O caminhão carregado de roupas que havíamos arrecadado fora enviado antecipadamente para uma reserva indígena no oeste dos Estados Unidos. Nosso grupo de doze estudantes do ensino médio, ansiosos por partir, seguiu para lá no primeiro dia das férias de primavera. Pensamos em passar os dois primeiros dias organizando e distribuindo as várias toneladas de roupas doadas pela nossa comunidade de Saint Louis. Contudo, eu não estava preparada para o que viria a seguir.
Ao chegar, fomos informados de que todas as roupas haviam sido roubadas. A desolação do lugar, com as casas deterioradas, tetos de lona e quintais abarrotados de carros sucateados condizia com o abatimento do nosso estado de ânimo. Fui forçada a retroceder mentalmente e questionar meus propósitos.
Seria o motivo dessa viagem apenas o de me sentir uma boa pessoa e o de distribuir roupas para pessoas carentes? Teria de ser mais que isso. No decorrer da nossa estada de uma semana, adquiri um senso mais elevado do meu próprio propósito e uma compreensão do que era realmente necessário para promover uma diferença duradoura na vida de outras pessoas.
Tudo o que eu podia pensar era que ela estava grávida de alguns meses
Certo dia, a tesoureira do conselho escolar do ensino médio daquela reserva nos mostrou a escola. Tudo o que eu podia pensar era que ela estava grávida de alguns meses. Ela nos contou que esperava se casar com seu namorado e que tentaria continuar seus estudos. Muitos de seus colegas de classe nem mesmo pensavam em fazer faculdade. Senti compaixão por ela, ao pensar nos desafios que enfrentaria para terminar os estudos e criar seu filho.
Passamos a tarde do dia seguinte limpando o lixo que cobria a margem da estrada. À medida que apanhava embalagens de alimentos, guardanapos de papel usados e latinhas de cerveja, refletia sobre o significado da palavra 'dar'. Antes da viagem, imaginava-me apenas em pé atrás de uma mesa distribuindo roupas para famílias carentes. Comecei a perceber quanto o ego havia feito parte do meu conceito original de dar. Quanto mais trabalhava, mais vislumbrava a profunda necessidade que eles tinham de um senso mais elevado de dignidade. Nenhuma quantia de dinheiro, roupas ou outras coisas materiais poderia suprir essa necessidade.
O acontecimento mais gratificante da viagem foi a manhã que passamos no Clube dos Rapazes e Moças da reserva, cujo nome era o mesmo da filha do fundador do clube. Ali, crianças podiam ler livros na biblioteca, fazer projetos de arte e jogar basquete. Esse clube é um lugar seguro para as crianças da reserva frequentarem, longe do crime, das gangues e das drogas que predominam na reserva. Soubemos que a filha do fundador do clube, uma jovem aspirante a estrela do basquete e excelente aluna tinha falecido em um acidente de carro havia vários anos.
Diferentemente de muitos de seus colegas de classe, ela acalentava sonhos para o futuro, inclusive o de cursar uma faculdade. Durante o ensino médio, ela se absteve de álcool, drogas e sexo antes do casamento. Hoje, muitos jovens na reserva se sentem motivados a estabelecer objetivos e aspirações mais elevados para eles mesmos, por causa do exemplo dessa jovem.
Pude constatar o efeito da influência de alguém que era um modelo de autorrespeito
Eu também fiquei inspirada com seu exemplo. Pude constatar o efeito da influência de alguém que era um modelo de autorrespeito. Comecei a vislumbrar que o serviço mais nobre que podemos prestar é o de elevar as expectativas que as pessoas têm para sua própria vida e transmitir um senso de autoestima. Esse tipo de prestação de serviço requer um comprometimento contínuo, ao invés de apenas um ato de ajuda isolado.
