Na Ópera Cômica Iolanda, de Gilbert e Sullivan, que é uma divertida crítica ao governo, mais especificamente ao Parlamento Britânico, um dos personagens canta os seguintes versos:
Quão cômico é...
A natureza sempre a maquinar...
Pois, neste mundo, toda criança ao nascer,
Menino ou menina, tanto faz,
Um pequeno liberal vai ser,
ou, num conservador irá se transformar!
Num ano de eleições, a diferença entre idéias liberais e conservadoras vem à baila com mais insistência. No entanto, será que a cidadania responsável e a capacidade de votar com inteligência exigem que nos identifiquemos com um desses rótulos, ou com o outro? Será que podemos ter idéias liberais e conservadoras ao mesmo tempo, sem que por isso tenhamos de ficar indecisos, assumindo uma posição neutra, indefinida?
O ponto de vista espiritual que alcançamos com o estudo da Ciência CristãChristian Science (kris´tiann sai´ennss) ajuda-nos a adotar uma perspectiva mais equilibrada. Podemos ser liberais, até mesmo radicais, e ser, ao mesmo tempo, conservadores! E isso, por sua vez, nos guia em escolhas que se aproximam mais daquilo que consideramos certo.
Examinemos alguns precedentes bíblicos. Cristo Jesus, por exemplo, tomou uma atitude radical contra a comercialização do culto a Deus, ao expulsar os cambistas do templo. Ele rejeitou radicalmente as opiniões populares sobre a doença, o pecado e a morte, ao curar paralíticos, coxos e cegos, ao redimir e perdoar pecadores e ao ressuscitar mortos. Ele foi radical ao censurar os fariseus por seguirem cegamente as tradições e rituais que haviam obscurecido, em grande parte, a lei original de Moisés. No entanto, foi meticuloso em conservar e preservar a lei original, até mesmo todo “i” e todo “til”, ou seja, cada detalhe dessa lei. Ver Mateus 5:18
A Sra. Eddy, seguidora do Mestre, foi conservadora, no sentido de que conservou, aliás, restabeleceu o cristianismo primitivo praticado por Jesus e seus seguidores. Ela meticulosamente sustentou a lei moral contida nos Dez Mandamentos e explanada por Jesus no Sermão do Monte. No entanto, foi radical ao rejeitar o materialismo que durante séculos havia sepultado a cura cristã e encoberto o cristianismo com rituais e dogmas.
Ela viu claramente que o Mestre nunca condescendeu com métodos materiais nas curas que realizava. Também comprovou, em sua notável obra de cura, que sem uma radical confiança em Deus e uma radical rejeição da matéria não há cura espiritual genuína. Em Ciência e Saúde ela escreve: “O governo científico do corpo precisa ser conseguido através da Mente divina. É impossível obter o domínio sobre o corpo por qualquer outro meio. Nesse ponto fundamental, o conservantismo tímido é absolutamente inadmissível. Só mediante uma confiança radical na Verdade é que o poder curativo científico pode ser realizado.” Ciência e Saúde, p. 167.
Políticos radicais são muitas vezes extremistas. No entanto, de um ponto de vista mais profundo, a palavra radical significa, de acordo com um dicionário, “aquilo que é da raiz, da origem, ou a elas se relaciona.” Portanto, não é uma posição extremada, mas uma confiança radicada na Verdade, Deus, que é básica para que “o poder curativo científico” possa se manifestar. O profeta Jeremias nos apresenta uma metáfora vívida para descrever essa confiança profundamente enraizada: “Bendito o homem que confia no Senhor e cuja esperança é o Senhor. Porque ele é como a árvore plantada junto às águas, que estende as suas raízes para o ribeiro e não receia quando vem o calor, mas a sua folha fica verde; e, no ano de sequidão, não se perturba, nem deixa de dar fruto.” Jeremias 17:7, 8.
Eis aí a descrição de um verdadeiro radical e de um verdadeiro conservador. Pois todas as qualidades da árvore, ou seja, seu verdor, sua proteção, seus frutos, são conservados, não importando a aparência externa de calor ou de seca. Isso acontece porque ela é radical, porque suas raízes são profundas e bebem da água que o rio está constantemente renovando no subsolo, mas que não se vê.
