Estávamos todos a brincar na sala de brinquedos no andar de baixo, Peter, sua irmãzinha Jody e eu. Com quase três anos de idade, Peter conversava por meio de perguntas completas, com enorme curiosidade a respeito de tudo. (“Podemos construir um prédio bem, bem alto?” “O que aquele besouro está fazendo ali?” “Como é que funciona o piano?”)
Jody andava e cantarolava, mas não falava propriamente. Fazia gorjeios, como as andorinhas lá fora. Seu interesse se restringia a colocar coisas na boca e desamarrar os cordões do sapato.
Quando chegou a hora de eu subir com Jody para uma troca de fraldas, expliquei a Peter com cuidado, procurando ter certeza de que estava me ouvindo, que voltaríamos logo e que ele poderia subir também, quando quisesse.
Tinha concluído a tarefa, quando ouvi Peter chorar. Peguei rapidamente Jody no colo e desci a escada, dizendo: “Peter, já vou, está tudo bem. Estamos aqui.”
Não sabia o significado do choro. Um carrinho derrubara a construção de bloquinhos? O menino tinha caído da cadeira?
Ali estava ele no estreito corredor, pequenino e desamparado, com a voz embargada pelo pranto. “Eu estava sozinho, sozinho. Vem me buscar, vem me buscar.”
Então fui até ele, e nos abraçamos, Peter e Jody nos braços da vovó, num abraço bem apertado. Enxuguei as lágrimas de Peter, e de Jody também, pois ela começara a chorar em solidariedade. Uma vez enxugados os rostos e acalmados os ânimos, começamos a construir uma garagem para o carrinho e Jody encontrou um aro de plástico vermelho para pôr na boca.
O pânico de uma criança não abala um adulto que sabe muito bem que não há nada para a criança temer. No entanto, se o medo parece real, merece a devida atenção. Por isso, disse em voz alta, enquanto ajeitávamos os bloquinhos para construir a garagem, que mesmo quando nos sentimos sozinhos, Deus está sempre conosco. “Assim como: ‘Venha o teu reino,’ ” Mateus 6:10. disse, citando a Oração do Senhor. “Você se lembra? E ‘O Teu reino já veio; tu estás sempre presente.’ ”Em Ciência e Saúde, a Sra. Eddy dá a interpretação espiritual da Oração do Senhor, junto com o texto da oração (pp. 16–17). As crianças que freqüentam a Escola Dominical da Ciência Cristã, estão, em geral, bem familiarizadas com esses trechos.
Peter disse: “Eu sei.” Então começamos a falar de blocos e besouros, enquanto eu amarrava o sapatinho de Jody.
Agora penso com freqüência naquela cena. Não por ter sido significativa em termos do medo e das lágrimas de Peter, que por sinal depressa as esqueceu, mas porque o incidente se tornou uma espécie de metáfora de muitas das coisas que ocorrem na vida em família.
Em qualquer lar pode haver corações vazios, épocas de medo, raiva, isolamento. Uma irmã que se sente negligenciada porque o irmão recebe mais atenção. Marido e mulher que discordam com veemência a respeito de alguma decisão importante relativa aos filhos. Uma tia que ficou viúva e precisa sentir que ainda tem objetivo na vida, que ainda é necessária.
Numa sensação de desamparo, podemos nos sentir separados do bem, exatamente como um pequeno Peter. Não obstante, do Seu ponto de vista superior, como Ser que tudo vê e tudo sabe, Deus compreende perfeitamente, o tempo todo, que Seus filhos nunca podem estar abandonados. Ele nunca nos deixa.
“Ninguém me compreende” pode-se murmurar, nas horas solitárias. Contudo, mesmo quando vertemos as lágrimas mais amargas, mesmo nesse momento a verdade espiritual é que não temos motivo para ter medo. Nosso Pai-Mãe, que é Amor infinito, sabe onde estamos. Se soubermos disso, sentir-nos-emos em segurança.
O apelo infantil de Peter: “Vem me buscar” poderia não ser o enunciado exato para nossa oração. Mas é compreensível. Poderíamos orar mais ou menos assim: “Pai querido, mostra-me, por favor ...” ou “Sinto-me só, mas isso não pode ser nem um pouco verdade. O Amor divino deve estar aqui pois sou filho de Deus; e eu posso reconhecer quem sou.”
De certa maneira, a Bíblia é o registro de famílias que recorreram a Deus em busca de ajuda. O Velho Testamento inclui toda a gama de desafios familiares: favoritismo, ciúmes, luxúria e assassinato, pais filhos e irmãos em guerra uns com os outros, indivíduos enjeitados pela família, lutando para sobreviver, doença portadora de desespero, cuidado com as crianças e com os idosos.
O Novo Testamento aprofunda a compreensão da união do homem com Deus. Na presença do Cristo há curas físicas em contextos familiares. Cristo Jesus curou o servo de um centurião (Lucas 7:1 – 10) e a sogra de Pedro (Mateus 8:14, 15). Redimiu uma mulher adúltera (João 8:3–11) e arbitrou disputas entre irmãos e irmãs (Lucas 12:13–15; 10:38–42).
