Uma retrospectiva dos ciclos da semeadura e da colheita na Bíblia
Quando lançamos um olhar retrospectivo para o Antigo Testamento, constatamos que, desde o tempo em que os filhos de Israel atravessaram o rio Jordão em direção às terras de Canaã, eles cessaram de ser nômades. Estabelecendo-se em cidades e vilarejos, se tornaram uma nação de pastores e agricultores. A drástica mudança, de vagar pelo deserto durante 40 anos após a fuga da escravidão no Egito, para um estilo de vida mais permanente, acrescentou muitos novos costumes e práticas à cultura israelita.
Antes de os israelitas chegarem, em torno do ano 1.300, antes da era cristã, os canaanitas já habitavam Canaã havia cerca de mil anos e ocupavam suas terras, cultivando as planícies, montes com encostas aplanadas e o rico solo fértil. Portanto, muito naturalmente os novos habitantes incorporaram as práticas agrícolas dos canaanitas à sua vida. Os israelitas se tornaram adeptos do plantio de grãos e do cultivo de vinhas e pomares de oliveiras. Os platôs e colinas adjacentes aos vilarejos se tornaram bons pastos para os rebanhos de gado e carneiros. Essas terras permaneceram propriedade comum para os israelitas.
Literal e figurativamente, a agricultura se tornou o fundamento econômico e bíblico de Israel, e exercia uma influência extremamente marcante na vida diária, no comportamento social, na religião e na lei. Embora as pessoas, a realeza e os sacerdotes fossem proprietários da terra, os israelitas acreditavam que, em última análise, a terra pertencia a Deus. Portanto, os israelitas não somente aravam, semeavam e colhiam, como, ao fazê-lo, cada um se unia a Deus, que, em troca, garantia a abundância de tudo que fosse essencial para a vida diária. A religião era parte integrante da vida agrícola dos israelitas. Não é de se admirar que a Bíblia esteja repleta de analogias com o plantio, semeadura, colheita, pastores, ovelhas e outros exemplos rurais.
Os israelitas em Canaã desenvolveram uma divisão sêxtupla de estações, com um ou dois meses para cada estação. A melhor fonte para essa divisão de estações agrícolas é um calendário do século décimo antes da era cristã, descoberto em 1908, no sítio de escavações da antiga cidade bíblica de Gezer e por isso foi chamado de o Calendário de Gezer. De acordo com o The Interpreter's Dictionary of the Bible (O Dicionário do Intérprete da Bíblia), esse calendário talvez tenha sido escrito como um exercício de escola, no qual os meses estão intimamente relacionados com as estações. Ele é quase como um tipo de verso irregular:
Seus dois meses são colheita (azeitonas),
Seus dois meses são plantio (grãos)
Seus dois meses são plantio tardio;
Seu mês é capinar a linhaça,
Seu mês é colher a cevada,
Seu mês é de colheita e de festejos;
Seus dois meses são para cuidar da
videira,
Seu mês é das frutas de verão.
O ano religioso israelita também era programado de acordo com o cultivo das colheitas. As maiores festas e festivais tinham significado tanto agrícola quanto religioso. O jejum ocorria no início da semeadura ou plantio. Todos da família, na ocasião do trabalho duro, realizavam as atividades ininterruptamente. Algumas vezes, o solo pedregoso e acidentado e chuvas imprevisíveis tornavam a prática da agricultura difícil. Uma colheita pobre trazia muita tristeza. Por outro lado, uma boa colheita trazia tanta alegria que a celebração da época das colheitas com festivais muito animados se tornou tradição.
Cada homem israelita tinha de participar de três grandes festivais (Getting Better Acquainted with Your Bible [Familiarizando-se com sua Bíblia], de Berenice Shotwell, p. 59). A Festa dos Pães Asmos acontecia um dia depois da celebração religiosa da Páscoa. Esse Dia de Festa comemorava a partida apressada dos israelitas do Egito, o dia em que eles não puderam demorar muito para assar o pão diário. Agora, na terra de Canaã, os israelitas celebravam essa festa e a Páscoa juntas, e alegremente abriam a estação da colheita do grão. Isso normalmente ocorria durante março ou abril.
