A década de noventa ainda representava uma época de grandes inquietações no meu país, Angola, devido ao prolongado conflito armado. Ao todo, sofremos 27 anos de guerra civil. As agitações sociais se refletiam na vida de todos. Quem vinha do interior para a cosmopolita Luanda enfrentava dificuldades que afetavam a estabilidade emocional da família. Era preciso ter grande arcaboiço para suportar a pressão de criar condições de sobrevivência ou encontrar um espaço para se abrigar com a família e empreender esforços para cobrir as responsabilidades de trabalhar para o sustento e formação dos filhos. As dificuldades eram tremendas, principalmente para as famílias que haviam passado por divórcio, óbito ou abandono de um dos pais, deixando somente um responsável para a educação dos filhos.
Nesse ambiente, um tanto quanto conturbado, de um lado e de outro da vizinhança ouvíamos, baixinho, que o filho de certa pessoa, o sobrinho ou o irmão já havia bazado (emigrado)! Havia uma atitude generalizada para se encontrar formas de salvar os homens das famílias. Sempre priorizou-se a emigração dos rapazes, por possuírem características de maior liberdade e por aguentarem trabalhos em obras. A estabilidade desses rapazes no exterior poderia representar uma porta de entrada para outros da família que procurassem emprego naquele país.
Com satisfação, muitos conseguiram deixar o trabalho braçal das obras e hoje são formados em boas universidades estrangeiras, visto que conduziram sua vida com discernimento, vivendo com sabedoria e economia para pagar os estudos.
Muitos achavam que, apesar de toda dificuldade de estar em um país estranho e longe da família, havia, no exterior, uma coisa que o país de origem não oferecia: paz social, o que tornava possível que estudassem com seus próprios meios, mesmo sendo estrangeiros. Muitos rumavam para o estrangeiro, beneficiando-se das oportunidades de bolsas de estudo oferecidas. Não raras vezes, recebemos notícias de serem os que bazaram por conta própria aqueles que mais se destacaram nos estudos e no modo de vida modesto, repleto de bons exemplos de valores morais e de solidariedade, próprios de bons cidadãos.
Eu também vi a possibilidade de mandar meus filhos para o exterior. Essa experiência me faz ver que, se todas as pessoas tivessem tido a oportunidade de conhecer a Ciência Cristã em tempo oportuno, tanto os africanos como outros povos, também teriam percebido, a realidade de que somos filhos de Deus, perfeitos e eternos, e de que assumimos comportamentos intrínsecos aos de filhos amados de Deus, tal como estudamos na Ciência Cristã.
No tempo em que filho mais novo foi se juntar ao irmão, eu já não orava a um Deus desconhecido. Nessa época, eu já tinha consciência de que vivemos em harmonia no reino da Mente, no qual um “...só Deus infinito, o bem, unifica homens e nações... aniquila a idolatria pagã e a cristã — tudo o que está errado nos códigos sociais, civis, criminais, políticos e religiosos... anula a maldição sobre o homem, e não deixa nada que possa pecar, sofrer, ser punido ou destruído” (Ciência e Saúde, p. 340). Entendi que os códigos migratórios e consulares também estão sob o governo infalível e amoroso de Deus, e percebi que praticar o que estudava na Ciência Cristã harmonizaria a vida.
Também procurei acalentar no pensamento os anjos, que Ciência e Saúde descreve como: “Pensamentos de Deus que vêm ao homem; intuições espirituais, puras e perfeitas; a inspiração da bondade, da pureza e da imortalidade, neurtralizando todo o mal...” (p. 581). Essas ideias me deixaram segura de que meu filho estava bem, protegido e feliz. De fato, além de estar estudando, também estava inscrito em uma escola de basquetebol, ocupando-se nos momentos livres.
