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Matéria de capa

Segregação racial não faz parte do meu vocabulário

Da edição de novembro de 2009 dO Arauto da Ciência Cristã


Éramos apenas crianças negras e hispânicas em um ônibus barulhento, chegando para o primeiro dia de aula, completamente alheias aos problemas difíceis que os adultos, que faziam parte de nossas vidas, enfrentavam.

O marco histórico da decisão de 1954 da Suprema Corte no caso Brown versus Conselho de Educação, acabara com a prática legal de segregação de negros e brancos nas escolas públicas dos Estados Unidos. Entretanto, a decisão, por si só, não anulou o pensamento que estava por trás da criação da lei, o que deixou sem resolução as tensões raciais provenientes da doutrina legal "separado, mas igual", a qual se seguiu logo após a abolição da escravatura.

Vivenciei as ansiedades profundas que vieram na esteira da decisão do caso Brown, como parte de um grupo de crianças oriundas do centro da cidade, selecionadas para integrar uma escola de ensino fundamental no bairro do Brooklin, em Nova Iorque. Uma cláusula diretiva da decisão Brown para realizar a integração com "rapidez deliberatória" havia permitido à escola adiar o inevitável por nove anos. Alguns pais acreditavam que o fim da segregação significaria a perda na qualidade da educação de seus filhos, e suas crenças arraigadas de desigualdade racial geraram a resistência à ordem do tribunal acerca do transporte escolar.

Ficamos animados com a perspectiva da descoberta de um novo mundo

Para meus colegas e eu, andar de ônibus escolar era uma aventura. Ficamos animados com a perspectiva da descoberta de um novo mundo, muito além dos nossos planos. Quando, porém, o ônibus virou a esquina, nosso primeiro vislumbre do "novo mundo" foi uma multidão de pais revoltados fazendo piquetes e segurando cartazes com os dizeres: "Vão para casa"! As palavras de insulto nos cartazes refletiam as expressões que víamos em seus rostos.

É difícil descrever o espanto de uma criança ao vivenciar o que W.E.B. Du Bois (um dos fundadores da NAACP [Associação Nacional para o Desenvolvimento de Pessoas Negras] e o primeiro homem negro a receber um diploma de Doutorado da Universidade Harvard) chamou de "dupla consciência", ou o momento em que percebemos alguém que nos vê como "o problema". Para mim, aquele momento permaneceu congelado no pensamento, até ser descongelado pelo amor. Olhando pelas janelas do ônibus e incapazes de entender o que víamos, nossas canções e risos silenciaram. Todos nós, até mesmo os meninos maiores da sexta série, começamos silenciosamente a chorar.

Os manifestantes pareciam desconhecer que éramos alunos brilhantes, cuidadosamente escolhidos para essa importante honraria. Nosso trabalho árduo, atitudes corretas e respeito para com os mais velhos haviam nos dado o direito à oportunidade de receber uma educação de melhor qualidade do que a que poderíamos receber em nosso meio. Como nossos pais e professores estavam tão orgulhosos de nós, nossa expectativa era a de que nossa nova escola nos recebesse com a mesma alegria. Ficamos atônitos ao descobrir que não éramos desejados.

Meu novo mundo estava cheio de oportunidades

Os três anos em que utilizei o ônibus escolar da Escola Pública 131 [escola localizada no município Brooklin, em Nova Iorque], do quarto ao sexto grau, foram o início de uma vida navegando pelos dois lados da assim chamada linha racial. Minha jornada pela pré-adolescência foi marcada por um mundo de fronteiras em que as linhas divisórias mudavam sempre. Pertencer a qualquer grupo não era mais facilmente definido pela localização. Para os meus amigos negros da vizinhança, minha cor de pele clara hispânica, agora me identificava como "estrangeira", enquanto que para alguns professores e alunos na nova escola era o meu nome com sotaque estrangeiro o que determinava que eu não fazia parte do grupo deles. Ou seja, ser negro ou branco não era definido somente pelo tom da pele.

Meu novo mundo estava cheio de oportunidades, como também do amor e do apoio necessários para ter acesso a elas.

