A verdadeira amplitude de nosso amor cristão — nossa genuína compaixão, afeto e capacidade de perdoar — podem ser medidos melhor pelo número de pessoas que não amamos do que pelo número de pessoas que amamos.
Expulsar ainda que seja uma só pessoa de nosso coração, é contrário ao exemplo estabelecido pelo cristão mais sublime, Cristo Jesus. O amor que Jesus expressava não excluía ninguém — nem Pilatos nem Judas; nem mesmo aqueles que o crucificaram. O seu era um amor infinito emanando de Deus, que é infinito.
A compaixão cristã não estabelece limite algum quanto a quem deve ser amado, querido ou perdoado. O Novo Testamento também fala de amar o irmão, o próximo e o inimigo. Assim, fundamentalmente, não faz diferença nenhuma quem é quem: quer seja o cônjuge, o parente, o colega membro da igreja, quer o chefe ou algum político em Moscou ou Washington, tal pessoa deve ser encarada e tratada com espírito cristão. Como quer que o chamemos, a lição espiritual a aprender permanece a mesma: Quem é este “próximo” a quem devemos amar?
Era isso o que certo intérprete da lei queria saber de Jesus. A resposta veio com a conhecida parábola do bom samaritano. Jesus primeiramente comparou as atitudes de um sacerdote, de um levita e de um samaritano em relação a certo estrangeiro ferido por salteadores e, a seguir, perguntou: “Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?” O intérprete da lei respondeu: “O que usou de misericórdia para com ele.” Jesus disse: “Vai, e procede tu de igual modo.” Lucas 10:36, 37.
O Mestre era, de fato, um mestre. Sua resposta devolveu a sutil pergunta ao intérprete da lei. Este, é claro, esperava uma resposta objetiva que lhe dissesse a quem no mundo poderia chamar seu próximo. Em vez disto, recebeu uma resposta subjetiva, mostrandolhe que tipo de próximo ele deveria ser.
Obedecer à ordem de Jesus, de ser o próximo de outrem, torna o mundo todo, num sentido muito especial, o nosso próximo. Para amarmos no espírito do amor de Cristo Jesus, precisamos começar a ver, tanto em nós como nos demais, a identidade espiritual do ser.
Historicamente, muitas vezes ocorreram grandes avanços metafísicos ao iniciarem-se perguntas com o pronome “quem”. No Monte Horebe, por exemplo, Moisés examinou-se profundamente e perguntou: “Quem sou eu para ir a Faraó e tirar do Egito os filhos de Israel?” Êxodo 3:1 1. E, séculos depois, Jesus fez a seus discípulos esta pergunta penetrante: “Mas vós... quem dizeis que eu sou?” Mateus 16:15.
As respostas a essas duas perguntas iluminam o Alfa e o Ômega da existência. Moisés deve ter vislumbrado a fonte de toda identidade — inclusive a sua própria — na promessa divina: “Certamente eu serei contigo.” Êxodo 3:12 (conforme a versão King James). Este Ego divino infinito — o Eu Sou o Que Sou — que haveria de estar com Moisés — na verdade sempre estivera com ele. O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, de José e de Moisés, era a fonte de todo ser, o Pai e Mãe de toda consciência e individualidade reais.
Muito mais tarde, em resposta à pergunta de Jesus, o Apóstolo Pedro confessou: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” Mateus 16:16. Essa declaração histórica revelou que o verdadeiro eu de Jesus era muito mais do que uma personalidade humana. Sua identidade real era a própria expressão, ou emanação, do Ego divino, como Jesus mesmo dissera: “Eu e o Pai somos um.” João 10:30.
Não foram carne e sangue que revelaram essa compreensão a Pedro, pois o que o apóstolo via em seu Mestre, naquele momento, era a individualidade espiritual, o Filho do Deus vivo. A confissão de Pedro foi uma afirmação do Cristo, a idéia espiritual da filiação do homem com Deus, que Jesus corporificou de modo único. O que Pedro viu por revelação foi exatamente o que Jesus veio mostrar ao mundo: que nós também podemos ser — e, de fato, somos — os filhos espirituais de Deus, Seus descendentes imortais.
Quando, por exemplo, Jesus perguntou: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” a resposta do Mestre foi: “Qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe. Mateus 12:48, 50. Sua resposta nos libera dos elos genéticos da ascendência humana e de personalidades mortais — mas não nos afasta daqueles a quem amamos. Embora Jesus fosse, e é, o Salvador pessoal de toda a raça humana, nunca deixou de ser filho ou irmão amoroso.
