Meu pai era muito extrovertido e fazia brincadeiras com todos nós. Certa vez, quando regava as plantas na frente de casa, minha mãe abriu a porta. Ele se virou e a molhou com o esguicho, ensopando a prateleira de livros dentro de casa. Ela, naturalmente, tinha de revidar, portanto subiu de forma sorrateira a escada e, por uma janela aberta, despejou um balde de água sobre a cabeça dele.
Éramos uma família unida, não apenas pelas brincadeiras, mas também porque passávamos muito tempo trabalhando juntos no armazém de meus pais. Tenho muitas recordações maravilhosas da minha infância, principalmente do amor que nos unia.
Logo no início da minha vida adulta, quando minha mãe faleceu, as coisas mudaram de forma drástica. Ela havia sido o esteio da família, apoiando todos os nossos esforços e dando conselhos para os inúmeros desafios que minha irmã e eu enfrentamos em nossa juventude. Vários meses mais tarde, minha irmã se casou e mudou. Continuei na casa de meu pai durante alguns anos, para ajudá-lo a se reerguer. Ao término desse período, ele se casou de novo.
No primeiro ano em que meu pai estava casado, ele naturalmente quis passar o Natal com sua nova esposa e o filho dela. Minha irmã planejou ficar com os parentes do marido. Parecia que aquela família, como eu a conhecera, já não existia mais. Senti-me muito à margem, com um pé dentro e outro fora da família. Esforcei-me por compreender onde eu me encaixava ou, até mesmo, se me adequava a ela. Alguns amigos me convidaram para passar as festas com eles e aceitei alegremente. Contudo, um sentimento de vazio persistia dentro de mim, quando pensava em passar o Natal sem minha família.
Nos anos que antecederam a essa experiência, havia aprendido a confiar na oração e na comunhão espiritual com Deus quando as coisas ficavam difíceis. O Deus que havia conhecido é pleno de graça, o que significa que Ele provê tudo, abundantemente, a cada um de Seus filhos, inclusive a mim. Portanto, quando senti que minha família era tudo, menos uma família numerosa, compreendi que provavelmente precisava pesquisar a idéia de família, a partir de um ponto de vista mais espiritual. Conforme constatei, definir família como “carne e sangue” pode ser bastante limitador e, algumas vezes, ocasionar uma infinidade de problemas. Às vezes, nossa família nos decepciona, ou, como aconteceu comigo, muda, ou, simplesmente nunca existiu.
Mary Baker Eddy, a fundadora desta revista, enfrentou um problema de família ainda maior do que o meu. Depois de ficar viúva e mãe ainda jovem, ela teve problemas de saúde, o que levou seus familiares a se questionarem se ela seria ou não capaz de criar seu próprio filho. Eles decidiram que não seria, e deram o menino para a governanta da família criá-lo. Esses familiares finalmente cortaram todos os laços da Sra. Eddy com seu filho e não permitiram nenhum contato entre eles, até que o menino se tornasse adulto.
Havia aprendido a confiar na oração e na comunhão espiritual com Deus quando as coisas ficavam difíceis.
Muito embora a Sra. Eddy deva ter lutado contra a decepção e os sentimentos de traição, ela encontrou um apoio sólido na sua convicção da capacidade paternal de Deus. Isso a levou à redefinição de família como além e acima de laços consangüíneos. Posteriormente, ela escreveu: “Os imortais, ou filhos de Deus na Ciência divina, são uma só família harmoniosa; mas os mortais, ou “filhos dos homens” no sentido material, são discordantes e muitas vezes falsos irmãos” (Ciência e Saúde, p. 444).
As famílias vistas sob um ponto de vista de carne e sangue, são freqüentemente imperfeitas. Contudo, descobrir-se a si mesmo como filho de Deus revela um relacionamento mais afetuoso com esse eterno Pai-Mãe e com todos os Seus filhos. Essa compreensão elevada pode harmonizar as famílias existentes e promover novas expressões de amor e afinidade.
A Bíblia confirma essa perspectiva. A Oração do Senhor começa: “Pai nosso, que estás nos céus” (Mateus 6:9). Mais tarde, a Sra. Eddy interpretaria essa frase como significando: “Nosso Pai-Mãe Deus, todo harmonioso” (Ciência e Saúde, p. 16). Essa frase simples contém a chave para encontrar a harmonia dentro de nós mesmos, de nossas famílias, e do nosso mundo. Todos nós temos um único Pai-Mãe. Captar um vislumbre do que isso significa, compreender que fazemos parte da grande e harmoniosa família de Deus, desfaz uma visão restritiva de carne e sangue com relação a parentesco.
Essa família criada por Deus inclui irmãos e irmãs que cobrem todo o globo, independentemente de clãs, sobrenomes, laços sangüíneos, ou limites étnicos, culturais, ou nacionais. O laço que une a todos eles é sua herança espiritual como filhos de Deus. Não a linhagem humana, mas o parentesco de valores e qualidades de pensamento. Quando atingimos o âmago de quem somos como filhos e filhas de Deus, seguimos o exemplo da afirmação de Paulo aos romanos: “assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Romanos 12:5). Isso abre o caminho para a família humana assumir uma natureza mais elevada, refletindo a natureza de Deus. Esse tipo de família oferece realização, harmonia, equilíbrio, e uma estrutura inerente que se traduz em apoio para cada um de seus membros.
As famílias vistas sob um ponto de vista de carne e sangue, são freqüentemente imperfeitas. Contudo, descobrir-se a si mesmo como filho de Deus revela um relacionamento mais afetuoso com esse eterno Pai-Mãe e com todos os Seus filhos.
Ampliar nossa visão de família pode mudar profundamente muitas vidas, da mesma maneira como mudou a minha. Com o passar dos anos, encontrei uma expressão palpável de família de uma forma maravilhosa e inesperada. Por exemplo, em lugar de esperar que a família viesse a mim, desfrutei da aventura da descoberta. Embora ainda valorize a diversidade de carne e sangue, meu conceito de família se ampliou e se tornou muito mais abrangente.
Logo após o falecimento de minha mãe, trabalhei no centro do território indígena, no estado do Arizona, onde conheci uma família que me adotou como um dos seus, durante muitos anos. Quando os membros dessa família nativa vêm nos visitar no dia de Ação de Graças, ou quando meu marido e eu viajamos até o Arizona para vê-los no Natal, sinto-me incluída em uma família sempre em expansão. Ao me casar, meu marido trouxe seus três filhos para nossa unidade familiar. Dois deles têm agora seus próprios filhos, portanto minha lista de parentes continua crescendo. Durante as festas, freqüentemente damos as boas-vindas a uma mistura de membros da família à nossa mesa, incluindo aqueles de diferentes culturas e nacionalidades. Diversas jovens francesas, estudantes que se hospedaram em nossa casa, agora me chamam de sua mãe americana.
Essas experiências têm me mostrado que a família de Deus possui um potencial de união, não de divisão; de inclusão, não de exclusão. Gosto de pensar aonde o mundo poderia chegar se todos considerassem a humanidade inteira como uma grande família, sob o parentesco de um único Pai-Mãe, Deus.
