Se o "diabo" procurasse um meio de sabotar o cristianismo, teria pouco êxito se o condenasse radicalmente. Toda vez que isso aconteceu, os povos cristãos se arregimentaram, fortaleceram sua união espiritual e prevaleceram, mesmo contra terríveis acusações malignas e contra perseguições. No entanto, provavelmente não haveria maneira mais eficaz de atacar o cristianismo, do que destacar um tema espiritual essencial e, em seguida, oferecer opiniões honestas, mas opostas, que levassem pessoas bem-intencionadas a entrar em amargo desentendimento entre si.
E se houvesse um único tema sobre o qual cristãos sinceros e dedicados tivessem pontos de vista divergentes, não seria o da oração, o mais essencial à vida cristã?
As pessoas crêem na oração, fato que abrange todas as denominações e todos os credos. Existe em nós algo que responde com naturalidade à presença de Deus, mesmo que não nos consideremos "religiosos". Todavia, quais seriam os propósitos da oração?
Seria razoável esperar que a oração nos torne pessoas melhores? Deveríamos orar para encontrar trabalho compensador? achar uma casa? ter mais paciência, sabedoria ou amor? Se comunidades ou nações estiverem sendo assoladas por calamidades, seria a oração um mero paliativo para o sofrimento humano, ou poderia transformar realmente a vida das pessoas e curar males físicos e emocionais?
Essas interrogações são cristãs, ou melhor, bem mais do que isso, são questões que ultrapassam os limites sectários do "cristianismo", são questões universais. E qualquer pessoa ponderada, até mesmo a mais religiosa, sabe que provavelmente não existe desafio maior do que o de apoiar-se somente na oração para obter a cura, seja qual for a situação. Pelo menos, esse é o caso quando acreditamos que alguma outra coisa deveria ter sido feita antes. Por que surge tal dilema? Todos precisamos examinar esse assunto com mais cuidado, especialmente em vista da controvérsia pública que cerca a questão de se confiar só na oração para fins de cura. Nada há mais vital para a consciência, do que a relação sem intermediários entre o homem e Deus e o livre acesso que as pessoas têm à graça e ao poder divino e à lei de Deus.
Não seria que uma das razões por que se torna tão difícil concordar em apoiar-nos de todo na oração para fins de cura (e é por isso que o assunto provoca tantos debates), é que passamos tanto tempo focalizando coisas materiais, que aceitamos a matéria como a realidade fundamental de tudo? Ademais, atribui-se à matéria uma realidade mais ou menos independente e que responde só em parte, se tanto, à espiritualização ou à oração.
Há, ainda, outro ponto de vista: o conceito da "mente que influi na matéria". As pessoas tentam persuadir-se de que, se pensarem intensamente nalguma coisa ou quiserem, com suficiente entusiasmo ou fé, que ela aconteça, serão capazes de modificar as circunstâncias materiais. O que ocorre, porém, é que embora as pessoas tentem manipular os acontecimentos a seu bel-prazer, as coisas nem sempre sucedem como foram imaginadas.
Se, para qualquer dessas opiniões, procurarmos subsídios na Bíblia, especialmente no Novo Testamento, o assunto se complica. Os personagens bíblicos, até mesmo os seguidores mais chegados a Cristo Jesus, poucas vezes conseguiram o que queriam ou esperavam, a despeito do quanto estivessem determinados a consegui-lo.
A Bíblia, apesar disso, registra curas. Nos dias de hoje há profundas e inegáveis reformas e mudanças produzidas pela oração, na vida das pessoas. A Ciência Cristã está, ela mesma, associada com milhares de curas ocorridas em muitas famílias no decurso de gerações. Assim, pois, onde se achará a conexão entre o que queremos e o que podemos esperar? Não será que essa se estabelece quando o que desejamos corresponde àquilo que Deus provê?
Se a doença e o pecado fossem inerentes ao homem, seria difícil ter esperança de mudar, ou evitar, um elemento básico da vida. Sem dúvida, seria expectativa pouco realista ou pouco científica acreditar que qualquer soma de esforços, vontade ou oração, tivesse o poder de criar de novo a realidade. Seria comparável à ilusão dos alquimistas medievais que aspiravam a transformar um metal pobre, como o chumbo, em um metal precioso, como o ouro. Nunca foram bem-su-cedidos, por mais que tenham se esforçado.
Em contraposição, a oração baseada no desejo natural de conhecer a Deus, é um submeter-se à realidade. Tal oração tem a capacidade de renunciar a tudo que não tenha valor durável. É de se esperar que haja mudanças, isto é, curas, em conseqüência de tal oração. É assim que a realidade de Deus atinge nossa vida. Esse um fator essencial à cura pela Ciência Cristã.
