Paixões, anseios, desejos — as artes tentam retratá-los, a filosofia tenta explicá-los, a religião tenta sublimá-los. A humanidade passa grande parte de sua existência tentando satisfazê-los. Se você examiná-los em maior profundidade, perceberá que as formas que os desejos assumem, mascaram, com freqüência, questões mais arraigadas.
O vício em drogas, ou a dependência química, talvez disfarce um desejo mais profundo de paz. Pode ser que a gula encubra um anseio por afirmação da própria auto-estima. A promiscuidade sexual talvez reflita o desejo de se sentir amado e cuidado. Profundos anseios podem ser compreensíveis? O que está em questão aqui é como tentamos satisfazê-los. É muito forte a suposição de que o mundo só é compreendido fisicamente, ou seja, somente através dos cinco sentidos físicos. Além disso, a teoria da sensualidade insiste em que todas as idéias são derivadas da sensação física e passíveis de serem reduzidas a ela. Essa teoria, freqüentemente, afirma que o bem mais elevado se encontra na satisfação dos sentidos.
Contudo, a sensualidade, ou seja, a confiança na sensação e no impulso físicos, não somente denigre o interesse espiritual, moral, e intelectual da pessoa, como também não é confiável. Ela está no âmago do conflito mencionado na Bíblia, em Gálatas 5:17: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer”.
As conseqüências de se confiar na satisfação dos sentidos para se alcançar o bem na vida vai de encontro aos limites físicos e, o bem, pelo qual tanto esperamos, no final, nos é negado.
Um exemplo claro disso, aconteceu com alguém que conheci há algum tempo. Expulso de casa aos 13 anos, passou a viver nas ruas da cidade, como muitos jovens sem teto, prostituindo-se para obter sustento. Infelizmente, o dinheiro era fácil demais. Tornou-se dependente do álcool e, em seguida, de diferentes tipos de drogas. A prostituição se transformou em compulsão por sexo. Por fim, desenvolveu problemas físicos, incluindo uma doença que colocava sua vida em risco.
Ele estava extremamente desencantado com a vida. Além disso, havia chegado ao ponto de questionar se a satisfação dos sentidos físicos valeria realmente a pena. Estava buscando um novo sentido para sua vida e novas formas de realização.
Por trás da máscara, estava seu desejo de ser amado, sua necessidade de pertencer a algo. Até esse momento, esses desejos não estavam sendo adequadamente tratados. Começamos então a conversar sobre um conceito diferente de vida que provém de uma fonte divina. Deus amou de tal maneira Sua criação, que Sua própria natureza está expressa em tudo o que criou. Essa expressão inclui a certeza de que ninguém jamais pode estar distante do amor e do cuidado de Deus. Com freqüência, é quando toda a confiança nos aspectos físicos da vida falha ou desaparece, que as dimensões espirituais e profundas da existência se tornam mais aparentes para nós. Necessitamos do sentido espiritual para reconhecermos a espiritualidade que nos é inerente. Nosso sentido espiritual provém da compreensão de Deus, de Sua natureza, propósitos e métodos. Seu desenvolvimento exige uma mudança de foco que se distancia do físico como o intérprete dominante da vida, para uma conscientização da presença viva de Deus em nossa experiência. A carne, ou o sentido físico, se opõe ao sentido espiritual porque, simplesmente, são contrários um ao outro.
Deus amou de tal maneira Sua criação, que Sua própria natureza está expressa em tudo o que criou. Essa expressão inclui a certeza de que ninguém jamais pode estar distante do amor e do cuidado de Deus.
Ciência e Saúde, o livro de Mary Baker Eddy que define a cura espiritual, explica esse conflito de tal maneira, que nos ajuda a resolvê-lo: “O egoísmo e o sensualismo são cultivados na mente mortal pelos pensamentos que sempre se volvem ao próprio eu, pelas conversas sobre o corpo, e pela expectativa de encontrar prazer ou dor perpétuos provenientes do corpo; e esse cultivo se faz à custa do crescimento espiritual. Se revestimos o pensamento com vestes mortais, este tem de perder sua natureza imortal” (p. 260). Nossa natureza imortal é de fato a realidade da experiência, a natureza divina ou as qualidades de Deus que Ele expressa por nosso intermédio. Nunca há um momento em que essa natureza espiritual não esteja presente em nossa vida, mas é muito importante que não permitamos que pensamentos contraproducentes de sensualidade controlem nossa consciência e nos afastem dessa verdade.
Meu amigo prontamente se identificou com essa maneira de pensar. Ele havia sentido, durante muito tempo, que estava constantemente pensando sobre si mesmo como um corpo físico. Pior ainda, achava que os outros se interessavam somente pela sua aparência física. Em suas próprias palavras: “Sentia-me mais como um pedaço de carne do que uma pessoa”.
