Esta entrevista foi gravada originalmente como um programa em áudio do Christian Science Sentinel, intitulado Sentinel Watch, o qual, depois de ser transcrito, foi traduzido para o português e adaptado para a edição de julho dO Arauto da Ciência Cristã.
Ana Paula Carrubba: Olá. Eu sou Ana Paula Carrubba, encarregada das edições em português e espanhol dO Arauto da Ciência Cristã. Comigo está Fátima Trigueiros, assessora do coordenador nacional do órgão que, em Portugal, trata da questão das drogas, toxicodependência e uso nocivo do álcool. É o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, serviço esse que é conhecido como SICAD. Fátima é estudante da Ciência Cristã há bastante tempo e é membro de uma filial da Igreja de Cristo, Cientista, em Lisboa, onde ela vive. Obrigada por estar conosco hoje, Fátima.
Fátima Trigueiros: Obrigada, Ana Paula. Estou muito feliz por falar com você, hoje.
Ana Paula: Fátima, fale-nos sobre a missão do SICAD, sobre seu papel no Serviço Nacional de Saúde e qual é a natureza do problema que é objeto de trabalho de vocês.
Fátima: Bem, a missão do SICAD é promover a redução do uso de substâncias psicoativas e a prevenção de comportamentos advindos da dependência, assim como a diminuição dessa dependência. Estamos falando da dependência de substâncias, tanto legalizadas como ilegais, e também de comportamentos (ou vícios) que não estão ligados a nenhuma substância, como o jogo de azar. Meu papel, como assessora do coordenador nacional, é articular o trabalho junto a entidades parceiras, tanto dentro da administração pública quanto na sociedade em geral. O SICAD é também uma diretoria geral que visa a monitorar a situação, trabalhar com órgãos internacionais e traçar diretrizes para intervenções.
Ana Paula: E para você, como estudante da Ciência Cristã há vários anos, quais são algumas das ideias da Ciência Cristã que a ajudaram a enxergar algo que está além dessa questão nacional?
Fátima: Em essência, aprendemos na Ciência Cristã que o homem ― todos nós, homens e mulheres ― é o reflexo de Deus e, como tal, é livre do comportamento nocivo de ver a si mesmo de maneira material. Portanto, essa é minha primeira e principal ideia desde quando decidi entrar para esse setor. E eu não poderia ter entrado nesse serviço sem estar muito segura sobre mim mesma, sobre qual seria minha atitude. Estaria eu entrando para esse serviço com o objetivo de ver pessoas dependentes de drogas ou de ver apenas o filho de Deus, o reflexo de Deus? Quando fui convidada para trabalhar no SICAD, eu tive de me preparar. No início, tudo foi muito estranho, porque nesse campo de trabalho todos têm um ego enorme. Mary Baker Eddy, que descobriu a Ciência Cristã, escreveu em seu livro Miscellaneous Writings [Escritos Diversos] 1883–1896: “Deveríamos nos lembrar de que o mundo é grande; que há milhões de vontades humanas diferentes, opiniões, ambições, gostos e afetos; que cada pessoa tem uma história diferente, uma constituição, cultura, caráter diferentes de todos os outros; que a vida humana é o trabalho, o jogo, a incessante ação e reação desses diferentes elementos uns sobre os outros. Por isso, deveríamos enfrentar a vida com a mínima expectativa, mas com a máxima paciência; com um senso afiado de apreciação por tudo o que é belo, grandioso e bom, mas com um gênio tão manso que as fricções do mundo não consigam desgastar nossa sensibilidade; ...” (p. 224).
Eu sempre mantive essas palavras muito presentes em minha mente, porque todos acham que seus próprios procedimentos são melhores do que os dos outros. E, naquela ocasião, Portugal estava mudando sua política para outra mais pragmática e mais humanitária.
Ana Paula: De acordo com sua experiência, de que maneira o programa português está abençoando outros países também?
Fátima: Um dos fatores é que temos uma política de ver os consumidores não como criminosos, mas como pessoas que têm direito a serem tratadas de forma humana e pragmática. Mais ou menos 10 anos depois de mudarmos nossa política, houve um grupo de estudo em Washington que fez um relatório, sem que nós soubéssemos, sobre a política “daquele pequeno país”, Portugal, e esse relatório dizia que “eles” (nós) estavam obtendo bons resultados. O consumo de drogas estava diminuindo entre os jovens e havia menos doenças ligadas ao uso de drogas. Esse grupo de estudo também veio visitar Portugal, para ver a razão desses resultados, porque não estávamos prendendo gente nem criminalizando o uso de drogas. Depois disso, temos recebido visitantes de muitos países, tanto da Europa como das Américas, da África e da Ásia. Pudemos mostrar nosso plano de ação e, em vários casos, sabemos que esses países mudaram sua própria política, não mais criminalizando o uso de drogas, mas dando oportunidades para que as pessoas diminuam, e até mesmo abandonem esse comportamento.
