Houve época, não faz muito tempo, em que me sentia como se tivesse sido lançada numa cova de leões! Não era exatamente igual àquela em que Daniel fora lançado, pois os leões tinham duas pernas em vez de quatro, mas mesmo assim me parecia que eles rosnavam, grunhiam e eram muito perigosos.
A cova de leões era meu escritório rondado pelo ciúme, pela linguagem imprópria e pela irritação. Muitas vezes parecia que as pessoas se empenhavam em tornar as coisas difíceis e frustrantes. Quanto mais me esforçava em ir ao encontro delas com amor, tanto mais forte era o antagonismo.
Certo dia, minha secretária pôs uma pilha de cartas em cima de minha mesa, para serem assinadas e remetidas imediatamente. Ao ler a primeira, descobri vários erros. Eu não podia assinar uma carta contendo aqueles erros!
Chamei minha secretária de volta e, desculpando-me, mostrei-lhe os erros e pedi que os corrigisse. Quando lhas devolvi, ela olhou-me ferozmente e jogou toda a pilha de cartas sobre mim. As cartas se espalharam sobre a escrivaninha e pelo chão. “Olhe aqui!” disse ela, “se a senhora não gosta da maneira como as escrevi, então faça-as a senhora mesma!” Saiu da sala bruscamente e bateu a porta.
Depois de muitas semanas, tentando resolver os assuntos do escritório, senti-me como se essa fosse a gota dágua. Eu não tinha condições de aprontar aquelas cartas dentro do prazo, mesmo se trabalhasse a noite toda. E o que diria aos meus superiores?
As lágrimas começaram a correr e as emoções tomaram conta de mim. Ia falar com o chefe do departamento e enfim contar-lhe os maus tratos que tinha recebido durante todos aqueles meses. O esforço de agir cristicamente, de ser paciente e amável, simplesmente não fora compensador. Não valera a pena. Durante todo esse tempo, eu havia resistido à tentação de queixar-me ou de delatar alguém, mas agora bastava.
Por outro lado, talvez fosse melhor largar o emprego. Era realmente algo que volta e meia pensava fazer, e que teria feito, se não estivesse tentando ser boa cristã. Mas nem sempre era fácil!
Conforme havia aprendido na Ciência Cristã
Christian Science (kris´tiann sai´ennss), não se devia fugir de um problema, mas sim procurar a orientação de Deus e fazer o esforço genuíno para resolvê-lo através da oração sincera. Visto que todo desafio é realmente uma exigência de crescimento espiritual, deixar o emprego não solucionaria o problema na minha consciência. Mais cedo ou mais tarde, acabaria tendo de enfrentar basicamente o mesmo problema outra vez, talvez com outras pessoas ou em circunstâncias diversas, porque mais cedo ou mais tarde é preciso atender à exigência de crescimento espiritual.
A questão consiste em compreender a totalidade e a bondade de Deus e a irrealidade e falta de poder de tudo quanto queira insinuar a existência de um poder oposto ao bem. Somos capazes de comprovar a nulidade dessas sugestões por causa da totalidade de Deus. Mas naquele momento eu parecia estar longe de entender isso!
Assediada pelo desânimo e pela mágoa, carregando o pesado fardo das diabólicas sugestões da justificação e comiseração própria, dirigi-me, toda chorosa, à sala da chefia. Parando em frente à sala, descobri que não conseguia bater naquela porta! Sabia simplesmente que não era Deus que estava me levando a fazer aquilo. Podemos ser redondamente enganados pela vontade própria, a não ser que estejamos atentos para volver-nos a Deus, quando surge algum problema, e então obedecer à Sua orientação, sempre presente.
Como é que ouvimos e sentimos essa orientação? Silenciando os temores, as ansiedades e a vontade própria, que constituem o sentido mortal do eu e humildemente dando ouvidos às mensagens angelicais do Amor divino. Elas chegam até nós sem falta, se fizermos nossa parte.
Assim, voltei à minha sala e telefonei a uma praticista da Ciência Cristã que morava a alguns quarteirões dali: “Posso passar aí?” implorei-lhe.
“Naturalmente,” respondeu ela, “venha logo.”
Essa amável praticista ouviu pacientemente a história da minha desgraça, como já o fizera tantas outras vezes. Terminei com as seguintes palavras: “Por quê? Por que me odeiam tanto? Não lhes dei motivo algum!”
A praticista ficou quieta durante uns minutos e então disse calmamente: “Meu Deus! como essa gente precisa do seu amor!”
Fiquei surpreendida com essas palavras. Pensei comigo mesma: “Eles precisam do meu amor! Eu é que preciso de amor! Oh, ela não entendeu nada! É melhor agradecer-lhe e ir-me embora.”
E assim fiz. Durante todo o caminho para casa, no carro, aquelas palavras continuavam a soar nos meus ouvidos: “Meu Deus! como essa gente precisa do seu amor!”
