Era Natal e, naquele ano, um domingo. Eu morava em Angola e minha casa ficava situada em uma das principais avenidas da capital, Luanda. Todo final de semana, muita gente vinda da província passava em frente de casa. Essas pessoas se dirigiam ao maior hospital de Angola, que ficava na mesma avenida onde eu morava. Esse hospital era considerado o último recurso para doentes e feridos da guerra civil que assolou nosso país por 27 anos. Eles vinham na esperança de receber um bom tratamento ali. Viajavam longas distâncias, a maioria em estado grave, e muitas vezes, acabavam morrendo ao longo do caminho. Nos fins de semana, geralmente pela manhã bem cedo, sempre ouvíamos o choro das senhoras carregando seus filhos no colo, dizendo: “meu filho morreu!“ Essas pessoas não tinham condições de voltar para casa de carro e desciam a rua a pé para pegarem um ônibus ou uma perua para voltarem para casa. Para mim, era um a situação realmente constrangedora porque eu dormia na varanda da casa e, todo sábado e domingo, as pessoas que passavam em direção ao hospital me acordavam logo cedo, em torno das 6 horas da manhã.
Talvez nos outros dias da semana houvesse também muita gente que por ali passava em busca de ajuda, mas, como a avenida é muito movimentada, não dava para ouvir suas vozes. Outro problema é que, principalmente nas noites de sexta para sábado, as pessoas bebiam, batiam os carros e eram levadas ao hospital.
Ās vezes, eu me perguntava se aquilo que acontecia era justo. Seria a vontade de Deus que isso acontecesse? Eu me questionava por que aquela situação se repetia todo fim de semana. “Será que é por causa da riqueza que a nossa terra tem?” Já não sabia se a riqueza que havia ali era um mal ou um bem, por causar tanto sofrimento. Eu realmente orava por eles, para todos em Angola, como também para que a guerra acabasse. Acho que não existe ninguém que possa dizer: “eu não ligo para isso”, ou “eu não tenho nada a ver com isso”. Todos nós estávamos ligados na guerra.
Na igreja, orávamos com relação aos tumultos e, aos sábados, os membros se reuniam para orar e cantar hinos. Algumas vezes, um grupo de membros jovens e adultos fazia visitas aos deslocados das províncias, aos feridos e visitava o hospital. Distribuíamos livros e literatura da Christian Science. Alguns desses pacientes e deslocados vieram depois conhecer a igreja. Naquela época, muitos iam para Luanda por ser a cidade mais segura de Angola.
Naquela manhã de domingo, 25 de dezembro, lembro-me de ter dormido tranqüilamente e, ao acordar lá pelas 7 horas, reparei que não estava ouvindo nada, nenhum som, nenhuma senhora chorando. Sentia-se uma grande paz naquela manhã em que o sol bateu em meu rosto me despertando. Olhei para baixo e não vi ninguém na avenida, estava tudo calmo. Pensei comigo: “Hoje é domingo e não passou ninguém a caminho do hospital”. Isso me emocionou muito e me fez lembrar de uma frase do hino da Sra. Eddy, “Manhã de Natal”, que diz: “Nem nuvem má, nem temporal teu céu toldou”, e o céu estava realmente azul, o sol brilhava e não havia nenhuma nuvem. Lembrei-me também de outra frase do hino, que diz: “Nem dor, nem canto maternal, se fez sentir”. Era isso mesmo, pois não havia nenhuma senhora chorando, passando com bebê no colo. Como era bom, eu estava realmente tendo uma manhã de Natal. A Sra. Eddy sabia que o Natal é algo muito especial. É um dia onde não pode haver dor, nem pranto maternal. Fiquei feliz porque, naquele mesmo dia, cantamos esse hino na igreja.
