Charles Dickens, romancista inglês popular da era vitoriana, e que muito contribuiu para a introdução da crítica social na literatura de ficção inglesa, certamente captou o estado de espírito que predomina nas pessoas que enfrentam tempos difíceis. Um de seus personagens mais famosos está em pé, em um triste e sombrio pátio de igreja, mantendo um tenso monólogo diante do Futuro, representado por uma figura sem rosto, encapuzada e envolta em um manto, e em misterioso silêncio.
O ansioso questionamento do personagem Ebenezer Scrooge é algo com o qual a maioria de nós pode se relacionar. Embora nossos próprios temores talvez não sejam escritos por um grande romancista, eles não são menos pungentes, como por exemplo: "Quando vou receber notícias da minha filha que está servindo no Afeganistão? Existe algum lugar para se viver que esteja a salvo de tempestades devastadoras ou da elevação do nivel do mar? Ou de crimes fortuitos e conspirações terroristas? O que dizer a respeito da minha saúde? Como pagarei integralmente minhas dívidas da faculdade? Quais são as perspectivas da minha carreira durante um período de "recuperação do emprego"? Como administro minha aposentadoria sem os recursos financeiros com os quais contava?"
Com muita frequência, existe uma tendência no raciocínio humano de preencher o que não sabemos, com preocupação, ansiedade, os cenários mais terríveis e com o conhecido e velho medo. Essa tendência lança grandes sombras sobre a esperança e a confiança, envolve o amanhã com dúvidas, levando-nos a nos sentir extremamente vulneráveis a qualquer coisa e a tudo que possa dar errado.
Jacó deve ter se sentido sozinho, enquanto a escuridão da noite o envolvia
Talvez pensemos ser os únicos que já tentaram espreitar, na ponta dos pés e com os joelhos trêmulos, um futuro sombrio e cheio de maus presságios. Na verdade, porém, esse é um lugar onde as pessoas comumente se encontram, de noticiário em noticiário, geração após geração.
Voltemos uns dois mil anos no tempo, e identificaremos o patriarca bíblico Jacó nessa situação, certa noite, sozinho no deserto. Ele havia abandonado sua casa às pressas, fugindo do seu próprio irmão, que prometeu matá-lo por fraude e desonra. Portanto, seguindo o conselho da mãe, fugia para a casa de um tio que não conhecia e para um país em que nunca estivera antes. A soma total de bens materiais para o seu conforto se resumia em algumas pedras que ele empilhara para descansar a cabeça.
Como Jacó deve ter se sentido sozinho, enquanto a escuridão da noite o envolvia! Talvez estivesse se lamentando pelas açōes que cometera e que o haviam separado da família; ou preocupado com predadores escondidos na escuridão e com ladrões que pudessem atacá-lo. Por quanto tempo durariam suas provisões? Será que encontraria refúgio novamente? Finalmente, seus olhos se cerraram e ele adormeceu.
Jacó não havia feito nada de especial para merecer essa mensagem angelical de consolo
Mesmo naquela escuridão física e mental, algo em Jacó estava em sintonia com uma mensagem espiritual. Era seu sentido espiritual, ou seja, a capacidade de sentir esperança e inspiração, capacidade essa que é inata a todos nós. Esse sentido espiritual nos mantém conectados a Deus mesmo quando temos a sensação de que circunstâncias ou situações nos desconectaram dEle. Para Jacó, esse sentido espiritual, lhe proporcionou um sonho em que uma escada descia do céu, alcançando-o ali mesmo onde ele se encontrava. Ele ouviu esta mensagem tranquilizadora de Deus: "Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que vás..." (Gênesis 28:15, English Standard Version [Versão Padrão Inglesa]).
Que visão reconfortante e bela! Jacó acordou cheio de admiração e exclamou: "Certamente o SENHOR está neste lugar, e eu não o sabia" (Gênesis 28:16, English Standard Version). Deus estava exatamente no lugar onde Jacó havia se sentido tão sozinho e continuaria a estar com ele. Seu futuro estava garantido porque o grande Eu Sou, como Deus passara a ser chamado, está sempre conosco, mesmo quando o cenário humano parece o mais tenebroso e incerto.
Jacó não havia feito nada de especial para merecer essa mensagem angelical de consolo. Fora simplesmente a natureza imparcial do Amor de continuar amando-o, nutrindo-o, acalentando-o e protegendo-o em sua jornada, de um sentido limitado acerca de sua vida e de seus recursos, rumo a um sentido espiritual da abundância e da bondade de Deus que inclui a todos, ou seja, ninguém é enganado, desalojado ou desapossado. Era uma jornada que lhe custaria muitos anos e lhe traria muitas lições, mas Deus estaria com ele, dia após dia.