De repente, essa mensagem crística trouxe uma onda de humildade consoladora. Toda a grosseria com que haviam me tratado, parecia não ter mais importância. Começou a despertar em meu pensamento uma percepção serena e clara de que meus colegas precisavam de amor. Não foi Cristo Jesus que nos mostrou o caminho, quando disse: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”? Lucas 23:34. Se as pessoas pareciam estar expressando maldade, ciúme, inveja, inimizade, certamente deviam sentir-se muito infelizes.
Em vez da amargura do ressentimento que me havia atormentado, senti um desejo afetuoso, terno e até premente de fazê-los compreender que eu os amava, que queria ajudá-los, se possível. Orei para que surgisse uma oportunidade.
Muitas vezes, durante esse desafio, havia estudado o artigo “Amai vossos inimigos”, de Mary Baker Eddy, que descobriu e fundou a Ciência Cristã. Havia ponderado seus comentários a respeito do mandamento de Jesus. As linhas seguintes me foram de grande auxílio: “Devemos amar nossos inimigos em todas as circunstâncias nas quais e pelas quais amamos os nossos amigos; temos inclusive de procurar não expor suas faltas, mas sim fazer-lhes o bem toda vez que a oportunidade se apresentar.” Miscellaneous Writings, p. 11.
Na manhã seguinte, a secretária entrou e colocou as cartas corrigidas sobre a mesa. Ela sorriu e disse: “Desculpe, sinto muito. Não sei o que me fez agir daquela maneira. Aqui estão suas cartas.” Estavam corrigidas e foram enviadas dentro do prazo.
Desse dia em diante, nosso relacionamento foi normal e amistoso. Compreendi que o que vira não era o verdadeiro eu da secretária. A verdadeira identidade de cada um é espiritual. É o eu que Deus criou. Essa identidade espiritual é uma manifestação do Próprio Deus, do Amor e da Vida. Por isso tem de ser realmente uma expressão viva, amável e amorosa dessa Vida e desse Amor. “Não temos nós todos o mesmo Pai? Não nos criou o mesmo Deus?” Malaq. 2:10.
A mortalidade é sempre uma ilusão, um conceito errado sobre o homem, que aprendemos a rejeitar na Ciência Cristã como não tendo identidade verdadeira. Em vez disso, através da oração procuramos reconhecer a presença da verdadeira identidade de cada um. Obviamente, para aprender a fazer isso temos de crescer espiritualmente. Nós temos de nos despir do falso sentido do eu com seus rótulos e suas opiniões obstinadas acerca dos outros. Descobri que nós é que temos de amar mais.
Alguns dias mais tarde, tive oportunidade de ajudar outro membro da equipe que sempre fora muito desagradável. Os olhos dessa pessoa encheram-se de lágrimas e, desde esse dia, ela tornou-se muito gentil.
Essa cura envolveu todos aqueles que pareciam ser os leões de minha experiência. É interessante que justamente aquelas pessoas que aparentemente precisavam modificar-se, não o fizeram, enquanto eu não me dispus a seguir o Cristo, substituindo assim meu próprio conceito errado acerca deles pelo conceito correto acerca do homem, criado à semelhança de Deus. Eu é que tinha de me esforçar para pôr em prática o sentimento de amor.
O certo é que minha experiência dificilmente poderia ser comparada à de Daniel em intensidade, mas a dele serve como exemplo de como podemos enfrentar o ódio e tudo aquilo que ameaça afligir-nos ou destruir-nos. Assim como Daniel, temos de confiar na libertação de Deus. Quando enfrentamos a agressão e a perseguição com o amor iluminado que Deus nos dá, percebemos que aquelas índoles que parecem ser más, de fato são irreais e dessemelhantes do homem. Então a natureza do homem como semelhança de Deus, que é a verdadeira identidade de cada um, torna-se mais clara e mais evidente.
A questão básica é o belo fato constante do artigo já mencionado acima, de autoria da Sra. Eddy: “Não temos inimigos. Tudo o que a inveja, o ódio, a vingança, os motivos mais desapiedados que governam a mente mortal, tudo o que estes tentam fazer, cooperará ‘para o bem daqueles que amam a Deus’.” Mis., p. 10.
Deus de fato nos salva do nosso conceito errado acerca de Sua criação perfeita. O Amor divino está derramando a luz da compreensão espiritual sobre cada um de nós, constantemente. Quando nos volvemos da escuridão dos falsos conceitos sobre o homem para essa luz divina, obtemos a inspiração que nos tira da cova! O segredo consiste em silenciar as sugestões do mal e em ouvir quietamente, de maneira que nossos olhos se abram e assim possamos contemplar “as maravilhas da tua lei“ Salmos 119:18., da lei de Deus.
