Quando eu tinha uns dez anos, a rotina de meu pai para se barbear me deixava fascinado: o espelho coberto de vapor, o creme de barbear e o pincel, os aparelhos de barbear de uma única lâmina manuseado com cuidado, e sua indiferença com pequenos cortes ocasionais no rosto.
Cantar era sinal de que havia começado a se barbear, pois todas as manhãs ele cantarolava hinos, à medida que se preparava para o dia. Um de seus favoritos reproduz o salmo: "Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele" (Salmos 118:24) e consta do Hinário da Ciência Cristã (342). Na ocasião, eu não dava muita atenção ao que ele cantava, exceto talvez: "Uau, ele realmente gosta desse hino". Ele cantava o hino inteiro e acabava sorrindo.
Só mais tarde compreendi a felicidade e o sucesso que meu pai obteve por começar deliberadamente cada dia glorificando-o por ser o dia de Deus, e que essa mesma satisfação também poderia ser minha.
A luz solar da Verdade
chega de maneiras simples e
belas, rompendo
qualquer escuridão que
estejamos vivenciando
Quando adulto, descobri-me começando minha rotina matinal com refrões desafinados, sem alegria, tais como: "Este é o dia em que não vou conseguir fazer nada", ou "Este é o dia em que estarei atolado nos problemas de ontem" (meus ou de outra pessoa). Também havia este outro, com um pouco de esperança: "Este não é o dia em que tudo dará certo, mas é o dia mais próximo daquele que talvez possa dar certo".
Parece familiar? Tais refrãos não são muito agradáveis. De fato, eles acabam com a alegria e reprimem possibilidades.
Ãs vezes, a interpretação dos Beatles de "Here comes the sun" [Aí vem o sol], rompia minha melancolia. Contudo, com todo o respeito aos Beatles, a luz do sol não é suficiente. No meu estudo da Ciência Cristã, tenho aprendido a pensar na luz de Deus como o Cristo, "a luz solar da Verdade" (ver Ciência e Saúde, p. 162), que está sempre presente. Ela chega de maneiras simples e belas, e rompe qualquer escuridão que estejamos vivenciando.
Sabia que Mary Baker Eddy descreveu o sol em Ciência e Saúde como: "O símbolo da Alma, a qual governa o homem—o símbolo da Verdade, da Vida e do Amor" (p. 595). Mesmo assim, ainda não me sentia muito inspirado, amado ou animado.
Cada dia pertence a Deus, não às circunstâncias que estão além do nosso controle
Então, em um momento realmente difícil, o barbear musical de meu pai me veio à mente. Comecei a pensar naquele seu hino favorito e vários pontos se destacaram. Mais ainda, de repente compreendi que era uma oração que afirmava que cada dia pertence a Deus, e não às circunstâncias que estão além do nosso controle, pois Ele é o amoroso Pai-Mãe.
Quanto mais pensava nessas ideias, mais encorajado me sentia. Imediatamente raciocinei que se Deus, que é o próprio Amor, fez existir o dia, ele já está repleto de amor e bondade; que se Deus é Mente, como afirmam a Bíblia e Ciência e Saúde, cada dia pode cumprir seu propósito infinitamente sábio, de forma inteligente. Ademais, percebi que cada dia necessariamente incluía os recursos de Deus, tais como: bondade e comportamento altruísta, ordem, sabedoria e orientação. Em um dia assim, certamente vale a pena levantar da cama!
Alguém talvez pergunte: "Quem sou eu para ter direito a um dia assim"? Conforme afirma o primeiro capítulo do Gênesis, a verdade é que, agora mesmo, somos todos filhos de Deus, beneficiários de Sua radiante bondade, que vem precisamente da maneira que se faz necessária. Para mim, o hino que meu pai cantava repete esta promessa da Bíblia: "Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança" (Tiago 1:17). Esse fluxo do bem, com sua abundante graça é constante, sem variação sazonal, sem sextas-feiras fatigantes ou segundas-feiras opressivas.
Minha preocupação com o dia seguinte desvaneceu-se
Raciocinar dessa maneira me trouxe uma cura imediata, há alguns invernos passados. Depois de ter cruzado o país de avião, arrastei-me até o quarto do hotel, sem me sentir bem. Havia inúmeras manchetes nos jornais sobre uma gripe sazonal particularmente agressiva.
Deitado naquele quarto de hotel, não parecia justo que me sentisse tão indisposto. Afinal, estava programado para dar uma palestra naquela cidade, dar testemunho da presença e do poder de Deus, e ajudar outros a reconhecerem essa verdade sanadora. Então, ponderei sobre esta frase de Ciência e Saúde: "Enfrenta as fases incipientes da moléstia com oposição mental tão poderosa como a que um legislador empregaria para impedir a aprovação de uma lei desumana" (p. 390).