Conforme o tempo foi passando, percebemos como seria importante que ele assinasse contrato com algum clube, para se profissionalizar. Entretanto, acreditava-se que sua altura não era a ideal para a prática do basquetebol, o que impediria o interesse dos clubes. Pedi ajuda a um Praticista da Ciência Cristã, que me aconselhou a não nos distrairmos olhando para a estatura física, mas a prestarmos atenção à estatura da plenitude de Cristo “...de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Efésios 4:16).
Começamos a orar com esse pensamento e tudo ficou mais claro para nós. Meu filho não podia andar de um lado para outro nem ser alvo das artimanhas dos sentidos físicos, porque o serviço dele era para a edificação do amor, o que consequentemente abençoaria outros. Eu o incentivava a servir com muito respeito, amor e consideração a todos, tanto aos que pagavam para assistir um bom jogo, como aos que buscavam entretenimento vendo os jogos pela TV.
Como resultado, o trabalho dele na equipe da escola em que jogava basquete sempre foi muito apreciado, até mesmo pelo treinador, a quem meu filho tratava como um pai. Ele assinou um contrato de trabalho desportivo com um clube de Açores, em Portugal.
Com esse contrato em mãos, começou a tratar de sua legalização. Na qualidade de ilegal, deram-lhe despacho para voltar ao seu país, Angola, de onde então devia solicitar o visto de trabalho português. Entretanto, meu filho ficou apossado do medo porque a opinião geral era de que não conseguiria tirar o visto em Angola e retornar para Portugal.
As seguintes passagens de Ciência e Saúde foram para nós um grande apoio diante das dificuldades que surgiram: “...céu não é uma localidade, mas um estado divino da Mente...” (p. 291) e: “A honestidade é poder espiritual. A desonestidade é fraqueza humana, que perde o direito à ajuda divina. Pões o pecado a descoberto, não para prejudicar o homem corpóreo, mas para abençoá-lo; e um motivo justo tem sua recompensa” (p. 453). Motivos justos impeliram meu filho a ter a coragem e a honestidade de se apresentar às autoridades federais para regularizar sua situação. Oramos para reconhecer que ele não poderia ser punido, apenas abençoado, por agir com coragem e honestidade. Também lhe assegurei que habitamos no reino de Deus, o reino da harmonia universal, no qual cada um tem um lugar seguro e não sujeito a condições adversas.
Assegurei a meu filho que habitamos no reino de Deus, o reino da harmonia universal, no qual cada um tem um lugar seguro e não sujeito a condições adversas.
Fui receber o meu filho no aeroporto com essa convicção e remetemos o processo ao Consulado que acabou por lhe dar o visto de trabalho. Quando chegou o dia de regressar a Portugal, oramos com esta mensagem de Salmos: “O senhor guardará a tua saída e a tua entrada...” (121:8). As próprias entidades portuguesas no aeroporto de Lisboa não entenderam como podia o meu filho regressar com um visto de trabalho, pois acreditavam que fora deportado de Portugal. Mas ele explicou que, por ter assinado contrato com um clube português, apenas tinha ido para Angola a fim de tratar de seu visto de trabalho.
Seus colegas do clube e amigos desconheciam detalhes sobre sua viagem e se admiraram ao vê-lo de volta. Só o treinador estaa ciente de que o atleta tinha conseguido o visto e fora reenquardrado no clube sem qualquer problema, porque esteve a enviar os documentos solicitados durante o processo de legalização.
Meu filho legalizou sua situação em Açores segundo a vontade de Deus e continuou a jogar, sem que sua estatura fosse considerada. Ele sempre se integrou bem nos grupos e deu o melhor de si, trabalhando para Deus, buscando sempre o aperfeiçoamento em todas as atividades.
Hoje tem residência permanente em Portugal; legalizado, começou a estudar e já recebeu até propostas de editoras para publicar livros. Sempre conversamos e trocamos impressões sobre seus trabalhos, conscientes de que, quando imbuídos do propósito correto, Deus sempre supre todas as nossas necessidades.
