Às vezes nos detemos talvez apenas alguns momentos, e nos surpreendemos a observar e ouvir com insuspeitada sensibilidade o que as pessoas fazem e dizem. Essas vinhetas, ou repentinas imagens de pessoas comuns, começam a adquirir o colorido e a intensidade de cenas que merecem ser capturadas na memória. Tomemos, por exemplo, uma cena e algumas palavras que ouvi por casualidade enquanto aguardava o meu carro numa oficina mecânica perto de casa.
“Julinha, quando a gente faz algo de bom pelas pessoas, elas voltam a nos procurar, confiam na gente. Se eu conserto uma peça e logo depois o carro encrenca de novo, eu não cobro pelo segundo conserto, mas conserto o carro outra vez.” Na voz do homem havia afeto, experiência, compaixão, em vez de estratégia calculada. O dono da oficina estava falando com uma adolescente que estivera murmurando sobre o que faria da vida. Enquanto escutava, senti a bondade nesse homem que atraíra a confiança da adolescente.
Lembro outra cena ocorrida há quase trinta anos, de um vizinho nosso, que tinha dois filhos e bebia demais. Não o classificávamos como tal, mas suponho que hoje seria chamado de alcoólatra. Sua vida parecia duríssima, mas era óbvio que ele amava os dois filhos. Aí começou a haver uma mudança, de início quase imperceptível. Os meninos estavam passando horas difíceis. Percebemos que ele finalmente tinha se tornado tão sensível às necessidades dos filhos, que decidiu fazer algo para proporcionar-lhes um pai de quem pudessem se orgulhar. Então, deixou de beber.
A nossa volta acontecem pequenos episódios, como centelhas, como a busca de algo mais elevado, aquele indício de um senso de humanidade que se inclina para Deus, o bem infinito.
Muitas histórias contadas na Bíblia são vinhetas, lampejos, que nos dão o que pensar, que nos permitem observar o exemplo de homens e mulheres cujas vidas desempenharam um papel importante em revelar o desígnio e o amor universal de Deus. Vislumbramos uma humanidade que não está voltada para as coisas terrenas. Em Ciência e Saúde a Sra. Eddy escreve a respeito da promessa de uma humanidade mais elevada: “A divindade do Cristo tornou-se manifesta na humanidade de Jesus.” Ciência e Saúde, p. 25. E que humanidade maravilhosa!
Perdoa setenta vezes sete, ama a Deus de todo o teu coração, ensinou ele. Voltou àqueles que, não por maldade mas por fraqueza, o haviam abandonado. Jesus curava com uma palavra ou um leve toque. Que modo magnífico da divindade se revelar a nós. A humanidade de Jesus manifestava a divindade profunda do Cristo salvador. Essa humanidade ligava a majestade de Deus à vida cotidiana de pessoas que não eram diferentes de nós.
Essa profunda divindade que penetra nos acontecimentos comuns de nossa vida, é fundamental aos ensinamentos da Ciência Cristã. Eis por que a cura é tão fundamental a esta religião. Deus — a Mente e o Amor infinito — não conhecendo a doença, nem o pecado, nem o falecimento ou desaparecimento do homem na morte, é revelado na Ciência do Cristianismo. A Ciência Cristã traz-nos transformação e cura onde vivemos ou trabalhamos. Que paródia da divindade e da onipotência de Deus e de nossa humanidade, se essa cura e essa transformação não fossem normais e não estivessem ao nosso alcance!
Há exigências a cumprir, se quisermos adquirir a força espiritual implícita nessa humanidade elevada. Ciência e Saúde descreve o que se faz necessário, bem como nosso potencial espiritual: “Todos temos de aprender que a Vida é Deus. Pergunta-te: Estarei vivendo a vida que se aproxima do bem supremo? Estarei demonstrando o poder curativo da Verdade e do Amor? Se assim for, então o caminho se tornará cada vez mais claro ‘até ser dia perfeito’. Teus frutos hão de provar o que o compreender Deus traz ao homem. Mantém perpetuamente este pensamento — que é a idéia espiritual, o Espírito Santo e Cristo, que te habilita a demonstrar, com certeza científica, a regra da cura baseada no Princípio divino, o Amor, que está por baixo, por cima e em volta de todo ser verdadeiro.” Ibid., p. 496.
Uma vez despertada em nós a compreensão de que a natureza espiritual do homem é espelhar a presença e a realidade de Deus, algo de sólido e inegável nos impele a ser bons. Quando isso acontece, homens e mulheres começam a perder a vontade de odiar, de temer, de descrer na realidade do Espírito infinito. É esse desenvolvimento espiritual na consciência o que fundamenta a cura na Ciência Cristã. Por mais difícil que seja explicar tal fenômeno ao intelecto cheio de dúvidas, é esse despertar espiritual o que explica a rápida e “miraculosa” cura apresentada pelo Cristianismo do Novo Testamento.
Houve os que ficavam pasmos quando Jesus realizava curas. Não podiam recorrer com convicção a algo material para explicar como a um homem nascido cego se lhe restabelecera a visão, como os leprosos podiam voltar a ter pele normal, ou como uma pessoa incapaz de falar, repentinamente se pusesse a falar. Alguns diziam que o poder de Jesus era diabólico, outros queriam sinais sobrenaturais vindos do céu, como se a restauração espiritual e humanitária das faculdades e capacidades normais de homens e mulheres, não fosse suficiente para dar provas da presença de um Deus majestoso em suas vidas. A explicação dada por Jesus não satisfazia a todos, mas era suficiente para os que estavam dispostos a recebê-la: “Se ... eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós.” Lucas 11:20.
Esse era o cerne de sua mensagem e a promessa de sua humanidade. O reino de Deus vem a nós dessa forma. A Ciência Cristã declara que o advento do reino de Deus surge à media que o nosso pensamento se transforma mediante a compreensão espiritualmente científica de que o homem é o reflexo de Deus. Essa verdade espiritual causa uma mudança em nossa vida. Quando nossa compreensão espiritual da totalidade do reino de Deus se firmar bem em nossa vida cotidiana, não só o pecado e a doença começarão a desaparecer, mas também começaremos a ver as vinhetas do aparecimento da Verdade e do Amor numa nova humanidade.