Veio-me à mente uma doce inspiração, lembrando-me que devia esperar a cura completa
"Certamente o SENHOR está neste lugar..." (Gênesis 28:16). É necessário reconhecer que Deus está conosco exatamente agora. Nosso raciocínio se desvia do caminho certo quando partimos de um ponto de vista limitado sobre a vida, tendo como base somente aquilo que vemos e ouvimos a respeito das circunstâncias nas quais estamos envolvidos. Olhos e ouvidos humanos não conseguem abranger a dimensão espiritual da vida e assim a premissa demasiadamente comum é a de que Deus não está presente. De fato, todo sofrimento humano talvez possa ser resumido na conclusão falsa de que Deus está ausente. Quando tristes, acreditamos que Deus não estava lá. Com dores, achamos que Deus não está aqui e, com medo, preocupamo-nos de que Deus não esteja presente.
Assim como Jacó, precisamos utilizar nosso sentido espiritual para reconhecer o que realmente ocorre, o tempo todo. Deus está aqui e sempre esteve. Aquela visão inspirada ampliou a perspectiva de Jacó com relação à sua situação e ele começou a olhar as coisas de forma diferente. As pedras, que foram tão duras e desconfortáveis como um lugar para descansar sua cabeça, acabaram sendo utilizadas para erigir um altar forte e duradouro para Deus. As mesmas pedras, com diferentes significados. Ao invés de colocar seus problemas em primeiro lugar, ele colocou a Deus em primeiro lugar. Esse incidente acabou mudando a forma como ele via o futuro, ou seja, do medo para a confiança, da ansiedade para a esperança.
"Eu sou com você. Agora e sempre." Esses mesmos anjos falam a nós também, em todas as circunstâncias.
Certa vez, com uma dor proveniente de uma lesão no joelho, que não sarava, arrastava-me rumo acima em uma trilha na qual gostava de caminhar, imaginando se algum dia conseguiria me mover livremente de novo. Veio-me à mente uma doce inspiração, lembrando-me que devia esperar a cura completa. As dúvidas que ainda tinha desapareceram no caminho de volta da trilha, uma vez que eu agora tinha um novo entendimento de que Deus não tinha me deixado caminhando sozinha nessa jornada rumo à cura: "Eu sou com você. EU SOU". Poucos dias mais tarde, subi a mesma trilha com facilidade, em marcha normal, e a restauração foi completa.
Sabia apenas que os inquilinos estariam se mudando para nossa casa e que tínhamos de sair
A tentação está sempre fazendo com que nossos pensamentos vagueiem rumo ao desconhecido à nossa frente e se fixem naquilo que talvez possa acontecer. Quando as perguntas "e se?" começam a nos enredar, pare. Substitua o "e se" pelo "o que é". Use esse sentido espiritual, a receptividade humilde e o raciocínio inspirado, os quais são inatos em nós, para reconhecer aquilo que é. O que está presente? Deus, o grande Eu Sou. O que está acontecendo? O bem infinito. Qual é a minha situação? Estou sob as asas do Todo-Poderoso. A oração disciplinada e consagrada dessa natureza nos permite sentir dentro do próprio coração a mensagem ininterrupta de que Deus está conosco e de que estamos seguros, agora mesmo.
Sem dúvida não é uma lição fácil. Lembro-me nitidamente de uma vez em que meu marido estava mudando de profissão e estava ponderando sobre algumas oportunidades de emprego, mas nenhuma delas havia sido escolhida ainda. Se fôssemos apenas nós dois, poderíamos mudar para qualquer lugar, mas tínhamos dois filhos jovens e um gato. Além disso, as economias da família haviam diminuído devido a uma crise econômica.
A transportadora encarregada da mudança e que eu havia chamado fez uma pergunta perfeitamente razoável: Exatamente para onde eles deveriam enviar nossa mudança? Entretanto, eu não sabia nem a cidade, nem o estado. Sabia apenas que os inquilinos estariam se mudando para nossa casa no final do mês e que tínhamos de sair. Fora isso, nada era certo.
Com o passar dos anos, descobri o quão libertador é abandonar tanto o passado como o futuro e considerar apenas o momento presente
Não era a primeira vez que a agente de programação da transportadora e eu conversávamos sobre o destino da mudança. Ela precisava saber o lugar para encaixar nossa mudança junto com outra carga que fosse na mesma direçāo. Havia um caminhão para ser carregado, uma equipe para ser programada e um motorista a ser contatado para que a mudança pudesse ser marcada. A incerteza quanto aos nossos futuros planos influenciava os deles. Ela foi rápida em apontar os inúmeros problemas potenciais que iríamos enfrentar, sem as necessárias respostas concretas.
Muitos talvez pensem que é bom esperar por um bom resultado, mas que isso é um tanto ingênuo, porque o bom fechamento de uma situação em particular, seja ela qual for, é simplesmente impossivel. Ora, essa é exatamente a atmosfera mental propícia para que a oração revele um potencial que jamais poderíamos imaginar: "...para Deus tudo é possível" (Mateus 19:26). Contudo, a exigência espiritual é que comecemos com o que está acontecendo hoje.
