Quando Pensamos Na família “ideal”, não pensamos nos garotos de rua. Mas foi na vida em família que eu fiquei pensando, após ter visto Salaam Bombay (Salve, Bombaim), um filme que segue um menino de rua e seus companheiros através dos detalhes de sua luta pela vida. O filme é sobre crianças que vivem realmente nas ruas e a cada dia lutam para ganhar seu minguado sustento.
Um dos aspectos mais notáveis do filme é ter sido feito partindo do ponto de vista da criança. O cineasta demonstrou enorme e habilidosa empatia, ou seja, capacidade de viver os sentimentos alheios, neste caso, ao ver o mundo através dos olhos de uma criança. Em conseqüência, o filme é comovedor, muitas vezes triste, mas quando saí do cinema não tinha o coração pesado, como inicialmente pensara.
O filme havia ultrapassado, e muito, o mero entretenimento. Embora minha infância não tenha incluído as duras experiências daquelas crianças, reconheço que o filme me recordou como eu poderia ver as coisas do ponto de vista de uma criança. É extraordinário o sentimento de compreensão e interesse mútuo que pode ligar um adulto, eu, vivendo no Ocidente, às crianças que vivem uma experiência tão distinta.
Através do filme, pude compreender que existe uma família mais ampla a ser levada em consideração, quando ponderamos quais são nossos ideais de vida em família. Isso me veio à mente de novo, certa manhã, quando ia de carro para o trabalho e vi um policial curvado sobre um homem inconsciente, tentando despertá-lo com delicadeza. Pela cena, deduzia-se que o homem vivia nas ruas, mas o que me impressionou ao ver o rosto dele foi perceber o quanto ele me lembrava uma pessoa conhecida.
Perceber em outras pessoas uma relação com nossa vida e nossos afetos é começar a sentir vagamente alguma coisa da relação duradoura que temos uns com os outros, como membros de uma família humana mais ampla. Todavia, mais importante do que isso, é começar a sentir que, à medida que passamos a compreender Deus como o verdadeiro Pai do homem e, por conseguinte, a ver os outros como irmãos e irmãs, não podemos aceitar o conceito de “família” como um agrupamento mortal, material.
Certa vez, quando os discípulos de Jesus encontraram um homem cego de nascença, de imediato pensaram numa falha ou fraqueza familiar para explicar sua deficiência. Eles queriam saber quem tinha pecado, ele ou seus pais; qual fora a causa de sua cegueira, dessa aparente maldição. Talvez a resposta de Jesus tenha sido uma surpresa para eles. O Evangelho de João relata a resposta do Mestre: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus.” Como resultado, Jesus curou o homem da cegueira.
Que magnífica atitude! Jesus não considerou o homem como um pária, excluído do cuidado e amor de Deus, mas como alguém que nunca estivera fora do amor de Deus. Se compreendemos que Jesus é o Filho de Deus, então podemos dizer com razão que o poder curativo da oração do Mestre consistia em reconhecer a identidade espiritual de seus semelhantes como também sendo filhos de Deus, do Espírito divino. Para Jesus, esse relacionamento significava que o homem é espiritual agora. Até podemos dizer que Jesus reconhecia seu próximo como irmã ou irmão no sentido mais profundo e espiritual do termo, em definitivo como tendo a mesma herança e linhagem da família universal de Deus.
O que faz uma família perfeita não são pais humanos impecáveis ou filhos humanos impecáveis, mas sim a compreensão mais profunda do homem como imagem e semelhança espiritual de Deus. Tal reconhecimento faz jorrar torrentes de amor e estima, que conduzem à verdade de que o mal, a doença e o pecado não fazem parte do homem nem da família do homem — as idéias ou filhos espirituais de Deus.
Falando da verdadeira natureza do homem como expressão ou reflexo de Deus, Mary Baker Eddy escreve em Miscellaneous Writings sobre a necessidade de reconhecer o homem “apenas como o filho espiritual de Deus.” E depois prossegue dizendo: “Com esse reconhecimento, o homem jamais poderia se separar do bem, Deus; e necessariamente nutriria um amor habitual por seu semelhante.”
A família ideal é assim, ou seja, não consiste de um certo número de pessoas, determinada quantidade de riquezas, ou quaisquer outras medidas de sucesso, mas sim da compreensão da verdadeira natureza do homem como filho de Deus. Essa compreensão amplia o círculo familiar até que Deus e todos os Seus filhos sejam realmente reconhecidos como nossa família.
Então ouvi grande voz vinda do trono, dizendo:
Eis o tabernáculo de Deus com os homens.
Deus habitará com eles.
Eles serão povos de Deus
e Deus mesmo estará com eles.
Apocalipse 21:3
