Em setembro de 2002 A Biblioteca Mary Baker Eddy para o Progresso da Humanidade abrirá suas portas para visitantes de todo o mundo. O vasto acervo da Biblioteca estará à disposição de pessoas de todas as atividades, interessadas em saber mais acerca dessa mulher notável e de suas idéias, bem como do contexto em que ela viveu e realizou sua obra.
Nos próximos meses O Arauto publicará artigos trazendo excertos de obras inéditas que fazem parte desse acervo. Embora o material a ser apresentado nessa série ofereça apenas um vislumbre de fatos da vida da Sra. Eddy e de seus escritos, esperamos que ele inspire os leitores a continuar a pesquisa e a visitar a Biblioteca após sua inauguração. Mais informações sobre a Biblioteca, seu propósito e seu alcance poderão ser encontradas no número de março de 2002 do The Christian Science Journal.
O acervo da Biblioteca contém muitas narrativas históricas sobre a vida e as idéias de Mary Baker Eddy. As reminiscências refletem a perspectiva de uma pessoa e normalmente são registradas muitos anos após o acontecimento que lhes deu origem. Por isso, os nomes, datas e locais mencionados podem não ser muito precisos. Essas narrativas, contudo, dão mais profundidade a fatos registrados por escrito ou que tenham sido publicados.
A seguir apresentamos excertos de reminiscências registradas por Nadia Swartz Williams em 1938, e que falam de sua amizade com Mary Baker Eddy cerca de 60 anos antes. Para facilitar a leitura, a transcrição abaixo faz uso de pontuação e ortografia atuais. O manuscrito inédito estará exposto na Biblioteca quando esta for aberta ao público em setembro.
“A primeira vez em que me encontrei com a Sra. Eddy...”
Nasci em Druskeniki, província de Grodno, Rússia. Eu tinha 12 anos quando vim para os Estados Unidos e durante sete meses morei com minha tia, Fannie Phillips, em Lynn, Massachusetts... Os fundos da casa de minha tia confinavam com os fundos da casa da Sra. Mary Baker Eddy.
A primeira vez em que me encontrei com a Sra. Eddy fazia menos de três semanas que eu estava nos Estados Unidos. Foi numa manhã, quando eu pendurava roupas de bebê no varal dos fundos da casa. Estava cantando uma canção russa quando a Sra. Eddy fez um sinal para que eu fosse até ela. Ela falou comigo, mas como eu não conseguia entendê-la, eu lhe disse: “Eu não falo inglês.” ...Ao entrar em casa, disse à minha tia que aquela senhora encantadora ... havia falado comigo e que eu lamentava não ter entendido o que ela dissera, pois eu havia gostado muito dela. Tive a impressão de que minha tia ficara bastante nervosa, e ela me advertiu para que eu nunca me aproximasse daquela mulher.
Toda vez que eu ia estender roupas no varal eu procurava chamar a atenção da Sra. Eddy cantando minha canção um pouco mais alto. Muitas vezes isso dava resultado; a Sra. Eddy ficava dentro de casa a maior parte do tempo.
Apesar de minha pouca idade, eu me sentia encantada com a aparência angelical da Sra. Eddy e queria muito conhecê-la melhor. O fato de minha tia ter me prevenido contra ela aumentou meu desejo de conhecê-la.
Por alguma razão, eu não conseguia deixar de querer rever a Sra. Eddy. Instintivamente eu achava que a opinião da minha tia sobre aquela bela senhora era infundada. Toda vez que minha tia se ausentava de casa, eu ia até os fundos da casa da Sra. Eddy e batia na porta. Muitas vezes a Sra. Eddy dizia: “Estou ocupada, menina. Volte outra hora.”
Aos sábados, quando minha tia levava o bebê para passear, eu ficava arrumando a casa. Quando acabava o serviço, pegava meu pequeno dicionário e ia visitar a Sra. Eddy.
Perto de sua cadeira havia um banquinho no qual eu ficava sentada observando-a enquanto ela lia e escrevia. Não me lembro de nenhuma vez em que não estivesse fazendo uma das duas coisas.... Ela gostava do meu nome, Nadia. Dizia que era poético e que combinava comigo. Minha tia preferia me chamar de Nettie, pois achava que Nadia soava muito estrangeiro...
Quando disse à Sra. Eddy que meu nome americano era Nettie, ela me aconselhou a não adotar esse nome e ser sempre Nadia. Disse-me que era muito poético e que ficava bem em mim. Depois disso, passei a insistir em que me chamassem de Nadia e jamais gostei de Nettie, embora minha tia me chamasse assim... Minhas visitas à casa da Sra. Eddy duraram cerca de sete meses, todo o tempo em que morei em Lynn...