Com o passar dos anos, descobri o quão libertador é abandonar tanto o passado como o futuro e considerar apenas o momento presente. Uma versão do Sermão do Monte apresenta Jesus aconselhando a seus seguidores: "Concentre toda a sua atenção no que Deus está fazendo exatamente agora, e não fique perturbado sobre o que pode ou não acontecer amanhã. Quando chegar a hora, Deus vai ajudá-lo a lidar com quaisquer coisas difíceis que surgirem" (Mateus 6:34, The Message [A Mensagem]). Qualquer açāo que tenhamos feito, decisões que tenhamos tomado ou a que quer que tenha acontecido, a graça de Deus ainda está nos envolvendo, coroando-nos com a "...coroa de graça e misericórdia..." (Salmos 103:4). Podemos confiar nessa graça.
Sempre que amigos e familiares e, especialmente, a transportadora, perguntavam se já sabíamos quais eram os nossos planos, eu orava silenciosamente por mais graça
Isso era o que eu tinha de fazer naquelas semanas e dias antes de nos mudarmos para um destino ainda desconhecido. Havia aprofundado minha compreensão a respeito da Oração do Senhor em meu estudo do livro Ciência e Saúde com a Chave das Escrituras, de Mary Baker Eddy. O que realmente me surpreendeu foi como a conhecida petição: "O pão nosso de cada dia dá-nos hoje" foi expandida espiritualmente na página 17 para: "Dá-nos graça para hoje...", graça diária. Essa petição se tornou meu tema constante. Eu não estava perguntando a Deus sobre o amanhã, sobre qual trabalho meu marido teria ou não, sobre qual escola nossos filhos frequentariam, ou para qual endereço eu deveria ter minhas contas enviadas. Concentrar-me apenas no hoje foi uma disciplina contínua, mas tentava realmente buscar a graça para aquele dia, reconhecendo todas as evidências do amor ilimitado que Deus tinha para cada um de nós.
Concentrar-me apenas no hoje foi uma disciplina contínua, mas tentava realmente buscar a graça para aquele dia, reconhecendo todas as evidências do amor ilimitado que Deus tinha para cada um de nós.
Sempre que amigos e familiares e, especialmente, a empresa transportadora perguntavam se já sabíamos quais eram os nossos planos, eu orava silenciosamente por mais graça. A resposta, "ainda não sabemos ao certo", nunca soava como uma desculpa ou uma dúvida, mas era ponderada e calma. Tomava o cuidado para não especular ou até mesmo dizer em voz alta que gostaria de um ou outro resultado. Apenas pedia mais graça para aquele dia.
Quando faltava apenas uma semana para deixarmos a casa, meu marido recebeu uma oferta inesperada para trabalhar em uma cidade que ainda não tínhamos sequer considerado. Essa cidade oferecia mais vantagens do que qualquer outra que estivéramos considerando. Em dois dias, ele havia aceitado o trabalho e encontrado uma casa ideal para nós (com uma inesperada acomodação para nosso gato). Pude finalmente comunicar à transportadora para onde estávamos indo. Aconteceu que o destino da nossa mudança coincidiu com o de outra mudança já programada pelo motorista. Na semana seguinte, estávamos instalados na nova casa e as crianças matriculadas em novas escolas. Uma experiência inteiramente nova estava surgindo para nós. Todos os envolvidos ficaram impressionados com a miríade de detalhes que pudemos resolver tão rapidamente.
Estamos seguros hoje e todos os dias
Não, não foi como se todas as preocupações tivessem se resolvido naquela única mudança. De fato, embora meu marido tivesse recebido um bom aumento de salário, o alto custo de vida daquela cidade rapidamente o consumiu. Nós precisávamos continuar orando diariamente por graça. Era preciso manter nosso enfoque unicamente no que estava ocorrendo naquele momento. Contudo, nada essencial jamais faltou. Provisões e oportunidades inesperadas apareceram, justamente quando mais precisávamos delas. Vivíamos constante e consistentemente com a primeira frase de Ciência e Saúde: "Para os que se apóiam no infinito sustentador, o dia de hoje está repleto de bênçãos" (p. vii). O amanhã, quando chega, é um outro hoje, e igualmente tão abençoado e cheio de graça.
Após 23 anos de casamento e sete grandes mudanças juntos (e algumas menores entre elas), ainda oramos por graça divina, a cada dia. Essa é a oração mais expansiva que conhecemos; aborda todas as preocupações e nos leva ao próprio coração do Amor infinito, revelando os recursos ilimitados do bem espiritual sempre disponível.
Nada, explicou o apóstolo Paulo, pode nos separar do amor de Deus. Nem adversidade, privação, nem coisas fora do nosso controle, "nem as coisas do presente, nem do porvir" (Romanos 8:38). Quando reconhecemos que somos eternamente inseparáveis do Amor divino infinito, onipotente, percebemos que estamos seguros hoje, e todos os dias. Com isso, eliminamos o sinistro senso de futuro de Dickens da história de nossa vida.
 
    