Entretanto, meu novo mundo estava cheio de oportunidades, como também do amor e do apoio necessários para ter acesso a elas. Ainda fico perplexa diante do modo criativo que alguns professores encontraram para sinalizar que nos aceitavam. Nosso professor de música, por exemplo, nos ensinou que a estrutura da música era enriquecida pela diversidade de suas notas musicais, uma lição que nos unia em nossas diferenças. Minha nova amiga Cathy segurava na minha mão, apesar da frustração de sua mãe pelo fato de que nós duas estávamos usando exatamente o mesmo vestido, comprados em lojas que atendiam a diferentes classes de clientes. Outras crianças expressavam abertamente que nossa presença revelava um novo mundo, bom também para elas.

Fiquei interessada em conhecer a Deus

Esses acontecimentos também marcaram o início da minha jornada espiritual. Fiquei interessada em conhecer a Deus e comecei a me volver a Ele em busca de respostas. Lembro-me muito claramente, como se fosse hoje, um momento de manifestação divina quando eu tinha nove anos. Estava sentada no banco da Igreja Pentecostal de nossa vizinhança, cantando: "Farei de vocês pescadores de homens se me seguirem". Enquanto cantava, lembro-me de pensar em como seria maravilhoso viver dessa maneira.

Desde aquela época, venho aprendendo sobre uma identidade espiritual que jamais muda. As palavras de Mary Baker Eddy desenvolvem esse ponto de vista no livro Ciência e Saúde. Ela escreveu: "A identidade é o reflexo do Espírito, o reflexo em variadíssimas formas do Princípio vivente, o Amor" (p. 477).

Para os pais de cor branca na nova escola, nossa diferença visível significava "algo não bom". No entanto, isso não significava a mesma coisa para aqueles que nos amavam. Reconhecer que eu possuo uma identidade espiritual imutável, definida pelo Amor que é o próprio Deus, não alterou minha história racial ou étnica, mas me ajudou a superar a discriminação associada a esses rótulos.

As lições que aprendi na quarta série eu aplico hoje às questões de racismo, classismo ou outros "ismos" culturais, os quais limitam a experiência de uma pessoa. Embora eu não esteja em busca de respostas fáceis, tento compreender o que vejo a partir de um ponto de vista espiritual. Permitir que meu senso espiritual interior, em vez dos meus olhos, defina o que vejo, faz com que eu reflita mais antes de julgar precipitadamente ou mesmo de forma incorreta, o que eu ainda não tenha vivenciado e não compreenda.

"Não chore, garotinha. Isso não se refere a você"

Ainda posso me lembrar daquele primeiro dia de desagregação, quando desci do ônibus e uma das mães na multidão se aproximou de mim e disse: "Não chore, garotinha. Isso não se refere a você". Seu ato de bondade tornou suportáveis os passos solitários em direção à escola e me conectou com um cenário maior do que aquele visível. Embora meus amigos e eu não compreendêssemos o que teria feito com que aqueles pais nos rejeitassem, as palavras daquela mãe assinalaram que a rejeição não era pessoal.

O amor que aprendo a conhecer melhor a cada dia me capacita a ver cada um como filho de Deus, cuja identidade espiritual é amável, embora as aparências externas e o conhecimento superficial possam fazer com que as pessoas ou as circunstâncias pareçam assustadoras.

Compreendo que a nossa sociedade continua a lutar contra os resultados da decisão Brown versus Conselho de Educação tomada há mais de 50 anos. Ainda estamos tentando chegar a um acordo quanto às questões difíceis acerca do significado de raça. Entretanto, ao adotar um ponto de vista espiritual sobre essas questões, passo a fazer parte da solução. Algo que vim a compreender é que qualquer que seja o lado de uma questão de difícil solução em que me encontre, posso sempre responder com amor áqueles que estão ao meu redor!

Nota da Redação sobre o caso Brown versus Conselho de Educação (1954): Muitos estados norteamericanos e o Distrito de Colúmbia tinham sistemas escolares segregados racialmente, amparados na decisão de 1896 da Suprema Corte no caso Plessy vs. Ferguson, a qual permitia a segregação se as instalações fossem equivalentes. Em 1954, uma Suprema Corte entendeu unanimemente que "...no campo da educação, não há lugar para a doutrina 'separados, mas iguais' " e resolveu que a segregação nas escolas públicas negava às crianças negras "a igual proteção das leis garantida pela 14a Emenda". A segregação racial nos Estados Unidos durou até os anos 1970, quando manifestações relacionadas ao Movimento dos Direitos Civis fizeram com que a opinião pública norte-americana se voltasse contra a segregação racial forçada.

Fonte:
www.embaixada-americana.org.br

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