Ela gostava do meu nome, Nadia. Dizia que era poético e que combinava comigo.
Lembro-me de um ... episódio divertido que ocorreu quando eu estava nos Estados Unidos havia seis ou sete semanas. A Sra. Eddy pediu que eu lhe dissesse o que eu mais queria. Respondi imediatamente: “uma blusa com botões e uma saia”. Eu só tinha vestidos e nunca havia usado saia e blusa. Ela sorriu e disse que esse não era um desejo muito difícil de ser realizado.
Dois dias depois, minha tia me deu de presente uma saia vermelha. Eu estava ansiosa por uma oportunidade de mostrá-la à Sra. Eddy. Naquela mesma tarde, consegui vê-la e lhe contei que tivera a sorte de ganhar uma saia. Na mesinha redonda, que ficava próxima à cadeira em que a Sra. Eddy se sentava, vi o jornal Boston Post, um jornal diário publicado em Boston, Estados Unidos. Numa das páginas havia um grande anúncio da Houghton & Dutton, uma loja de departamentos em Boston, oferecendo blusas brancas de algodão, com pregas na frente e fechadas nas costas com botões pequenos de madrepérola. As blusas custavam 98 centavos de dólar.
Mostrei o jornal à Sra. Eddy e, apontando para a blusa, lhe disse: “É esta que eu quero.” A Sra. Eddy me deu uma nota de um dólar e perguntou se eu achava que poderia ir sozinha a Boston para comprá-la. Respondi: “Claro!” ... No sábado seguinte tomei o trem de Lynn para Boston, fui até a loja Houghton & Dutton, localizei o balcão em que estavam vendendo as blusas e, cheia de orgulho, disse à vendedora: “A senhora poderia me dar uma blusa branca, do meu tamanho, de 98 centavos, por favor?” A moça murmurou alguma coisa, mas a única palavra que eu entendi foi “tamanho”. A entonação era de uma pergunta. Repeti o pedido e obtive o mesmo resultado... Eu queria dizer “Eu não falo inglês”, que era a expressão que sempre funcionava e fazia com que os estranhos percebessem que eu era estrangeira, mas de maneira alguma eu conseguia me lembrar dessa frase... A vendedora me olhava com curiosidade. Eram por volta de 11h30min e eu percebi que ao meio-dia poderia haver uma mudança no turno dos funcionários; possivelmente a outra funcionária me entenderia... Após alguns minutos olhei para a vendedora e falei devagar, acentuando cada palavra: “A senhora poderia me dar uma blusa branca, do meu tamanho, de 98 centavos, por favor?” A vendedora murmurou alguma coisa e novamente a única palavra que compreendi seguida de interrogação foi “tamanho?”...Percebendo meu embaraço a vendedora se inclinou e, aproximando-se do meu ouvido, repetiu a pergunta em voz mais alta, certamente pensando que eu fosse surda. Essa atitude me deixou mais embaraçada ainda e fiquei com os olhos cheios de lágrimas. A vendedora acenou para um senhor que estava próximo e, quando este se aproximou de mim, a frase “Eu não falo inglês” veio ao meu pensamento como um raio... O homem que, sem dúvida, era responsável pela seção, pegou uma blusa do balcão, tirou a medida pelas minhas costas e, em poucos minutos, eu estava a caminho de Lynn com a blusa e 2 centavos de troco.
Antes de ir para a casa de minha tia fui visitar a Sra. Eddy. Quando abri o pacote e lhe mostrei a blusa, ela pareceu contente e me disse: “Querida menina, eu sabia que você conseguiria.” Não tive coragem de levar a blusa para casa, pois sabia que minha tia não me permitiria aceitá-la. Com efeito, minha tia não sabia de minhas freqüentes visitas à casa da Sra. Eddy. Perguntei à Sra. Eddy o que eu deveria fazer. Ela pensou um pouco, e disse: “Cuidarei disso, não se preocupe, querida”. Deixei a blusa com ela e, no dia seguinte à tarde, recebi a blusa pelo correio. Na caixa em que estava a blusa havia um bilhete que dizia: “Presente de uma amiga”. Minha tia ficou pensando naquilo durante muito tempo mas, pelo que eu saiba, ela nunca descobriu a identidade de quem mandou a blusa...
Muitas vezes, quando me lembro desses fatos, eu me pergunto se realmente eu tinha consciência do grande privilégio que tive de conhecer Mary Baker Eddy e de ela ter gostado de mim. A última coisa que ela me disse quando me despedi dela foi: “Espero que você tenha um grande futuro, Nadia.”