Comecei a raciocinar, a orar, com a convicção de que tudo pertencia a Deus, cuja lei protege e sustenta a saúde. Fiquei firme com a idéia de que cada um de Seus filhos estava sob essa lei, vive na atmosfera do Amor divino, é suscetível somente ao bem e imune à dor e à doença. Minha preocupação com o dia seguinte se desvaneceu. Adormeci e acordei durante a noite completamente bem. A dor e o desconforto desapareceram. Na manhã seguinte, não somente me senti bem, mas estava cheio de energia, inspirado e desejoso de ver o que incluía aquele dia de Deus. Tudo correu perfeitamente e consegui apresentar minha palestra com tranquilidade. Além do mais, desde aquela ocasião nunca mais senti aqueles sintomas de gripe.
A gratidão é uma forma de oração que revela a lei do amor de Deus ali mesmo onde ela se faz necessária
Contudo, como podemos trazer esse bem à luz, a cada dia, de forma consistente?
O hino favorito de meu pai começa com uma ordem bem específica: "Exulta sem cessar". É interessante também que os Salmos repetidamente nos exortam a louvar e dar graças pela bondade de Deus. Levou certo tempo para eu perceber que, mesmo que Deus não precise do meu louvor, eu precisava louvá-Lo. Louvá-Lo faz com que eu olhe para a direção certa, a fim de encontrar o bem e ser capaz de expressá-lo.
Gratidão e louvor não se referem a receber algo, mas ao ato de dar. Parece-me que vivemos a gratidão quando nossas ações expressam a natureza de Deus. Esse tipo de dar se transforma em um amor sem limites, um amor que rompe a auto-hipnose do pensamento sobrecarregado, que se atém mais ao bem e que abençoa outros nesse processo. A gratidão é uma forma de oração que revela a lei do amor de Deus ali mesmo onde ela se faz necessária.
O hino continua: "E, sem temor, o Pai já vês". Tal postura envolve nos afastarmos mentalmente de uma dificuldade, e nos torna conscientes somente de Deus. Envolve uma profunda fé na constância da bondade dEle e confiar em nossa condição de amados filhos de Deus. Em qualquer lugar, estamos dentro da infinita presença de Deus, pois não é possível estarmos fora do Infinito.
Cada momento irradia a abundante luz e ternura da amorosa lei de Deus
Consequentemente, minha experiência provou que permanecer com coragem produz um senso de confiança cheio de paz, capacitando-me a ver e a sentir o Amor ali mesmo onde a confusão ou o medo pretendiam tirar minha paz. Foi isso que fiz naquela noite no hotel.
A Bíblia relata como os filhos de Israel, após escaparem corajosamente da escravidão no Egito, acharam-se acuados entre o exército do faraó e o Mar Vermelho. Contudo, Moisés lhes disse: "Não temais; aquietai-vos e vede o livramento do Senhor que, hoje, vos fará; porque os egípcios, que hoje vedes, nunca mais os tornareis a ver" (Éxodo 14:13), e o mar se abriu permitindo-lhes que o atravessassem, em seco. Apesar das terríveis contingências, aquele veio a ser um ótimo dia.
Firmarmo-nos conscientemente na presença de Deus, exercendo nosso senso espiritual inato, liberta-nos da tentação de nos sentirmos oprimidos. A consciência do poder de Deus nos eleva acima de meramente lutarmos contra os acontecimentos, para alcançarmos os recursos do bem, já presentes e abundantes. Além disso, ao fazermos isso, ecoamos a conclusão do Apóstolo Paulo: "...todas as cousas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus" (Romanos 8:28).
O Cristo incorpóreo, espiritual, fala a cada momento, e revela a supremacia prática de Deus, do bem. Novas revelações do Cristo vêm a cada momento, afirmam nossa união com Deus e ilustram Seu poder sanador. Nosso dever é permanecer firmes, investidos de alegre expectativa, louvar a Deus e dar graças pelo bem que realmente vemos. Fazer isso talvez pareça difícil, contudo, não existe nada mais natural. O esforço para superarmos a sensação de estarmos separados ou alienados do Amor divino será abençoado com grande alegria, paz e liberdade.
Cada momento irradia a abundante luz e ternura da amorosa lei de Deus. Cantar em nosso coração, felizes porque cada dia é o dia de Deus, une todas as vozes em toda parte em um jubiloso louvor ao nosso Pai-Mãe!