A confiança radical em Deus mergulha por baixo das evidências externas de doença, crime, pobreza, cobiça, corrupção, todos os infortúnios da experiência humana, para alimentar-se das verdades invisíveis do reino de Deus. Aliás, invisíveis para os sentidos físicos. No entanto, para o sentido espiritual, isto é, para a capacidade que cada um tem de discernir a bondade inata e todas as demais qualidades derivadas de Deus, essas verdades invisíveis constituem uma infalível fonte de vida. Tais verdades incluem os fatos divinos de que o poder do Amor é inconteste e de que o homem é a emanação eterna de Deus, totalmente espiritual, inseparável de sua fonte divina.
Com a convicção enraizada nessas verdades invisíveis do ser, temos “confiança radical na Verdade”. E qual é o resultado? A folha permanece verde e os frutos continuam: a saúde e a harmonia são recuperadas e conservadas. Nesse sentido, o verdadeiro radical e o verdadeiro conservador são inseparáveis.
Esse é o conservantismo que procura preservar tudo o que é digno de ser preservado. Não se trata, de forma alguma, do “conservantismo tímido” que a Sra. Eddy qualifica de “absolutamente inadmissível”. “Conservantismo tímido” seria, por exemplo, temer todo tipo de mudança naquilo que nos é confortavelmente familiar e geralmente aceito, ou seja, a evidência dos sentidos físicos. Essa evidência inclui todos os conceitos humanos dualísticos, tal como a crença na coexistência do bem e do mal, do erro e da verdade, da matéria e da mente, como se tivessem o mesmo valor. Ciência e Saúde nos diz: “A teoria conservadora, na qual há tanto tempo se vem acreditando, é que há dois fatores, a matéria e a mente, que se unem sobre alguma base impossível.” Ciência e Saúde, p. 492.
Para que ocorra a cura, precisamos tomar uma posição radical a favor da absoluta unicidade e totalidade de Deus, que é o bem absoluto isento de mal, a Verdade isenta de erro, a Mente isenta de matéria, superando assim o dualismo da crença mortal, inclusive todas as suas limitações. Isso exige a disposição de deixar de reverenciar as evidências exteriores de desastre e desordem, por mais difundidas que sejam, para compreender a profunda realidade que somente o sentido espiritual revela e coloca em prática, ajustando corretamente os acontecimentos e o corpo.
Assim como precisamos nos afastar do “conservantismo tímido”, devemos também evitar o radicalismo que conduz a extremos. O extremismo nunca proporciona uma perspectiva equilibrada do que quer que seja. É como alguém que tenta andar com uma perna só, ou uma ave que tenta voar apenas com uma asa. A visão radical que procura conservar tudo aquilo que é digno de ser mantido é o ponto de vista equilibrado que nunca se deixa levar por nenhum tipo de extremismo, seja para a direita, seja para a esquerda.
Os políticos conservadores geralmente se detêm na importância do indivíduo, ao passo que os liberais destacam as responsabilidades sociais. Jesus demonstrou seu interesse pelos pobres, pelos marginalizados e por todos os que tinham algum tipo de necessidade humana, curando a todos. A eficácia de sua obra baseava-se na percepção sem precedentes que ele tinha do próprio valor, sua natureza puramente cristã, inseparável de Deus. Ele explicou: “O Pai, que permanece em mim, faz as suas obras.” João 14:10.
Ele resumiu a impossibilidade de separar o individual do coletivo, referindo-se aos dois grandes mandamentos do Antigo Testamento, que constituem a essência da lei. Ver Marcos 12:29–31. O primeiro, amar a Deus de todo o coração, estabelece nossa natureza individual em relação a Deus. O segundo, amar o próximo como a nós mesmos, a partir da premissa de nosso relacionamento com Deus, exige que cumpramos, no sentido mais elevado, nossa responsabilidade social. Nosso propósito individual e o coletivo não podem, com efeito, ser separados.
Por meio da oração, podemos reivindicar como nossa a postura equilibrada que é inata à nossa natureza espiritual. Isso nos ajudará a evitar posições extremadas e a encarar as questões políticas a partir de um ponto de vista mais amplo e mais elevado. Assim, utilizando a sabedoria e o discernimento que Deus nos deu, tomaremos decisões acertadas, quando formos exercer nosso direito ao voto.
 
    
