a causa de toda desgraça humana. A verdade que liberta revela o homem eternamente ligado a Deus e vivendo nEle: eternamente bom, belo e indestrutível.
O que dizer, então, de nosso adolescente do século XX que se apresenta como Lixo e que precisa de um lar e de se sentir amado? O que dizer de todas as outras crianças abandonadas e miseráveis? O que é que eles ganham com todas essas afirmações consoladoras? Como estender-lhes a mão e o coração de maneira tal que realmente faça alguma diferença e inspire outros a se elevarem acima da miséria?
O que cada um pode fazer em termos práticos varia de indivíduo para indivíduo. Todavia, nossa ajuda não se limita à caridade e à filantropia, por mais necessárias que sejam. Nós podemos orar, sabendo que a bondade de Deus inclui as soluções, exatamente quando e onde elas são procuradas e necessárias. É preciso uma visão espiritual para ver além dos problemas humanos. Tal visão espiritual é alcançada por meio da comunhão com Deus, o Espírito, e do viver em obediência a Ele. Serão necessárias as orações e a espiritualidade de um número maior de pessoas para erradicar completamente o quadro universal de carência e desgraça. O progresso virá por etapas e ninguém poderá desenvolver vicariamente a salvação de outrem. Mas todos podemos e devemos contribuir com uma visão genuinamente espiritual para superar os problemas individuais e coletivos que enfrentamos. A visão espiritual, que é alimentada mediante a oração, traz cura e indica passos humanos concretos que podem ser dados para atender à necessidade humana.
É aqui que o manter em mente a imagem de Deus assume capital importância. Só quando amamos o ideal espiritual e vivemos de acordo com esse ideal, é que encontramos a inspiração, a idéia certa, que ajuda e cura a outros. Não podemos conhecer cada uma das crianças do mundo, mas podemos orar por elas, independentemente de quem sejam ou onde vivam. Podemos pensar nelas pelo que são realmente filhos e filhas de um Deus totalmente bom.
Mesmo neste exato momento, embora não tendo conhecimento específico de alguma criança passando necessidade, nossa pura visão espiritual, de que o homem é o filho de Deus, alcança cada coração receptivo, onde quer que esteja e em quaisquer circunstâncias. A mensagem do Cristo nos assegura que cada indivíduo tem um propósito sagrado, o de expressar a Deus. Toda noção de que o homem possa estar separado de sua origem, Deus, e todo quadro que apresente uma identidade “descartada” ou humilhada, deve ceder lugar à compreensão dessa idéia espiritual e desse idealismo.
Tal oração é uma luz para o mundo, atuando como influência regeneradora na vida de todas aquelas crianças que, como Lixo, sentem-se sozinhas e solitárias no deserto das circunstâncias. Falando do mais profundo de sua visão espiritual a respeito da atuação da lei de Deus, a Sra. Eddy escreve: “Seria cruelmente injusto que uma criança inocente nascesse destinada a sofrer por toda a vida, devido aos erros ou pecados dos pais. A Ciência descarta a hipótese de o homem ser um criador e revela as harmonias eternas da única origem viva e verdadeira, Deus” (Miscellaneous Writings).
O pensamento imbuído de idéias do Espírito efetua o que a mente humana classifica de “maravilhas” e abençoa tanto a pessoa que mantém tal pensamento, como aquela a quem ele é dirigido. Não são as palavras que dizemos nem as crenças que abrigamos que iniciam a transformação da consciência e das circunstâncias humanas. O que cura é a inspiração espiritual que vai aumentando a partir de todos os corações que comungam com Deus, na aspiração de amar como são amados e de abençoar como são abençoados.
As orações fervorosas e as boas obras daqueles que demonstram seu amor a Deus pelo amor que têm pelo próximo brilharão como um farol para os viandantes da terra, guiando-os para o reconhecimento de uma identidade mais elevada e mais sagrada e, conseqüentemente, para um abrigo terreno seguro.