Compreendi que, como Cientista Cristã, meu compromisso incluía identificar consistentemente cada pessoa como um filho de Deus e reconhecer que suas necessidades humanas são constantemente supridas pelo Amor divino. Ainda que meu trabalho como voluntária fosse uma expressão desse Amor, eu não era a fonte dele. Compreender isso foi uma das melhores maneiras com a qual pude ajudar. Voltei para casa com a convicção de que serviria minha comunidade dessa nova maneira.
Além da revelação espiritual que obtive, minha experiência naquela reserva me ajudou a reconhecer a importância da educação. Agora, mais do que nunca, valorizo as oportunidades educacionais que me foram proporcionadas. Tal como diz o Evangelho de Lucas na Bíblia: "...àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido..." (ver Lucas 12:48). Desejo continuar a usar a educação a que tive acesso em benefício da minha comunidade e do mundo.
De volta a Saint Louis, comecei a fazer trabalho voluntário em um abrigo que oferece atendimento de emergência para crianças. Dediquei-me a ajudar essas crianças a reconhecerem sua autoestima. Esse trabalho me trouxe alegria, um senso de propósito e uma oportunidade de provar o que havia aprendido sobre o verdadeiro significado de dar. A oração foi essencial.
A cada momento, eu procurava reconhecer que Deus era a verdadeira Mãe e Pai deles
Muitas dessas crianças não tinham pai nem mãe ou tinham pais que não podiam cuidar delas adequadamente. Portanto, a cada momento, eu procurava reconhecer que Deus é a verdadeira Mãe e Pai de todos. Esse Pai-Māe divino nunca abandona nem maltrata Seus filhos. Esse Pai é inteiramente bom e imutável, e ama Seus filhos.
Outro desafio para as crianças no abrigo é que elas carecem de recursos importantes como alimentos, roupas, um lar, educação, dinheiro e acima de tudo, amor. Nas minhas orações, tenho revertido esse quadro de carência com a de que Deus é Amor e tem recursos infinitos para suprir cada um de Seus filhos, tanto espiritual quanto emocionalmente. De um ponto de vista prático, o abrigo é um recurso visível na comunidade, que proporcina às crianças o terno cuidado de que elas parecem carecer em seus próprios lares.
Uma das questões com a qual tive de lidar em minhas orações durante o período que fiquei no abrigo, como também na reserva, foi o abuso de álcool e drogas. Orava para reconhecer que cada um de nós é governado somente pelo Espírito divino e que esse Espírito é o único poder. Logicamente, a isso se segue que nenhum impulso destrutivo pode surgir entre o puro relacionamento que o filho ou os pais têm com o nosso Pai divino, nem pode esse impulso controlar a vida deles. Somos influencidos por Deus e sujeitos a Ele, o único Deus, que é o bem.
Em inúmeros casos, a vítima parece ser a criança e o agressor é o pai ou a mãe. As estatísticas mostram que, se a pessoa sofreu espancamento quando criança, é mais provável que ela espanque seus próprios filhos. Para mim, tem sido útil compreender melhor que, devido ao fato de sermos governados por Deus, não podemos ser vítimas de um mal cíclico. O pai ou a mãe que demonstra um comportamento destrutivo ou abusivo, na realidade espiritual também é um filho de Deus, exatamente como seu próprio filho o é.
A lição que tenho aprendido é que a forma mais importante de dar não é com presentes materiais, mas sim a de expressar o Amor divino, ou seja, ver nosso próximo espiritualmente.
A lição que tenho aprendido é que a forma mais importante de dar não é com presentes materiais, mas sim a de expressar o Amor divino, ou seja, ver nosso próximo espiritualmente. Seria fácil se sentir paralisado pelas cenas de sofrimento humano na reserva e no abrigo. Ao contrário, foi essencial que eu revertesse essas imagens em meu pensamento. Percebi que a maior necessidade que essas pessoas tinham era a de que alguém as visse não como vítimas da pobreza ou do abuso, mas como filhos do amoroso Pai-Māe Deus, que provê o bem infinito, o tempo todo.