Se considerarmos a quantidade de propaganda apelativa, fica mais fácil compreender os sentimentos dele. Muito se projeta no pensamento enfocado no corpo e na expectativa de prazer que ele pode proporcionar. Contudo, freqüentemente, essas expectativas não são satisfeitas. Por exemplo, se nosso amor por outra pessoa estiver fundamentado na sensualidade, e aparecer alguém fisicamente mais atraente, o amor está perdido. Se as drogas, ilícitas ou prescritas, são utilizadas para prover algum grau de euforia ou liberdade, quando acaba seu efeito, o organismo acostumado a elas ainda continua preso ao conceito físico sobre quem somos. Se a comida é usada para compensar uma dor emocional ou insegurança, logo descobrimos que essas perturbações mentais retornam.
“A anatomia, quando espiritualmente concebida, é o conhecimento mental de si mesmo e consiste na dissecação dos pensamentos para descobrirlhes a qualidade, a quantidade e a origem. São divinos ou humanos os pensamentos? Eis a questão importante”
As pessoas merecem mais do que isso. Foi o que meu amigo percebeu, quando resolveu parar de olhar para a vida como uma experiência meramente física. Em vez disso, passou a sondar as dimensões mais profundas da vida no Espírito e do Espírito. Primeiro, isso significou ver a si mesmo sob uma perspectiva espiritual. Portanto, começou a valorizar as qualidades e os atributos que Deus lhe havia dado, ao invés de sua aparência física. Observou qualidades como inteligência, inocência, força e coragem se desenvolvendo nele. Descobriu sua auto-estima como filho de Deus. Expandiu essa maneira de pensar e começou a apreciar as qualidades espirituais nos outros e tentou não julgar a beleza, o valor ou o caráter das pessoas pela aparência física. Começou a contestar as suposições de que exista satisfação nas drogas, nos relacionamentos sexuais, ou nos anúncios nos ônibus, jornais, revistas e televisão que seduzem e despertam a tentação.
Na verdade, meu amigo começou a notar que a superficialidade do pensamento sensual cedia à compreensão espiritual e achou esse processo enriquecedor. Pela primeira vez, sentiu que realmente estava pensando por si mesmo e assumindo o controle de sua vida.
Esta passagem de Ciência e Saúde foi muito significativa para ele: “A anatomia, quando espiritualmente concebida, é o conhecimento mental de si mesmo e consiste na dissecação dos pensamentos para descobrir-lhes a qualidade, a quantidade e a origem. São divinos ou humanos os pensamentos? Eis a questão importante” (p. 462). Descobriu que tomar posse dos pensamentos e avaliar sua origem (se são espirituais ou se promovem o físico) é fundamental para aprender a controlar sua vida.
Não demorou muito para que ele percebesse que estava vendo a vida de outra maneira, e entendendo melhor a espiritualidade da existência. Ele sentia que Deus, a Vida divina, estava lhe mostrando quem ele era verdadeiramente. Com tal desenvolvimento, veio a cura da doença que lhe ameaçava a vida. O processo não se deu sem altos e baixos, pois ele constantemente tinha de enfrentar a tentação de recorrer à dependência e práticas anteriores. Contudo, ele havia vivenciado, intensamente, o que pode acontecer se a pessoa não combater a sensualidade e não pensar nas conseqüências de ceder a ela. Ele sabia que o sensualismo era contrário ao desenvolvimento espiritual. O mais importante é que ele estava conhecendo as decepções de um, e as recompensas do outro. Atualmente, ele diz que usufrui das recompensas ao sentir o domínio e os efeitos de deixar Deus guiar e moldar sua vida.
Ao fortalecer os sentidos espirituais, alcançamos a verdadeira satisfação, ao invés de destruí-la.
Combater a sensualidade (a suposição de que o bem maior provém da satisfação dos sentidos físicos) não significa viver uma vida austera, longe das alegrias e atividades normais da vida cotidiana. O que isso realmente significa é que esses prazeres são compreendidos sob um ponto de vista mais elevado. Ao fortalecer os sentidos espirituais, alcançamos a verdadeira satisfação, ao invés de destruíla. Quando uma atividade é desempenhada por força da sedução física ou sensual, como uma exigência dos cinco sentidos físicos, perdemos o domínio sobre nossa vida.
A Bíblia nos assegura que “...onde está o Espírito do Senhor, ai há liberdade” (2 Cor. 3:17). A compreensão espiritual sempre exige que, independentemente de nossos atos, reconheçamos o controle de Deus em nossa vida. Podemos reconhecer a presença de Deus ao expressar amor e afeição a uma pessoa, ou ao desfrutar um dia ao ar livre. Ali mesmo, compreendemos as implicações profundas dessa maneira de viver. Isso inclui sentir-se livre, expandir o pensamento e viver harmoniosamente, deixando para trás as falsas promessas e as exigências insatisfatórias da sensualidade.