Por certo que nem sempre desejamos esse tipo de renúncia. Se acreditarmos que nos é necessário avançar agressivamente a fim de progredir na vida ou para vencer sob circunstâncias difíceis, talvez essa noção de ceder à realidade divina nos pareça irrelevante. Se os pontos de vista da pessoa são dominados por esse sentimento e a fazem crer que Deus tem pouco a ver com nossa vida, ou que Ele é somente um conceito filosófico, é fácil entender por que tais pontos de vista despertam dúvidas quanto à cura espiritual.
Na Ciência Cristã, porém, Deus é o fator principal da vida. Essa Ciência abrange a realidade de Deus e os registros das curas e dos ensinamentos de Cristo Jesus a respeito de Deus, contidos no Novo Testamento. Jesus demonstrou que Deus é totalmente bom, é o Progenitor divino que proporciona somente o bem para Seus filhos. Captada essa realidade espiritual, o propósito todo da oração, de nossa própria vida, passa a ser o de compreender em grau maior a identidade real do homem como filho de Deus. Isso começa a ocorrer em questão de momentos.
Pessoas há que, ao recorrerem à Ciência Cristã para fins de cura, viram que algumas discórdias humanas mudaram quase de imediato, tal como acontece quando compreendemos algo que antes não entendíamos e que instantaneamente se nos torna luminoso e claro. Admiramo-nos de não termos entendido essa idéia antes. Noutras ocasiões, a experiência humana ou a crença em alguma discórdia é tão persuasiva, ou tem raízes tão profundas em nosso modo de encarar a vida, que é necessário considerável crescimento espiritual antes de a podermos superar.
Inúmeras pessoas constataram que o caminho mais rápido para a cura espiritual, apareceu quando entenderam um pouco do que significa o fato de que Deus é Amor incondicional ou a totalidade da Vida, que não contém nenhum elemento do mal ou de destruição com respeito ao homem espiritual. Eis a realidade cristã em que se baseia o tratamento da discórdia humana, pela oração, segundo a Ciência Cristã: "A oração não pode modificar a Ciência do ser, mas contribui para pôr-nos em harmonia com essa Ciência." Ciência e Saúde, p. 2.
Quando pomos em prática a Ciência Cristã, é isso o que acontece. Não se trata de procurar alterar a realidade, mas de esforçar-se por descobrir o que é real por ter sido criado por Deus. É o contrário de querer que alguma coisa ocorra pela força de vontade. Apesar disso, quanto mais vislumbres tivermos da criação divina, tanto mais procuraremos nos ater firmemente a essa criação e defender em nossas preces o que dela compreendemos, contra quaisquer argumentos ou circunstâncias que tentem negar o todo-poder ou a toda-presença de Deus, o bem divino. Esse trabalho de defesa do que é espiritualmente verdadeiro em nossa vida, constitui um tratamento que cura.
Assim, pois, quais são os requisitos para aprendermos a viver dessa maneira, para realmente experimentarmos as transformações espirituais que se processam quando as discórdias humanas cedem lugar à realidade divina? Uma frase, no capítulo de abertura do livro Ciência e Saúde de autoria da Sra. Eddy, resume esse ponto, se é que uma só frase o pode resumir: "O Ser Divino tem de ser refletido pelo homem — senão o homem não é a imagem e semelhança d'Aquele que é paciente, terno e verdadeiro, Aquele 'totalmente desejável'; compreender Deus, porém, é obra da eternidade e exige consagração absoluta de pensamento, energia e desejo." Ibid., p. 3.
Estamos dispostos a desenvolver tal consagração? É aí que são elas, não é mesmo? Se a oração que cura não pode modificar a realidade, mas exige que nos harmonizemos com Deus, então sempre que orarmos para alcançar a cura, ou o progresso espiritual, ser-nos-á necessário perguntar como está a nossa consagração. Esse é um problema cristão de crucial importância. É fundamental à cura espiritual científica.
Talvez não seja fácil fazê-lo, considerando nosso conceito de fácil. O termo fácil não se encontra, porém, no vocabulário do amor autêntico. Esforçamo-nos por aquilo que amamos, quer seja o casamento e a família ou uma carreira produtiva e útil. Nosso parentesco com Deus é, em princípio, questão do mais profundo amor pela vida.
Jesus demonstrou aos homens e mulheres de seu tempo e, em verdade, também de nossos dias, esse verdadeiro amor à vida. A promessa que fez naquela época, ainda permanece. "O tempo está cumprido", disse, "e o reino de Deus está próximo." Marcos 1:15. É isso que constitui realmente a cura espiritual. Sem dúvida alguma, existe, na percepção espiritual disso, um bem comum a todos, para o qual os homens de boa vontade podem convergir e conhecer de fato o potencial curativo da oração.
Quando colocamos o Novo Testamento nas mãos do povo, entregamos ao povo a maior força revolucionária que o mundo já conheceu.
Andrew Young, Prefeito de Atlanta, Geórgia, E.U.A.
Publicado em Messenger, outubro de 1977
(Church of the Brethren)