Ana Paula: Você pode nos dar um exemplo de como orou para superar um desafio específico nesse trabalho, e que tenha resultado em cura?
Fátima: Acho que o maior desafio que enfrentei foi o de conseguir ver os usuários de drogas como pessoas que tinham direito à redenção. Também o fato de que às vezes, quando visito outros países, vejo as pessoas terem muita animosidade a respeito do uso de drogas ou da dependência química. Tenho conseguido não me deixar influenciar por essa diferença de opinião entre as pessoas. Meu estudo da Ciência Cristã tem sido uma grande ajuda nesses casos.
Há um exemplo sobre esse assunto em Ciência e Saúde, em que a Sra. Eddy diz: “Jesus reconhecia na Ciência o homem perfeito, que lhe era visível ali mesmo onde os mortais veem o homem mortal e pecador. Nesse homem perfeito o Salvador via a própria semelhança de Deus, e esse modo correto de ver o homem curava os doentes” (p. 476). Esse trecho tem sido minha oração tanto pelas pessoas que sofrem por comportamentos nocivos, como vícios, como por colegas de outros países que manifestam opiniões diferentes das minhas. Portanto, eu diria que a prática da Ciência Cristã tem me ajudado a amar a humanidade.
Se eu não demonstrar amor pelas pessoas, não vou conseguir ajudar ninguém.
Ana Paula: Sim, parece mesmo que esse programa tem uma abordagem mais humana. Aquilo que você disse, logo no início da nossa conversa, sobre realmente ver os filhos de Deus como reflexos da Mente, é um desdobramento de ver o homem perfeito como Jesus o via, e realmente ser movido pela compaixão. Sei que esse programa não tem conexão com nenhuma organização da Ciência Cristã, mas pode ser considerado como o Amor sendo refletido em amor.
Fátima: Sim, é isso mesmo. Temos de amar a humanidade. Temos de amar todo o gênero humano e, às vezes, é até mais fácil amar pessoas que não conhecemos, portanto, é preciso sermos fortes. Tenho a certeza de que é a prática da Ciência Cristã que me ajuda a fazer esse trabalho.
Ana Paula: Fátima, é verdade que essas pessoas que abandonam um comportamento nocivo, ou vício, começam a ajudar outros dependentes, como uma forma de prevenir hábitos indesejados?
Fátima: Sim, é muito comum em Portugal e talvez em outros países também. Nós temos reuniões no Conselho Nacional e, durante alguns anos, tivemos a participação de um representante dos usuários, o qual faz alguns anos integra esse Conselho. Ele contou que havia entrado para a organização que representava porque havia sido usuário de drogas, mas que agora estava livre. Essas pessoas sentem a necessidade de ajudar outros dependentes de drogas, a fim de ajudá-los a abandonar o vício.
Ana Paula: Você tem algum pensamento final para a nossa conversa?
Fátima: Sim, eu gostaria de mencionar como a leitura das biografias da Sra. Eddy é importante, saber como ela enfrentou tantos desafios e como ela era extremamente firme em seu propósito. Estava sempre pronta a repreender o erro e a promover o bem. Ela confiava muito no Amor divino, em nosso Pai, Deus. Ela nos deu a interpretação espiritual da Oração do Senhor em Ciência e Saúde, deu-nos a Oração Diária, que consta no Manual da Igreja, e a Oração Diária é realmente minha oração de todos os dias. Eu oro com ela todas as manhãs, principalmente quando, às vezes, não sei como fazer meu trabalho. Essa oração diz: “ ‘Venha o Teu reino’; estabeleça-se em mim o reino da Verdade, da Vida e do Amor divinos, eliminando de mim todo o pecado; e que a Tua Palavra enriqueça os afetos de toda a humanidade, e a governe!” (p. 41). Isso significa que eu tenho de tirar a trave do meu olho. A Bíblia diz: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine” (1 Coríntios 13:1). Se eu não demonstrar amor pelas pessoas, não vou conseguir ajudar ninguém. Eu não serei a expressão do Amor, como tenho de ser. Tenho de descobrir esse amor dentro de mim.
Ana Paula: Fátima, muito obrigada. Tudo o que dissemos aqui me fez lembrar uma passagem de Mary Baker Eddy em Ciência e Saúde,que diz: “Se o Cientista tem suficiente afeto cristão para obter seu próprio perdão, e a mesma aprovação que a mulher de Magdala recebeu de Jesus, então ele é suficientemente cristão para exercer a prática científica e tratar os pacientes com compaixão; e o resultado corresponde à intenção espiritual” (p. 365). Acho que isso resume bem o espírito de todas as suas orações com relação a esse programa, ao trabalho que você faz, e às bênçãos que ele traz para o seu país e para outros países também. Muito obrigada, Fátima.
Fátima: Gostei muito de conversar com você.