Muitas das parábolas do Mestre ilustram o efeito prático que o Sermão do Monte tem para harmonizar a vida em família. Agora, séculos depois, a lei crística de amar a Deus acima de tudo e aos outros como a nós mesmos, ainda é eficaz. Se nos sentirmos perdidos, ou demasiado ofendidos para nos juntarmos à família, incapazes até mesmo de recorrer a Deus, uma pequena oração (talvez não mais do que murmúrios como os de uma criança que se agita durante o sono) poderá abrir-nos o coração à mensagem tranqüilizadora do Cristo: “Você está a salvo no amor de Deus.”
Às vezes, há certa resistência em aceitar que Deus, a Verdade, é importante para uma situação humana. O desespero, o sentimento de culpa e o medo argumentam que dificilmente a Mente divina poderia estar presente como a nossa Mente, sugerindo que a discórdia é inevitável, porque afinal, somos humanos, não somos?
Mesmo, porém, quando somos tentados por tais argumentos, nosso sofrimento é tão desnecessário como a angústia da criança que chora de medo quando, em realidade, tudo está bem. O fato espiritual nunca muda: a Mente, a Alma, isto é, Deus, é Tudo-em-tudo. Nosso Deus está mais próximo do que lágrimas ou braços confortadores. Ele governa cada minuto e cada espaço de nossos afetos e de nossa vida. À medida que focalizamos a atenção que nos permite ver mais de acordo com o que Deus vê, e nos desviamos das distorções do medo, a circunferência humana torna-se proporcional ao raio de nossa confiança no amor de Deus.
Com freqüência surge a tentação de procurar a solução para os problemas de família mediante a análise dos fatores humanos. De quem foi a culpa? Quando é que tudo começou? Porque fulano se envolveu? Que conseqüência terá em sua vida? A tendência mundana é que o debate do problema traz solução, ou que o tempo sana as feridas, ou ainda que atribuindo-se o mal às características hereditárias ou às circunstâncias, se reduz a necessidade de assumir responsabilidades ou de efetuar mudanças.
Ceder ao amor do Cristo é muito mais reconfortante e eficaz. Quer apelemos ao nosso Pai-Mãe por meio do raciocínio espiritual, quer façamos silenciosa comunhão, o desejo inocente de conhecer a Verdade é sempre atendido. O Cristo vem, e efetua-se a cura.
Aprendi isso durante uma época crucial em nossa família, uma versão adulta do momento de pânico experimentado por Peter. Tratava-se de uma situação amarga e parecia haver pouca esperança de que as relações se restabelecessem. Após semanas de noites sem dormir e de oração desesperada, na escuridão de uma manhã de inverno, sussurrei: “Se estás aí, Pai, por favor vem a mim.”
Jamais sentira tranqüilidade como a que se seguiu. E então veio uma calma que expulsou a desesperança. Os pensamentos tornaramse não exatamente palavras, mas uma sensação de proximidade, uma doce certeza. Senti a convicção de que o amor de Deus jamais abandonaria nossa família, e aí vieram as palavras: “O Cristo está aqui.” Pouco depois adormeci e quando acordei, o terrível medo desvanecera-se.
Nas semanas que se seguiram, o Cristo esteve comigo. Era como se Deus tivesse vindo e consolado o coração abandonado. E depois de algum tempo, houve renovo e bênçãos profundas para nossa família.
Quando rememoro aquela época, dois pontos sobressaem. O primeiro é que mesmo um chamado de desespero dirigido ao Amor divino, constitui oração, e quando a oração é inocente, o Cristo nos consola. As palavras de um hino querido tornam-se práticas, assim como são poéticas:
Ó sonhador, desperta do teu sonho;
Ó tu, cativo, te ergue, livre e são.
O Cristo rasga o denso véu do erro,
E vem abrir as portas da prisão.Hinário da Ciência Cristã, n° 202.
A segunda conclusão, em retrospecto, também diz respeito à mesma lição ensinada pelas lágrimas do pequeno Peter. Quer saibamos, quer não, em qualquer momento, em qualquer situação em que nos encontremos, mental ou física, Deus já está cuidando de Seus filhos, de nós. Como a Sra. Eddy diz no livro-texto da Ciência Cristã, Ciência e Saúde: “A Ciência explica que a existência separada da divindade é impossível.” Ciência e Saúde, p. 522.
“Eu estava sozinho, sozinho. Vem me buscar.” O apelo proveniente de corações confundidos e de famílias cambaleantes persiste. É mais uma razão para que a oração diária individual e as orações de nossa congregação incluam a humanidade. Talvez possamos oferecer uma espécie de oração “preventiva”,que afirme a presença de Deus, vivendo cada minuto com a convicção de que o bem é o único poder e está ao alcance de todos. Ao reconhecer a presença do Cristo, asseguraremos ao necessitado: “Tudo está bem; Deus está aqui mesmo, cuidando de você.”