O segundo festival anual, a Festa das Semanas, ocorria no 50º dia após o primeiro dia de Páscoa. Esse festival de um dia de duração, algumas vezes era chamado de Festa da Colheita, porque celebrava o encerramento da estação da ceifa, que acontecia em maio ou junho. Esse festival também era chamado de Dia dos Primeiros Frutos, o dia em que o primeiro produto da colheita era apresentado. O Novo Testamento se refere a esse festival como o Dia de Pentecostes (ver Atos 2:1). O termo grego para o Festival das Semanas é Pentecoste (pent[e Macron]kost[e Macron], significando 50º). Além disso, uma vez que o dom do Espírito Santo desceu nesse dia, 50 dias após a ressurreição de Jesus, os cristãos reinterpretaram o Festival das Semanas para comemorar o encerramento da missão de Jesus na terra.
O terceiro festival, a Festa dos Tabernáculos de sete dias de duração, algumas vezes chamado de festa da recolha da colheita, era um evento outonal muito alegre, que ocorria em setembro ou outubro, e que marcava a colheita dos frutos da terra: uvas, figos e azeitonas.
Todos os festivais incluíam jejum, festa, cânticos, dança e procissões. As pessoas davam graças a Deus e a oferta de presentes e orações solenes desempenhava uma parte importante nas celebrações. Esses eventos unificavam fortemente as tribos, fortaleciam os laços religiosos e firmavam a fé na bondade de Deus.
Esses festivais também mostravam que os israelitas sentiam profundamente o contraste entre as estações de plantio e de colheita. Por exemplo, o Salmista cantou: "Os que com lágrimas semeiam com júbilo ceifarão. Quem sai andando e chorando, enquanto semeia, voltará com júbilo, trazendo os seus feixes" (Salmos 126:5, 6).
Séculos mais tarde, Jesus trouxe uma nova perspectiva para esse velho conceito dualístico do período laborioso e difícil de semear, cuidar das lavouras e o regozijo de colher em abundância. Jesus elevou os pensamentos de seus ouvintes a um sentido espiritual da bondade e do amor imediatos de Deus. Quando Jesus pregou em Samaria, uma região muito conhecida por seus grãos dourados, ele talvez estivesse olhando ao redor de seus campos, quando disse: "Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: erguei os olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa. O ceifeiro recebe desde já a recompensa e entesoura o seu fruto para a vida eterna; e, dessarte, se alegram tanto o semeador como o ceifeiro” (João 4:35,36).
Em essência, Jesus estava dizendo aos seus ouvintes que eles haviam chegado ao fim do tempo de espera. Ele havia mostrado a eles que a bondade e o amor de Deus, ou seja, o reino do céu (a colheita) é uma possibilidade presente.
Os samaritanos sabiam bem que quatro meses era o tempo que levava entre a semeadura e a colheita. Contudo, os judeus tinham um sonho da Era Dourada, uma era por vir em que Deus reinaria supremo, um sonho em que semear e colher, plantar e segar seriam tão próximos um do outro que os dias de espera terminariam.
Em essência, Jesus estava dizendo aos seus ouvintes que eles haviam chegado ao fim do tempo de espera. Ele havia mostrado a eles que a bondade e o amor de Deus, ou seja, o reino do céu (a colheita) é uma possibilidade presente. Tanto a semeador como o segador podem se regozijar ao mesmo tempo! Que encorajamento para a pessoa cuja vida seja como a do semeador da semente, o presente talvez pareça árido e difícil, mas ele pode segar uma colheita imediata de alegria através da compreensão de que toda a bondade da vida eterna já é um fato presente.
Este hino, adaptado de um poema do século XIX, entrelaça as imagens inspiradoras do semeador e do segador, que ecoa os festivais dos israelitas e a promessa de Jesus:
"Quem chorando acalenta
A semente do Amor,
Incansável, bem alerta,
Vence já em seu labor.
Cai do céu a chuva branda,
Dá o sol o seu calor,
Muito fruto madurando
Pela graça do Senhor.
Sempre firme, semeando,
Sem temor ou fraquejar,
Dura luta sustentando,
Alegrias vais segar.
Eis o campo que verdeja,
E a espiga a ondular.
A seara já branqueja,
Chega a hora de ceifar”
(Hinário da Ciência Cristã, 97).