Entretanto, sua resposta redefine o significado dos laços familiares — de fato, de todos os relacionamentos: comerciais e sociais, públicos e particulares. As palavras de Jesus atraíram todos e não deixaram ninguém de fora. O que realmente nos une não é o sangue humano nem os interesses pessoais, políticos, sociais ou econômicos, quer os “nossos” quer os de “outros”. O que verdadeiramente nos une aos demais é a vontade de Deus a realizer-se em cada um de nós. Ao impessoalizar o sentido material de parentesco, Jesus não desfez o que já existia. Pelo contrário, revelou o relacionamento harmonioso de todos nós, filhos de Deus, com nosso único Pai-Mãe criador.
Definir espiritualmente nosso relacionamento e amor para com todas as pessoas nunca significa abandonar a profundidade e a autenticidade de nossos sentimentos atuais pela família e pelos amigos. Amor difuso — derramado livremente sobre todos — não significa amor diluído. O amor expansivo conduz gradativamente nossos relacionamentos aos mais elevados níveis. Não tira nada do núcleo familiar, enquanto expande progressivamente esse círculo.
“O lar é o lugar mais querido da terra, e deveria ser o centro, mas não o limite, dos afetos” Ciência e Saúde, p. 58., escreve a Sra. Eddy. O amor espiritual expresso, evidenciando o amor de Deus pelos homens, não conhece limites — sociológicos ou emocionais — que possam, de qualquer forma, impedir-nos de tocar cada coração no mundo: de fazer o bem a vizinhos e a estranhos, a amigos e a inimigos.
A pergunta de Moisés: “Quem sou eu para ir a Faraó... ?” enfocava a visão que ele tinha de si próprio e de seu relacionamento com Deus. A pergunta de Cristo Jesus: “Quem dizeis que eu sou?” centralizava-se na visão que os discípulos tinham dele e de seu relacionamento com Deus.
Quando se trata de amar nosso próximo, o Cristo dentro em nós nos pergunta: “Quem dizes que esta pessoa é?” Num sentido inicial e final, é como vemos a outra pessoa o que conta. A resposta metafísica e cristã para qualquer pergunta iniciada com “quem” nunca se refere realmente a uma pessoa ou pessoas materiais. Se a pergunta é positiva — “Quem é esta simpática menina (ou menino)?” — o nome dado indicará diretamente a identidade espiritual do indivíduo como a expressão do grande Eu Sou.
Se, por outro lado, a pergunta é negativa — “Quem é aquele pirralho mimado?” — o nome dado será tomado em vão. Fará referência à falsidade, ao oposto do ser individual. Somente ao compreendermos isso pode o caráter de uma criança (bem como o de um adulto) ser purificado, não com fechar os olhos para defeitos — nem com escapar da responsabilidade individual de serem as falhas superadas — mas com ver e provar que, em primeiro lugar, o erro não é uma pessoa; que, em vez disto, o erro é um engano fundamental com relação à verdadeira identidade — um caso de identidade trocada — que necessita ser corrigido pelo Cristo. O ponto é: nenhum erro, quer mínimo quer grave, pode jamais definir verdadeiramente nosso eu genuíno ou o de nosso próximo, feitos à semelhança de Deus.
Jesus ensinou a seus discípulos esta lição fundamental do cristianismo científico, quando eles indagaram a respeito de certo homem cego. “Quem pecou”, perguntaram, “este ou seus pais, para que nascesse cego?” A resposta de Jesus definiu para todas as épocas a natureza impessoal do erro, sua irrealidade básica no esquema divino das coisas: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus.” joão 9:2, 3. Assim dizendo, e sabendo disso, Jesus restaurou a vista ao cego — e desta forma aprimorou a visão do homem sobre quem ele realmente era: não algum mortal incapaz, sujeito aos caprichos da carne, mas a obra perfeita, espiritual, de Deus, Sua imagem expressa.
O que o Mestre sabia, seus discípulos precisavam aprender: que o bem — e somente o bem — caracteriza toda identidade individual (todo “quem” legítimo) no universo de Deus. Nenhuma compreensão inferior a essa poderá jamais responder corretamente, na prática cristã diária, às perguntas fundamentais da vida: “Quem sou eu?” “Quem é o meu próximo?”
